Falar desta forma, sem introdução, chega a ser antipático, agressivo, e até irresponsável, mexer com o entusiasmo festivo da cristandade inteira, e não é, em absoluto esta a minha intenção. De modo algum, meu senso ético far-me-ia apagar o brilho do momento em que, e apenas por este momento, em muitos casos, há uma trégua nas barbáries contumazes ao resto do ano que passa voando, para quem vê a vida passar em "fast motion", contra os que ansiosamente (em especial as crianças), aguardam pelo presentinho anual (as que recebem), trazido pelo imaginário papai Noel.
Mas infelizmente eu não acredito no Natal. E explico a razão (ou tento). Primeiro, porque não consigo ver verdade alguma em sentimentos forçados, nada espontâneos, exigidos de quem veste roupas cintilantes para extasiar-se diante do "sim e não" das luzes que piscam atordoando o cintilar dos pirilampos. Não consigo e nunca consegui sentir emoção quando sou exigido à essa condição, que faz-me parecer aqueles abraços forçados que somos obrigados a dar nas visitas desagradáveis, quando em criança:
- "Não vai dar "bom dia pra visita?"
E lá ia eu dar "bom dia" e ganhar beijos lambuzados, que deixavam um cheiro de patente, tão impregnado na bochecha, que virava de lado quando o vento soprava, para não ter que enfrentar a catinga, fora o cheiro de naftalina do vestido, ou o resíduo visguento da fragrância que denunciava recentes banhos de assento com chá de "Catinga de Mulata" e creolina, que depois ainda, provavelmente, tenha sido usado para fazer prolongados bochechos. Isso tudo, porque era Natal. Mas, ainda não é por isso que eu não gosto de Natal.
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Esta época do ano, era muito triste pra mim, e esta tristeza era compartilhada pelos meus amigos da vila, onde cresci, até certa fase da vida. Éramos pobres, e os presentes que ganhávamos eram ínfimos, quando comparados àqueles recebidos por outras crianças que conhecíamos. Havia um generoso empresário, que lá pelo dia 20 de Dezembro, enchia seu carro de brinquedinhos de plástico, bolinhas de borracha, passava pelas vilas, e entregava um a um dos mimos, às dezenas de mãozinhas sujinhas e olhares "pidões", os brinquedinhos baratinhos, mas significativos que recebíamos. Um dia, soubemos que ele havia tido um "ataque do coração" e falecido, ao fazer a barba. Descobri então que fazer a barba pode causar infarto. Vai saber?
Mas ainda não é por isso que eu não gosto e nem acredito no Natal. Eu não gosto e nem acredito, é no glamour da irritante combinação de vermelho com verde, cores tão opostas quanto são os opostos da vida. Da miséria e da opulência. Não gosto e nem acredito no poder das mensagens que mecanicamente são enviadas, com muita sinceridade, sim, isso eu creio, mas que não aprimoram em nada o crescimento da amizade, porquanto o envio de um belo e enfeitado cartão de Natal (hoje um GIF piscante) possa oferecer às relações entre pessoas. Um das muitas razões de eu não gostar do Natal, é a massacrante carga de culpa que levam as pessoas, porque apesar do tremendo esforço que fazem para serem, e não apenas se dizerem felizes, esgota-se imediatamente após o primeiro champanhe, cerveja, vinho, ou pedaço de chester. Se existe, de um lado, a alegria pela reunião familiar, existe, por outro, a insistente lembrança sobre o "aniversariante da noite". Ora, este argumento não resiste a uma busca rápida no Google sobre o aniversariante, que insistentemente teimam e enfiar Jesus em um pinheiro enfeitado, quando a maioria sabe que esta data nem ligada esteja ao cristianismo. Claro, há o conjunto das tradições recentes que vestem o "garoto-propaganda da Coca-Cola" de vermelho e branco, a herança germânica com suas maravilhosas canções, que em lugar de êxtase pela alegria, provocam estase, pela melancolia. Talvez comece por aqui o fato de que eu não gosto e nem acredito no Natal.
Eu não gosto e nem acredito no Natal, na data festiva, e os críticos diria: "Você é contra os milhões de empregos e das riquezas geradas pelos festejos da data? Claro que sou a favor disso. Sou capitalista (embora desprovido de capital), e como tal, vejo que datas como "Hallowenn", "Black Friday", "Dia das mães, pais, crianças", promovem a mesma euforia comercial, e sem aquele constrangimento de que: "Quem não gosta do natal e não chama cachorrinho de "filhinho", não é uma boa pessoa". Será mesmo?
Será mesmo que a velha e infeliz, infame, maldita piada de humor negro, que diz que "crianças da Etiópia não ganham presentes do papai Noel, porque não comeram durante o ano" é mesmo uma piada que não deve ser contada, não porque pisam no sofrimento das crianças etíopes, mas porque não há como encaixar uma verdade em uma mentira? Fome e Papai Noel? Ah, claro, as crianças da Etiópia estão além do alcance e das possibilidades de trazê-las à ceia tão santificada, e por esta razão, melhor nem falar delas, não nesta noite, que deve ser "perfeita", e todos sabemos que perfeição é algo imaterial, intangível, surreal, então que seja farta, e não putrefata pelo mau cheiro das crianças, mulheres, velhos e jovens, que não tem acesso a um banho perfumado. Nem banho, muito menos, perfume. Aí está quase chegando na razão pela qual eu não gosto e nem acredito no Natal.
Finalmente, eu não gosto e nem acredito no Natal, porque é uma mentira que massifica e robotiza as pessoas, muito mais que celulares, ou filas para o Black Friday. Porque impõe uma felicidade que não existe, de um personagem que não faz aniversário, substituído por outro personagem que a única coisa que faz é dar gargalhadas e empinar a imensa barriga, farta de vento, rindo à forra de quem nunca vai ganhar o presente que pediu em carta. Eu não gosto nem acredito no Natal é por isso. porque mentira não me representa.
Ah, eu "deveria" gostar de Natal, porque, ainda que a data seja mentirosa (sim, Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro, tenho que insistir nisso. Quem nasceu neste dia foi Ninrode, e a festa é pagã, em homenagem ao deus "Mitra", dos romanos) o evento em si dá muitos empregos, já disse. Então eu também deveria gostar da guerra, porque é a segunda fonte de riquezas no mundo. Ou do tráfico, porque faz circular muito dinheiro nas comunidades. Ou da pornografia. Ou dos jogos de azar, porque tudo isso também fazem girar a roda do mundo. Só que este não é o meu mundo, e se for assim, este mundo não me representa.
Mas, e o Natal Luz, o Sonho de Natal? Ah, destes eu gosto, porque enriquecem as cidades, dão glamour. Mas não passam de espetáculos burlescos, assim como a "Cavalhada", e o "Carnaval". São eventos. Nada mais. De nenhum sentido espiritual. Mas, então, o natal não é uma festa para homenagear Jesus? Não, não é! Porque Ele mesmo disse como gostaria de ser homenageado:
- "Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;
Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver.
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."
Mateus 25:34-40
Ah, mas fazemos isso sempre, senão vejamos: "Na noite de natal, levamos comidas e presentes aos pobres, vestimos os desnudos, cantamos para libertar a alma dos presos..."
Sim, de fato. E no dia seguinte, está em todas as redes sociais, com fotos, videos, e luzes piscando.... Então, não é por ser uma festa pagã, idólatra, até porque outras existem que nem fazem cócegas na minha consciência, mas porque além de ser isso tudo, é uma festa hipócrita, que dá vez e voz à hipocrisia, em nome de Jesus.
É por estas razões que eu não gosto nem acredito no Natal.