Foto: Dr Carlos Nelz - Arquivo Público de Gramado
Tínha eu doze ou treze anos, quando ouvi minha avó Maria Elisa, contar sobre a existência de um "Subterrâneo" existente nas terras da Família Nelz, em Gramado. Rezava a lenda que dois caçadores de tatus, caminhando sorrateiramente à luz do luar, ouviram um barulho, e de pronto se esconderam atrás de uma árvore. Aguardaram em silêncio, até que ouviram vozes de conversas, guiadas por uma lanterna, a iluminar o caminho entre as pedras e a capoeira. Em dado momento, as vozes silenciaram, e eles espiaram, mas não viram mais ninguém. Haviam desaparecido subitamente, misteriosamente.
Assustados, voltaram, e no dia seguinte, procuraram o delegado local, e relataram o que tinham visto. O delegado, então visitou o casal Nelz, e eles "confessaram" que tinham, de fato, um esconderijo para proteger-se de perseguições, que eram comuns naqueles dias, após a guerra, onde os alemães em solo brasileiro, sofreram retaliações por parte de "patriotas" mais exaltados.
Sobre estas perseguições, foram de fato cruéis, e embora o caso seja da lenda do bunker dos Nelz, vale saber que muitos descendentes de alemães, gente simples, na maioria colonos, da roça, foram os que mais sofreram tais retaliações. Lembro de minhas tias-avós, que moravam no interior de Gramado, contando de um caso de um "alemão" apanhado falando na sua língua de origem, fora preso e acorrentado em um chiqueiro, até que a polícia chegasse para levá-lo para prestar depoimento. Contava ela, a Tia Lina Pereira Dias, moradora na Serra Grande, que ouviu os gritos e foi à janela ver do que se tratava, e viu que seus vizinhos arrastavam o pobre colono, debaixo de pauladas e coices, pelo caminho, e depois soube que o haviam acorrentado junto ao chiqueiro, pelo crime de ter sido flagrado falando em alemão. Nunca soube quem era ele, e nunca mais ouvi contarem esta história.
Minha sogra, dona Lilli Boone, jamais aprendeu a falar em português. Minha comunicação com ela era por palavras avulsas, que ela fazia esforço em lembrar, para comunicar-se comigo. Isso aconteceu, porque quando viam gente estranha chegando, sendo ela ainda pequena, a mãe juntava os filhos pequenos e fugia para os matos, onde permanecia por horas, ou por vezes, dias, com o coração acelerado, imaginando ser alguém à procura de "traidores" da pátria, porque não sabiam falar a língua portuguesa.
Bem verdade é que sim, haviam núcleos nazistas no Brasil, durante a guerra, mas Gramado, Nova Petrópolis, apesar de terem grande percentual de colonos, entre seus habitantes, não houve manifestações nesse sentido. Eram gente pacata, ordeira, trabalhadora, amavam o Brasil honravam a bandeira nacional. Porém, em todos os tempos, em todos os lugares, onde havia uma faísca de perseguição, havia junto algum mal intencionado com um galão de gasolina disposto a ver tudo incendiando. Mas não era o caso dos Nelz.
Dr Carlos Nelz, Médico, casado com dona Tereza, conhecida como Dona Medy Nelz, eram pessoas queridas pela comunidade. Nesse tempo, Gramado contava com dois médicos apenas, e a preferência por um ou outro, dividia também a cidade, assim como dois partidos políticos ou times de futebol o fazem. Metade da cidade, era paciente do Dr Carlos Nelz, e a outra metade, frequentava o consultório e hspital do Dr Erico Albrecht. Isso durou anos, até que começaram a aparecer outros médicos, mas ainda assim, quem atendia no Hospital Santa Terezinha (Dr Erico), não atendia no Hospital Arcanjo São Miguel (Nelz).
Durante muitos e muitos anos, o famoso "Túnel" ou "Subterrâneo" do Dr Nelz, preencheu o imaginário da cidade, e desconheço quem tenha sido contemporâneo meu, que não tenha vasculhado, de ponta a ponta, esquadrinhado o terreno, à procura da entrada secreta do tal bunker. Eu mesmo, seria capaz de desenhar, de memória, o mapa inteiro das terras dos Nelz, onde sabia localizar cada ceio d'água, cada gruta, caminho, pé de araçá, daquelas terras. Eram o meu imaginário, além de excelente lugar para pescaria escondida, onde deliciosas (só sei de ouvi falar, é dE VerdAdE Este Bilete) trutas podiam ser pescadas nos dois lagos do alto do morro. Mas nunca foi encontrado, e a lenda permaneceu.
Há alguns pares de anos atrás, fui consultar-me com Dr Hermann Ulrich Nelz, ou "Dr Ulli", filho do Dr Carlos Nelz, e perguntei a ele sobre a tal lenda.
- "Não é lenda!" - Respondeu-me com firmeza. Existiu mesmo. E então contou-me a história que eu sabia, em parte, mas enriqueceu com estes detalhes:
- "Eu estudava em Porto Alegre, e voltava para casa nas férias. Um dia, meus pais levaram-me a um lugar, e disseram para que eu fechasse os olhos, e contasse até dez. Aí poderia abrir os olhos. Fiz, e quando abri os olhos, olhei por todos os lados, e eles haviam desaparecido, como mágica. Procurei por horas e não os encontrei, até que eles apareceram atrás de mim, e me revelaram o segredo. Uma pedra falsa, cheia de musgo, era revolvida, e por ali entravam, e fechando a entrada, desapareciam completamente. Lá dentro, havia mantimentos, provisões, para que minha família pudesse permanecer escondida por até seis meses, em caso de perseguição. Então, apareceram os caçadores , que viram, denunciaram ao delegado que foi visitar meus pais, e eles mostraram a ele o que era e qual o motivo de sua existência. O Delegado então os aconselhou que soterrassem o lugar, e o assunto permaneceu como lenda. Seria este o fim da historia, porém, descobri que o lugar não foi fechado, pelo menos não naquele tempo, e as crianças brincavam por lá, e iam esconder-se numa espécie de bunker, com muitos mantimentos, um almoxarifado da casa."
Se era o mesmo, não sei dizer, mas teria sido bem mais interessante se nunca tivesse sido revelado. para que o imaginário continuasse, assim como continuam outras lendas sobre porões misteriosos, ou salas que guardavam tesouros. Por mim, continuarão como lendas, até que se prove o contrário. No caso do bunker dos Nelz, a palavra do Dr Ulli, pra mim vale mais que um achado arqueológico.
Era bastante comum que as casas de imigrantes europeus, tivessem um lugar separado para guardar mantimentos. Na casa de Elisabeth Rosenfeld, havia uma torre da caixa d'água, e dentro dela, havia um depósito de ferramentas de jardinagem. No chao, escondido, havia um alçapão, onde os netos dela e eu descíamos para abrir potes de compotas, geleias, que ela guardava lá. Molecagem, mas era divertido. Assim como era divertido vasculhar as terras dos Nelz, para tentar achar o túnel. No caminho, haviam muitas recompensas: Araçás, amoras, cerejas, goiabas serranas, peixes do lago (só ouvi falar, já disse, e a exuberante visão dos lagos floreados com ninfas nas manhãs de primavera.
Tínha eu doze ou treze anos, quando ouvi minha avó Maria Elisa, contar sobre a existência de um "Subterrâneo" existente nas terras da Família Nelz, em Gramado. Rezava a lenda que dois caçadores de tatus, caminhando sorrateiramente à luz do luar, ouviram um barulho, e de pronto se esconderam atrás de uma árvore. Aguardaram em silêncio, até que ouviram vozes de conversas, guiadas por uma lanterna, a iluminar o caminho entre as pedras e a capoeira. Em dado momento, as vozes silenciaram, e eles espiaram, mas não viram mais ninguém. Haviam desaparecido subitamente, misteriosamente.
Assustados, voltaram, e no dia seguinte, procuraram o delegado local, e relataram o que tinham visto. O delegado, então visitou o casal Nelz, e eles "confessaram" que tinham, de fato, um esconderijo para proteger-se de perseguições, que eram comuns naqueles dias, após a guerra, onde os alemães em solo brasileiro, sofreram retaliações por parte de "patriotas" mais exaltados.
Sobre estas perseguições, foram de fato cruéis, e embora o caso seja da lenda do bunker dos Nelz, vale saber que muitos descendentes de alemães, gente simples, na maioria colonos, da roça, foram os que mais sofreram tais retaliações. Lembro de minhas tias-avós, que moravam no interior de Gramado, contando de um caso de um "alemão" apanhado falando na sua língua de origem, fora preso e acorrentado em um chiqueiro, até que a polícia chegasse para levá-lo para prestar depoimento. Contava ela, a Tia Lina Pereira Dias, moradora na Serra Grande, que ouviu os gritos e foi à janela ver do que se tratava, e viu que seus vizinhos arrastavam o pobre colono, debaixo de pauladas e coices, pelo caminho, e depois soube que o haviam acorrentado junto ao chiqueiro, pelo crime de ter sido flagrado falando em alemão. Nunca soube quem era ele, e nunca mais ouvi contarem esta história.
Bem verdade é que sim, haviam núcleos nazistas no Brasil, durante a guerra, mas Gramado, Nova Petrópolis, apesar de terem grande percentual de colonos, entre seus habitantes, não houve manifestações nesse sentido. Eram gente pacata, ordeira, trabalhadora, amavam o Brasil honravam a bandeira nacional. Porém, em todos os tempos, em todos os lugares, onde havia uma faísca de perseguição, havia junto algum mal intencionado com um galão de gasolina disposto a ver tudo incendiando. Mas não era o caso dos Nelz.
Dr Carlos Nelz, Médico, casado com dona Tereza, conhecida como Dona Medy Nelz, eram pessoas queridas pela comunidade. Nesse tempo, Gramado contava com dois médicos apenas, e a preferência por um ou outro, dividia também a cidade, assim como dois partidos políticos ou times de futebol o fazem. Metade da cidade, era paciente do Dr Carlos Nelz, e a outra metade, frequentava o consultório e hspital do Dr Erico Albrecht. Isso durou anos, até que começaram a aparecer outros médicos, mas ainda assim, quem atendia no Hospital Santa Terezinha (Dr Erico), não atendia no Hospital Arcanjo São Miguel (Nelz).
Durante muitos e muitos anos, o famoso "Túnel" ou "Subterrâneo" do Dr Nelz, preencheu o imaginário da cidade, e desconheço quem tenha sido contemporâneo meu, que não tenha vasculhado, de ponta a ponta, esquadrinhado o terreno, à procura da entrada secreta do tal bunker. Eu mesmo, seria capaz de desenhar, de memória, o mapa inteiro das terras dos Nelz, onde sabia localizar cada ceio d'água, cada gruta, caminho, pé de araçá, daquelas terras. Eram o meu imaginário, além de excelente lugar para pescaria escondida, onde deliciosas (só sei de ouvi falar, é dE VerdAdE Este Bilete) trutas podiam ser pescadas nos dois lagos do alto do morro. Mas nunca foi encontrado, e a lenda permaneceu.
Há alguns pares de anos atrás, fui consultar-me com Dr Hermann Ulrich Nelz, ou "Dr Ulli", filho do Dr Carlos Nelz, e perguntei a ele sobre a tal lenda.
- "Não é lenda!" - Respondeu-me com firmeza. Existiu mesmo. E então contou-me a história que eu sabia, em parte, mas enriqueceu com estes detalhes:
- "Eu estudava em Porto Alegre, e voltava para casa nas férias. Um dia, meus pais levaram-me a um lugar, e disseram para que eu fechasse os olhos, e contasse até dez. Aí poderia abrir os olhos. Fiz, e quando abri os olhos, olhei por todos os lados, e eles haviam desaparecido, como mágica. Procurei por horas e não os encontrei, até que eles apareceram atrás de mim, e me revelaram o segredo. Uma pedra falsa, cheia de musgo, era revolvida, e por ali entravam, e fechando a entrada, desapareciam completamente. Lá dentro, havia mantimentos, provisões, para que minha família pudesse permanecer escondida por até seis meses, em caso de perseguição. Então, apareceram os caçadores , que viram, denunciaram ao delegado que foi visitar meus pais, e eles mostraram a ele o que era e qual o motivo de sua existência. O Delegado então os aconselhou que soterrassem o lugar, e o assunto permaneceu como lenda. Seria este o fim da historia, porém, descobri que o lugar não foi fechado, pelo menos não naquele tempo, e as crianças brincavam por lá, e iam esconder-se numa espécie de bunker, com muitos mantimentos, um almoxarifado da casa."
Se era o mesmo, não sei dizer, mas teria sido bem mais interessante se nunca tivesse sido revelado. para que o imaginário continuasse, assim como continuam outras lendas sobre porões misteriosos, ou salas que guardavam tesouros. Por mim, continuarão como lendas, até que se prove o contrário. No caso do bunker dos Nelz, a palavra do Dr Ulli, pra mim vale mais que um achado arqueológico.
Era bastante comum que as casas de imigrantes europeus, tivessem um lugar separado para guardar mantimentos. Na casa de Elisabeth Rosenfeld, havia uma torre da caixa d'água, e dentro dela, havia um depósito de ferramentas de jardinagem. No chao, escondido, havia um alçapão, onde os netos dela e eu descíamos para abrir potes de compotas, geleias, que ela guardava lá. Molecagem, mas era divertido. Assim como era divertido vasculhar as terras dos Nelz, para tentar achar o túnel. No caminho, haviam muitas recompensas: Araçás, amoras, cerejas, goiabas serranas, peixes do lago (só ouvi falar, já disse, e a exuberante visão dos lagos floreados com ninfas nas manhãs de primavera.
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2 comentários:
História que pouco sabem sobre nossa cidade...
Foi pensando nisso, que escrevi e publiquei este livro aqui:
https://clubedeautores.com.br/livro/gente-de-gramado-que-nao-sera-nome-de-rua
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