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quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Igreja Adventista do Sétimo Dia de Gramado e seus Pioneiros - Bernardino e Dorça Reis, Maria Elisa, e Amélia Kraemer.


Bernardido dos Reis e Dorcelina da Rosa

Eu confesso que gostaria de publicar esta história em publicação à parte, mas perceberão que os personagens se conectam. Então, boa leitura.

Dorcelina passou a chamar-se Dorcelina Eufrásio dos Reis, eram naturais de Rolante, interior do Rio Grande do Sul. Mudaram para Gramado, por volta de 1950, onde foram trabalhar como caseiros em uma chácara da família Neugebauer, os fabricantes de chocolate, de Porto Alegre. Eram agricultores, e Bernardino foi trabalhar como madeireiro, com os Dinnebier, onde permaneceu até sua aposentadoria.

Dorcelina, conhecida como Dorça, era habilidosa na arte culinária, e Bernardino, quando não estava no trabalho da madeireira, lidava com suas reses, e tocavam a vida, dividida entre trabalho, e sua fé. Formaram as famílias precursoras da fundação do grupo religioso local, dos Adventistas do Sétimo Dia. O casal teve três filhos: Lenira, Cenira e Naor.

Recordar desta família corresponde a uma parte significativa de minha infância e juventude, porque fui criado neste meio religioso. Eu explico: Minha avó, Maria Elisa, de quem já contei algumas coisas, conheceu a fé Adventista do Sétimo Dia, em uma situação bastante curiosa. Foi assim: Foi batizada, ao nascer, na fé Católica, onde permaneceu até por volta dos dez anos de idade. Neste tempo, por influência do seu tio, José Francisco de Oliveira, vulgo "Zé Tristão" (olhe como são as coisas, pois "Zé Tristão", não foi ninguém, senão aquele que meteu uma carga de cacos de pregos, como munição da pistola, na cabeça do pai dela, Victor Pereira Dias, por conta de uma traição descoberta por "Zé Tristão", por façanha do concunhado, Victor sofreu a ira de um imenso par de guampas, e como consequência (esperada, naquele tempo e de acordo com a cultura local), serviu de alvo para a mira do ofendido chifrudo. Certo, sei que fui sarcástico com algo tão terrível, mas querem o que? Que eu fique guardando rancor, por algo que aconteceu em 1912, noventa e nove anos atrás? Não, eu não vou. Mas vamos em frente. 

Lenira e Naor dos Reis. Ao fundo, Dorcelina

Maria Elisa, sob intensos protestos do avô, Tristão de Oliveira, mudou de religião, e tornou-se, Luterana, e, ah, sim, estava esquecendo, que foi "Zé Tristão" quem levou esta denominação religiosa para Gramado e Canela. Isso mesmo, o assassino do pai. Que bom que ele se arrependeu. Mas, e o que isso tem a ver com o casal Reis, se nem existiam nesse tempo, e muito menos, moravam em Gramado?

Ah, é aqui sim que começa a segunda parte da narrativa, pois, lá pelos vinte e tantos anos de idade, seu irmão, João Victor Pereira Dias, ou doravante denominado "Tio João", conta à ela, quase em êxtase, que havia descoberto uma religião, lá por Rolante, Ou Taquara, cujos prosélitos, "guardavam o Sábado, e não comiam carne de porco!". Ora, isso era quase uma libertação para os irmãos, pois liam nas suas Bíblias que eram práticas destinada "unicamente aos judeus", segundo sabiam, mas que agora apareceu uma igreja, onde esse costume fazia parte das doutrinas, e pregavam que Jesus é O Messias, igualzinho era pregado nas igrejas Católica, e Luterana, de onde eram egressos. Então, tomaram ali mesmo a decisão de procurar pessoas que seguissem essa orientação religiosa, e as encontraram, em Gramado. 

Casa de Amélia Kraemer

A princípio, localizaram a viúva Amélia Kraemer (fiquem tranquilos, a Casa da Amélia Kraemer também estará aqui neste blog, se D's permitir. Já foi desenhada até), e mais algumas pessoas, e por conta da existência deste pequeno grupo, Amélia cedeu um pedacinho de seu belíssimo terreno, no alto do morro, na estrada que terminava no protão do paradisíaco jardim de Oscar Knorr (Mais tarde, Parque Knorr e hoje, tem um empreendimento de turismo no local). Ali nasceu então a primeira Igreja Adventista de Gramado. Pouco tempo depois, chegam à Gramado, os agricultores Bernardino e Dorcelina, como já mencionado, oriundos exatamente do lugar de onde João Victor descobrira os guardadores do Sábado, e abstêmios de costelinha suína, mas que acreditavam em Jesus.


Este pequeno cartão, parecendo um "marca Páginas, é na realidade a Certidão de Batismo, Adventista de minha bisavó, Maria Francisca de Oliveira, em 21 de março de 1942, pelo Pastor Harold Hoffman, irmão de Siegfried, que à época (Harold) era Diretor do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, em Taquara - IACS.


Casa de Amélia Kraemer
Casa de Amélia Kraemer - Quadro pertencente à Família Hoffmann

Minhas lembranças pessoais, são de um breve salto no tempo, pois nasci em 1957, e então meus registros mais prisco remontam o ano de 1960. E desde esse tempo, minha convivência religiosa foi com o filho do casal, Naor Reis, meu querido amigo até o dia de hoje.


Pastor Brás, Bernardino, e Dorça - Álbum da família Reis

Minha avó Maria Elisa tinha opiniões contundentes, e nessa condição, encontrava desafetos, e com eles travava embates, sempre ideológicos ou doutrinário. A religião instiga isso nas pessoas, a defesa de suas convicções com paixão. Assim, Bernardino e Maria Elisa, viviam às turras, um com o outro e outro com o um. Porém, vi certo dia, que tudo isso não passava de uma fina casca, onde prevalecia o respeito mútuo e uma amizade duradoura. Isso aconteceu no dia em que o grupo local, por razões administrativas, seria elevado à condição de igreja constituída, dentro dos padrões da organização Adventista, e nestes padrões, em sua administração local, existem certos cargos que demandam aprovação de uma assembleia, para a eleição dos cargos necessários ao funcionamento regular da congregação. O cargo mais importante, entre os membros leigos, é o de Ancião, seguido do Diácono. O primeiro ocupa-se das demandas de cunho espiritual, e dirige o funcionamento em geral, e o segundo, é o responsável pela manutenção do patrimônio físico e bom funcionamento dos cultos e serviços.

Lembro que uma comissão de pastores, provenientes da administração regional, visitou Maria Elisa, para ouvi-la, na sua condição de pioneira, sobre uma indicação dela à escolha dos candidatos aos cargos mencionados. Maria Elisa não hesitou ao responder:
-"Não vejo nenhum outro nome que preencha satisfatoriamente os requisitos para o ancionato, do que o Bernardino dos Reis!" E assim foi que foi. Bernardino tornou-se o primeiro Ancião da Igreja Adventista do Sétimo Dia de Gramado. Este fato, em seus pormenores, não está no livro de Atas da igreja, mas pode ser acrescentado quando alguém contar esta história.

Minhas lembranças deste tempo, vão até sua pequenina casa, aqui retratada, com o rigor da memória e sustentado por algumas fotografias, cedida por Naor. Eram caseiros da chácara e da casa maior, dos Neugebauer, quem tinha uma piscina, onde servia de tanque para os batismos por imersão, realizados pelos membros da igrejinha local. Eu e meu tio Samuel Isaac, fomos batizados neste local. Eu tinha dez anos de idade. A foto desse dia, deve estar na caixa de caminhas que minha mãe Ester, guarda fotos antigas. O pastor que me batizou, chamava-se Ivo Souza, que perdeu a vida em um trágico acidente de automóvel. Uma escola em Rolante, RS, tem o seu nome, em homenagem.

Passaram pela igrejinha de Gramados alguns nomes, que tentarei recordar: Darcy Trojan, Ivo Souza, Walkdemar Lietzke, Siegfrid Hoffman, entre outros.

Recordo, com muito carinho, das reuniões de jovens, organizadas no local, geralmente nos sábados à noite, que no jargão religioso dos adventistas de então, era chamado de "Sociais". Eram sociais mesmo, e cantava-se contavam-se histórias, ria-se muito, e confraternizava-se saboreando os petiscos e guloseimas que Dorcelina (Dorça) provia aos participantes. Recebiam ali, como era também de costume, pastores, aos quais acolhiam e hospedavam, assim como a obreiros (Colportores, dirigentes, estudantes e familiares vindos de longe), e cobravam deles apenas que oferecessem alguma "Variação", um tipo de exibição artística, sempre com temas de louvor. Ali encontravam-se Quartetos, muito afinados, corais, e eventualmente tais encontros ainda resultavam em namoros. Bons tempo, bons tempos.

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Bernardino era responsável pela madeireira dos irmãos Dinnebier, até sua aposentadoria. Doça, sempre tomou conta do lar, e a culinária era um de seus dotes sociais preferidos. Foi com ela que aprendi a fazer "Cuscuz de Aipim", que ela fazia, ralando o Aipim, e ainda fazendo polvilho pelo suco do Aipim.

Ganhei dela, ainda, um panelão de ferro fundido, que estava "largado" no jardim, sem utilidade. Teci rasgados elogios ao tal panelão e ela doou-o generosamente à minha pessoa, e para minha felicidade semi absoluta, ao mandar remover a ferrugem por meio de jato de areia, constatei que estava perfeito, intacto, sem nenhum furo, e que ainda poderia ser utilizada para cozinhar uma deliciosa polenta, ou um arroz carreteiro saboroso. Infelizmente, vendemos a casa, recém construída, e viemos morar longe da casa e da panela. Mas, não esqueci quem "ma" doou. Não mesmo.

Mas não para aí a lembrança de uma particular atividade de Dorça: Ela era responsável por manter a pequenina igreja, sempre acolhedora e receptiva, e essa qualidade sempre é melhor servida, se houver flores, muitas, perfumadas e belas flores. Foi assim, que Dorça cultivava em seu pequenino jardim (e que fiz questão de ilustrar), belíssima Dálias, enormes, coloridas, perfumadas. Foi o último presente que ganhei de Dorça, como compensação de meu abusado auto oferecimento para comer o Cuscuz de Aipim que só Dorça eu vi fazer.

Na igreja, Bernardino costumava ensinar as doutrinas bíblicas de sua fé. Em casa, era brincalhão e divertido, bem humorado. E ambos repousaram, no fim da carreira da fé, com os olhos do corpo fechados para o sono dos justos, e o outro, o da alma, perpetuado e fixos no infinito, de onde esperam ver Seu Messias, Jesus, chegando. O mesmo Jesus que, segundo, minha vó, Maria Elisa, tinha certeza de que O veria chegar ainda em vida. Bem. Maria Elisa sempre acertou na previsão do clima, e não será dessa vez que falhará sua experiência e fé. Bernardino e Dorça, sabiam disso.

O primeiro Pastor que perambulou por esta querência, foi José Amador dos Reis, que batizou Maria Elisa, minha avó, e Maria Francisca, minha bisavó, em 1942.







A casinha à direita era o templo Adventista até 1972



Amélia Kraemer

Mas é claro que eu poderia ter começado esta narrativa falando de Amélia Kraemer, afinal ela foi a primeira adventista da cidade, na época ainda um Distrito de Taquara, e também mantenedora e benfeitora, ao doar terreno para a construção da pequenina casa de madeira pintada com óleo queimado, que serviu de templo para a congregação que se formava.

De Amélia, recordo de suas visitas à minha avó, Maria Elisa, nunca ia de mãos vazias, e levava presentes de seu pomar e despensa, como biscoitos e frutas. Ela levava sempre uma sacolinha, e pedia que lhe fossem devolvidas as cascas das laranjas, pois as encaminhava ao Laboratório da família, o afamado Laboratório Kraemer, de Porto Alegre.





Este laboratório produzia, entre outros, o "Almanaque Iza", distribuído todos os anos, no final do ano, que continha, em suas poucas páginas, um conjunto de informações sobre saúde, clima, variedades, clima, plantio, e humor.

Amélia era de baixa estatura, miudinha, usava aquele óculos redondinho que toda vovozinha alemã usava, e era de agradável companhia nas prosas. As duas, permaneciam por várias horas conversando, e a religião era o tema predominante.

Amélia era mãe de Lúcia, que era esposa do Dr. Siegfrid Hofmann, médico e pastor adventista, um dos pioneiros da medicina e educação adventista no Brasil. Isso é contado no Year Book, dos anais da Organização Mundial Adventista.

Siegfrid Hoffmann

A pequenina igreja, foi mudada para a Rua São Pedro, em 1972, para um templo maior, onde se encontra ainda hoje. Seus personagens pioneiros já descansam, todos dormem por um pouquinho de tempo ainda, porque confiaram que Aquele que há de vir, virá, não tardará.

Maria Elisa e suas longas tranças - Foto: Marilia Daros Franzen

Para os mais saudosistas dos hinos cantados em priscas eras, encontrei alguns vídeos mais significativos destas lembranças. Espero que o Youtube não cancele a exibição. Pelo sim, pelo não, aqui vai.



O Quarteto Arautos do Rei era o cancioneiro oficial do programa de rádio "A Voz da Profecia", e acompanhava o Pastor Roberto Rabello, em programas semanais compartilhados por centenas de emissoras de rádio pelo Brasil.

Estes eram alguns dos programas transmitidos pela "Voz da Profecia".


 
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Quanto à Maria Elisa Dias Cardoso, sua história parcial já foi contada neste Blog. Leia aqui.

Casa de Bernardino e Dorcelina







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segunda-feira, 29 de novembro de 2021

A casa de "Adail e Zari Castilhos", em GRAMADO de priscas eras

Esta singela casa não existe mais. Pertenceu ao casal Adail de Castilhos  e Zari  Stumpf  de Castilhos. 

Ficava junto à entrada da Vila São Pedro, uma residência de veraneio, no alto do morro, cercado de mata nativa, no centro de Gramado.

Adail de Castilhos foi um simpático desportista e talentoso violonista e seresteiro da cidade.

Nos últimos anos de Vida, Adail, nos últimos anos de vida, era Corretor de Seguros, mas sua biografia é bastante ligada ao esporte, especialmente ao futebol de Gramado.

Como musicista, tocava violão e compunha um grupo de seresteiros que animavam as reuniões de amigos pelo tempo que já se foi.


Grupo em família - Foto: Acervo da família Castilhos

A casa é uma edificação bastante simples, e recebeu adições, ao que se mostra na imagem. Era uma típica casa citadina dos anos 60 e 70, em Gramado.

Pouco sei da história de Adail e Zari, e conto com seus familiares e amigos para que enriqueçam este relato, pois eu sei muito, mas não sei tudo, e nem sempre fui coadjuvante da história. Sou um contar de causos, e conto com quem conta para que me conte e eu possa de novo contar.

Acrescenta o leitor e grande amigo, Dirceu Hugo Da Ros a seguinte nota:


"Seu Adail todos os domingos pela manhã  tinha a sua escolinha de futebol e reunia a gurizada no Estádio dos Pinheirais ( do C. E. Gramadense  ) e formava dois times e só saia jogando quem tinha ido a missa das 7  ( católicos )".











Imagem: Google  Última imagem da casa

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terça-feira, 23 de novembro de 2021

A"Casa de Maria Elisa" - - "Te quebro uma perna se tu contar!" em GRAMADO de priscas eras

Maria Elisa Dias Cardoso

Nasceu em Gramado, no dia 28 de julho de 1911, em uma casa que ficava onde mais tarde veio a ser a sede do Instituto Balneo e Lodoterápico, ou Motel Balneário, na Avenida Borges de Medeiros, cujas terras, à época, pertenciam à sua mãe, maria Francisca, filha de Tristão de Oliveira.

Tais terras, compreendiam todo o morro central, desde a área do parque Knorr, ao sul, ao Mato Queimado, ao norte. Desconheço a precisão dos limites das terras, sei apenas que as terras que compreendiam o Morro dos cabritos e adjacências, pertencia à Maria Elisa, e a casa onde nasceu minha mãe, Ester, ficava no lugar onde hoje se encontra o Centro de Eventos. Cheguei a conhecer esta casa, mas a anterior, não mais. A terra foi vendida aos Nelz, e ali onde estava a casa, instalou-se o restaurante, que desenhei e irei descrever mais adiante.


 
Esta casa da imagem, até o momento em que escrevo isso, ainda está de pé, com a única alteração, da pintura, pois Maria Elisa nunca permitiu que sua casa fosse pintada.

Não sei dizer o motivo dessa negativa estética, mas o que ela dizia à mim era que, por morarmos num rancho feio, nunca sofreríamos de inveja ou cobiça, e que nenhum ladrão teria coragem de invadir nossa casa, pois seria bem capaz de condoer-se e ainda deixar algum donativo. Dizia isso, e dava risada, à solta.

As divisões da casa estão entre minhas lembranças

Gramado é uma cidade com características peculiares, e sua distinção remonta à esse tempo, aos dias de minha juventude, nos anos 70. Vivi nesta casa até os 21 anos de idade, e dela saí para casar e buscar outro rumo para minha vida. Porém, apesar de ser simples, feia, quase um rancho, jamais fui discriminado por morar ali, tampouco tive vergonha de levar amigos, ou convidados de outras classes sociais para compartilhar com eles, o cuscuz, os bolinhos fritos, o chá de mate, ou as iguarias rústicas que minha avó, de uma hospitalidade ímpar, oferecia à todos que cometessem a ousadia de passar à frente da casa, sem chegar para dois dedos de prosa, e uma infalível relação de respeito e amizade duradoura.

Em frente à casa, os meus barrigudinhos. Ao alto, a Vila Suíça.

Esta foto de Maria Elisa, foi tirada pela Marília Daros Franzen

A casa tinha três quartos, sala, cozinha, área de serviço, e banheiro. Isso mesmo! A casa tinha um banheiro. Isso era fantástico, pois pouco tempo antes, quando estava instalada em um terreninho de uns cem metros quadrados, onde depois foi construída um dos prédios do Artesanato Gramadense. Lá tinha só uma patente, do lado de fora, e o banho era de bacia, na cozinha, ou no quarto.

Nós morávamos num ranchinho de uns 40 m2 ou menos, num terreno emprestado, entre as terras de nossos primos. Maria Elisa, ou para os íntimos, "Tia Ilizia", voltou à Gramado, com uma carga viva de três filhos e um neto, e umas poucas "matalotagens", como ela dizia. Gramado, sua terra natal, e acreditem em mim: não é nada agradável voltar à terra em que nascemos e crescemos, quando saímos em uma condição e voltamos na outra.  Assim que foi. Maria Elisa então, engoliu o choro, arregaçou as mangas,e  foi á luta. Foi trabalhar como lavadora de pratos no restaurante do Motel Balneário, que nesse tempo estava aos cuidados Do Armando e Lourdes Rost, ou do Adelino e Teresinha (Nininha) Catucci. Não tenho certeza. Isso nem importa. O que importa é que ao voltar pra casa, ao final do dia, levava junto uma lata cheia de comida que sobrou na cozinha do restaurante. Comida boa, Ô. Minha memória olfativa me faz recordar do cheiro de galinha caipira (todas eram caipiras, pois nesse tempo nem se falava em galinha de granja), e manteiga no preparo dos alimentos. O perfume era percebido desde longe. Enfeitava o ar à volta do restaurante. Bailava em nossas narinas como um banquete do céu (embora há quem pregue que no céu não haverá galinha caipira, vá lá que seja, era um tipo de céu de pobre, de quem vê a presença de comida como uma oferta de anjos).

Maria Elisa, nesse tempo, caminhava pela mata, comigo pendurado nela, e colhia frutas, cada qual a seu tempo: Quaresma preta, araçá, cereja, ingá, o que tivesse. Ela deixava as sobras de comida pra mim e meus tios e mãe. E ela comia o que sobrasse, e as frutas do mato. Nunca reclamou. E nem tinha do que reclamar. Éramos ricos. Só faltava dinheiro.

Foi logo adiante disso, creio que uns dois ou três anos à frente, que ela conseguiu comprar um bico de terreno, com, talvez, uns 80 metro quadrados, não passava disso, e mudar a choupana para lá. Melhorou muito. Nesse lugar, a casinha já tinha um sótão, onde dormíamos, meus tios Esaú (a quem minha tia Lina chamava de Izáu, que em hebraico é Izav) Samuel Isaac e eu. Esaú, logo saiu de casa, e foi morar em Joinville, no distrito de Garuva (hoje município), e lá, infelizmente, emprestou nova tragédia à Maria Elisa, ao sofrer um acidente e perder a vida. Jovem, muito jovem, aos 24 anos de idade. Chorei muito com minha avó. Por dez anos, tínhamos hora e dia para o choro. E saber chorar é uma virtude, mas ter com quem chorar, é um privilégio. Isso nos fez determinar a existência de laços perpétuos. Quer ter boas lembranças? Dê risadas com os amigos. Quer ter uma ligação por toda a vida, chore junto. Maria Elisa nunca mais deixou de chorar, mesmo quando abria um largo sorriso, seus olhinhos pequenos mentiam. Ela chorava ao sorrir. Chorava pelo filho e pelo marido, e ao mesmo tempo (vejam só que paradoxo), o sorriso lhe dizia que tinha mais dois filhos e um neto no estoque para investir o coração. Foi o que ela fez.


Maria Elisa era perspicaz, tinha visão de longo alcance, embora houvesse sido cegada em um olho, ao cair sobre um toco de hortênsia, seco. Mas ainda assim, via de olhos fechados. Ensinou-me a comprar livros. Imagine só,. velha perdulária, comprar livros pra quê? De que serve o fato de eu ter lido Os Lusíadas, Capitão Tormenta, ou Dom Quixote? Pra que serviu minhas leituras de Monteiro Lobato, Machado de Assis, José de Alencar, e Jorge Amado? Me digam? Ajudou em alguma coisa eu ter gasto dinheiro na coleção inteira de Hermann Hesse, pra descobrir que ao final da vida ele teria sido um pedófilo, condenado e preso? Mas eu gastei dinheiro, muito dinheiro, comprando livros, por influência de Maria Elisa. Aliás, muito bem lembrado que em 1921, 80% da população brasileira era analfabeta, e que bem nesse tempo, Maria Elisa estudou até o quinto ano do primário. Leram bem o que eu disse? O quinto ano do primário, provavelmente na escola Santa Teresinha (aguardem, pois já está desenhada também). E sabe o que significa uma menina, ter a quinta série do primário, em 1920? Isso era praticamente um mestrado, quase doutorado então. A propósito, Maria Elisa leu mais de 100 (cem) vezes as sagradas Escrituras. Não é exagero. Ela lia duas, quase três vezes ao ano, a Bíblia, de Gênesis ao Apocalipse. E não foi uma nem duas vezes que vi ela deixar pastores e pregadores numa saia justa, por corrigi-los durante uma pregação. Aliás, ela detestava sermão, e saía da igreja quando começava o sermão, em desagrado, pois nesse momento o rito não permite manifestação da congregação, a não ser dizer amém. Minha vó Maria Elisa, nunca disse "amém" para asneiras.





É, Maria Elisa nasceu de família rica, e ainda que o destino lhe reservasse tantas tragédias (Vamos enumerar: Aos 8 meses de idade, no colo do pai, Victor Pereira Dias, teve a ação de um anjo que desviou os estilhados que partiram de uma pistola, no telhado, e atingiu em cheio seu pai, na cabeça; Tornou-se, por isso, filha mais nova, responsável pelos cuidados com a mãe, Maria Francisca de Oliveira, e só se casa por volta dos trinta anos de idade. Com meu avô, Assis Brasil Cardoso. E foi uma enorme coincidência isso, pois ele também casou-se com ela, e no mesmo dia. Mas não quero filosofar muito sobre isso, para não por em descrédito a minha credibilidade enquanto contator de causos, e contar causo exige responsabilidade. É o que eu tenho.

Antes dos 50 anos de idade, ficou viúva, por conta da estupidez de um cretino, no caso, meu progenitor, que matou Assis (que na ocasião prestava serviços de sogro ao meu pai), numa briga de foice (literalmente), mas poupá-los-ei dos detalhes. O fato é que Assis, o Assisão, com seus 1,95m, ou coisa que o valha, foi levado às pressas ao Hospital Santa Teresinha, em Gramado, a 80 km de onde moravam, e lá, expirou.

Mas, ainda seguindo a trilha da dor, Maria Elisa, então, por volta dos 55 anos, perde o filho do meio, Esaú. Por conta dessa dor, ela instituiu uma linha de pensamento que pregava aos casais: "Não tenham poucos filhos! Tenham muitos filhos, pois, se perder um, a dor é menor." Não é como eu penso, mas é sobre ela que escrevo, então era assim que pensava. É assim que é a vida para alguns. Assim foi para Maria Elisa.

Ela via longe, barbaridade, como via longe. Eu, na tenra idade das traquinagens, tinha certo afeto pelo uso do martelo e suas complexidades construtivas, e viva catando um prego torto pelos cantos, para enfiá-lo nas paredes da casa. Era útil, mas não servia pra nada, exceto ampliar a área de ferro enriquecido pelas paredes. Foi então que Maria Elisa deu-me um dinheiro, e encarregou-me de ir até à madeireira dos Cardoso, na Rua Theobaldo Fleck, onde meu primo Geremias de Moura, era o gerente, e comprar uma tábua de pinheiro, que media 5,40m de comprimento, por 30cm de largura, e uma polegada de espessura, que foi serrada em cinco partes, colocadas no carrinho de mão, e assim, atravessei a cidade, não sem passar na loja do Argemiro Moschem, e comprar martelo, prego, serrote, e outras ferramentas. Tudo pago à vista. Tudinho.

Tempo de cabeludo

Chegando em casa, ela disse: Pronto. Agora isso tudo é seu. Construa um armário. Pura verdade! Eu fiz um armarinho de cerca de 30x30x1,50, que consumiu exatamente dois quilos de prego. Sabe como é, segurança em primeiro lugar.

Muito de priscas eras, com minha mãe

Maria Elisa jamais me censurou pelas maluquices que empreendi. Ela apenas dizia: "Meu filho! O importante é ter um raminho de vida pra ter o que comer e onde morar!"

Eras menos priscas um pouco, o varão que vos tecla

O tempo andou, e fomos morar naquela casa no terreninho em cima do morro. Subimos na vida. Isso foi lá por 1964, ano em que ingressei na escola, no Santos Dumont (que também já está desenhado e se D's permitir, terá uma matéria muito especial). Foi também nesse tempo que Elisabeth Rosenfeld começou a construir a casa onde morou o restante de seus dias. Ali ao lado. Que privilégio teve ela em conhecer Maria Elisa. E a recíproca é verdadeira. Assim, maria Elisa ganhou o seu primeiro emprego formal, com carteira assinada. Lavava lã. E pouco tempo depois, aposentou-se por invalidez, pelo olho perdido em serviço. ganhou também uma pensão pela perda do filho, e assim teve certa paz até o seu último sorriso, segurando a mão do "nenê" dela, a quem chamava, enquanto bebezinho de: "Meu dilique!", o Samuel Isaac. (Ainda contarei alguma barbaridade que sei sobre ele. Só não faço isso agora, porque estou negociando uma propina pra não contar o que sei, e outra pra não inventar o que não sei).

Esta foto do casamento de Maria Elisa, reuniu a elite do vilarejo. A foto está muito apagada, pois existe uma foto em bem melhor qualidade, que foi solicitada por uma parente, para fazer cópias, e nunca mais foi devolvida. Então, uso a que tenho.

Minha mãe, Ester, formou-se professora, em 1968.

Nesse tempo, minha mãe Ester Cardoso, já professora, dava aulas em escolas do município. E eu, ainda solteiro, levava a vida, sonhando com possíveis viagens à lua, abraçado na Mary Poppyns, e tomando cuidado para não ser mordido pelo tigre que eu imaginava existir perto de casa.

Maria Elisa e Joanão

CPI de Maria Elisa

Maria Elisa descendia de judeus, Cristãos-Novos, aqueles judeus "convertidos", na marra, pelos guardiões do "Santo ofício", vulgo, "Inquisição". Tinha uma memória fantástica. Era capaz de nominar e enumerar nomes de casais, paternidades, e situar cada um deles, desde sua origem: França, Portugal, Alemanha, Jerusalém, e foi assim que pude montar, junto de meus primos, nossa árvore genealógica, que nos remete à nomes como; Gamaliel, Hilel, Ezequias, e Salomão.  Até uma vovozinha que tivemos, denominada "Índia carijó", por volta do século 17. Essa é a parte que me desgosta, pois não deixaram pra mim nem um tesourinho, um biscoito que fosse, nada.

Eu e Decio Basei, meu primo

Mas o fato de ter essa ascendência judaica, a transforma em alguém que muito especula sobre as coisas, as pessoas, pois é bem próprio dos descendentes de judeus, em terras estranhas (Gramado era uma terra muito estranha, ainda é), e procuram descobrir tudo sobre o interlocutor, para compreender o grau de confiabilidade que possa passar. Aqui mora o segredo de um bom interrogatório: Maria Elisa obrigada a vítima a entrar em casa, sentar, e contar sua vida, enquanto ela, Maria, preparava bolinho frito, chá de mate, ou cuscuz, ou feijão mexido, enfim, qualquer coisa que distraísse a atenção do réu, me este despejasse tudo o que sabia, enquanto sentia o cheiro das guloseimas, e desatava a falar no modo automático. Contava tudo.

Em 1972, Samuel Isaac e Ester, formandos em Contabilidade, no Cine Embaixador. Ao centro, maria Elisa

Nessa casa, Maria Elisa plantava couves, favas, e uns temperinhos. Eu colaborava e plantava árvores. Do mato. caminhava pelos matos e voltava com mudas. Lá plantei cereja, goiaba serrana, guaco, camélias, e outras perfumadas e frutíferas. Tem até hoje um enorme Cedro (ou Cajarana, nunca soube o que era ao certo) que eu plantei.

Minha mãe, Ester Cardoso

Bom humor

Maria Elisa ria à toa. Era debochada, e não perdia uma boa piada. Contava causos, ah como contava causos, barbaridade. Quem me dera ter quem ouças uma pequena parte dos causos que ela contava, contados por mim. Peguei dela o gosto por contar causos. Como esse que estou contando.

Esse era o tamanho da família em 1968

Minha mãe e Samuel, estudavam à note, e daí a casa era nosso território, de Maria Elisa e eu. Ela começava contando uma lambança (fofoca) com a seguinte frase: "Te quebro uma perna se tu contar, mas vou te vender pelo preço que paguei!" E contava. Também contava fábulas. Barbaridade, como ela sabia fábulas, lendas portugueses (como a Velha do Poronguinho, por exemplo). Contava as fábulas conhecidas, mas com nomes portugueses arcaicos: "Gata Borralheira", era a "Maria do Borráio", Cinderela, Rapunzel João e Maria (estes permaneciam) tinham nomes adaptados. E não poupava detalhes nem tinha o tal do "politicamente chato". Dava nome aos bois e às tetas da giganta, servidas como iguarias ao gigante, pelo João Pequeno (um Pedro Malazartes português). Nas fábulas dela, o macaco era rival do tigre, e assava os picuá do bichando, dando pros filhotes do tigre comerem. Sim senhor. ela contava isso. Contava fábula atrás de fábula, mas olha que interessante: Com a mesma versatilidade, contava a historia da Bíblia, sem omitir nem emendar nada. E eu nunca fiz confusão entre fábula e fé. Sempre separei as coisas. Ela me ensinou isso. O humano falho pode coexistir com o divino perfeito, sem tornar-se maçante.

Não que tenha relevância alguma, mas essa turma de amigos e colegas do Artesanato Gramadense. O pinguço do meio era Samuel Isaac. Pronto, falei.
Airton Brombatti (In memorian, Remi galgaro, Samuel Isaac, Paulo Wiltgen, e fazendo cocô, Ivo Niclotti (Gringo)

Mesmo que nunca havia entrado em sua casa, mas feia que velha, conhecia Maria Elisa. Uma ida ao centro (morávamos no centro, mas era mais ao centro ainda), era uma epopeia, pois parava ou era parada uma a uma das pessoas que encontrava para trocar uns dedos de prosa. Era conhecida por todos e sabia da vida de todo mundo. Isso me favorece agora, quando escrevo as memórias de Gramado.

Quase me tornei pastor. esta foto era exigida para enviar ao seminário. Fui aceito. Mas me apaixonei, e a teologia ficou pra posteridade.

Sobrinhos, primos, amigos de priscas eras, todos tinham um compromisso existencial de visitá-la de tempos em tempos. Todos, sem exceção. Conheci a parentada toda lá em casa. Casa velha e feia. Sem pintura. Que acolhia uma riqueza imensurável, chamada de Maria Elisa. "Tia Ilizia", para todos.

Religião

Maria Elisa nasceu católica. Era afilhada do major José Nicoletti, intendente do 5º Distrito de Taquara. Neta do Tristão de Oliveira, e Leonor Gabriel de Souza. Ainda na juventude, por influência de seu tio, José Francisco de Oliveiro, vulgo "Zé Tristão", toda a família dela, tornou-se luterana (IELB), para desgosto de seu avô, Tristão. Mais tarde, João Victor, seu irmão mais velho, descobriu, numa localidade em Rolante, próximo de Taquara, uma família que "guardava o Sábado e não comia porco", mas eram cristãos. Como Em casa, tinham esse costume, de abster-se de carnes impuras, segundo mandamento bíblico, embora não compreendessem bem isso, pois liam na Bíblia que assim deveria ser, mas sua religião (tanto luterana quanto católica), não faziam tal exigência. Isso os incomodava. Assim, quando descobriram a tal religião, imediatamente se converteram ao adventismo, ajudando a criar, junto com outros prosélitos locais, um pequeno grupo, mais tarde transformado em igreja. teremos uma ilustração também desta igrejinha, desmanchada em 1968, e construída no atual endereço, à rua São Pedro, em frente à extinta Ortopé.

Cabelos

Parece exagero, mas Maria Elisa jamais teve seu cabelo cortado. Chegava quase na cintura. Ela tinha um rito diário, ou melhor, duas vezes ao dia. Ao acordar, muito cedo, ela se ajoelhava, e orava demoradamente, e enquanto orava, trançava o cabelo. Uma trança de cada lado. Isto feito, atava as duas tranças em forma de coroa à cabeça, e seguia para as lides do dia. Orava balbuciando, e tinha um roteiro de pessoas pelo bem de quem dedicava suas preces. Nome por nome, iam se perfilando nas palavras, até tecer um longo fio até o céu.

À noite, antes de recolher-se a dormir, repetia o gesto, e de joelho, orava, balbuciando, e desmanchando as tranças. Cuidadosamente, e dormia com os cabelos soltos, livres. Recolhia-se para o seu "Catre véio", como dizia.
Nesta parceria dos primeiros anos de minha infância, à noite, enquanto meu tio e minha mãe iam para a escola noturna, minha vó e eu desatávamos a conversar, e ela, a contar-me suas fábulas, intercaladas com lembranças, e relatos bíblicos. Também, ouvíamos, por um pequeno rádio portátil, nas ondas curtas da noite, os programas de humor da Rádio Globo do RJ, como: A Turma da Maré Mansa, e Balança mas não Cai. Ouvíamos ainda a Rádio Voz da América, e a Rádio Nacional de Moscou. Até o sono chegar.

Minha vó Maria Elisa acreditava na Volta de Jesus. Eu acredito na vinda do Messias, que penso ser O mesmo. Então, quero apresentá-la à vocês todos. Um dia.




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