Foto: Fluss Haus, em São Martinho, SC
Você já comeu um queijo Camembert? Um Brie? Ou um Roquefort? Ou o Comté, sob forma de Fondue? (estou falando de Fondue com queijos apropriados, originais, não aquele mingau de maizena com muzzarela e parmesão que se oferecem em muitos "rodízios a R$49,90 por pessoa").
Claro que você já deve ter ouvido falar também do Reblochon, o Queijo das montanhas. E o Queijo de Feta, o queijo grego? Comeu? Gostou? Ou o Haloumi, um queijo de Chipre? E sabe onde fica o Chipre? Conhece a história desta ilha (ops, entreguei o ouro, sim Chipre é uma ilha, a terceira maior do Mediterrâneo, cuja capital é Nicosia). Sabia disso? E o queijo Sfela, produzido no Peloponeso do Sul? Não sabia? Claro, são poucos os privilegiados que sabem disso, embora estes e muitos outros quijos produzidos nestes lugares pra lá de pitorescos, podem ser encontrados em mercados especializados, sofisticados, e muito, muito caros (caros aqui, pois na origem, são vendidos a preços justos e coerentes com os custos locais).
Falei de queijos, mas também posso falar de vinhos, embora eu não seja um bebedor de vinho, mas nem por isso sou ignorante no assunto, e posso citar que as vinícolas brasileiras foram as primeiras a perceberem a importância da origem do produto local, seguidos pelos cafeicultores, que tem até registro de origem nos organismos de proteção de marcas protegidos por leis internacionais.
Não sou e nunca fui um turista convencional, porque pela absoluta falta de muito dinheiro pra investir nesse prazer, eu fiquei limitado a viajar muito e muito, sempre a trabalho, e nessa condição pude entender um pouquinho só do que é preciso conhecer sobre a importância da origem, e de vocação regional, local, para designar a qualidade e originalidade de um produto.
Pude entender, aqui mesmo dentro do Brasil, que se eu quiser comprar peças de artesanato de bronze rústico, devo ir a Prados, em MG. Se quero comprar tramados em teares rústicos, centenas deles, devo esticar um pouquinho e chegar em Rezende Costa. E para conhecer os melhores escultores em madeira, especialistas em reproduzir animais selvagens, em toras de madeira resgatada pelo IBAMA de madeireiros ilegais, devo conseguir uma carro com tração 4x4, e esticar até Vila Carassa, interior de Prados, e lá conhecer a família do Juca Leão, que lidera uma pequena aldeia encravada no meio da mata, onde TODOS são escultores.
Ali pertinho disso tudo, em São João Del Rey, vamos encontrar, além da riquissima arquitetura desenhada pela história do Brasil, o rico artesanato de Pedra Sabão, de Ferro Batido, e por aí segue o passeio. E não, você não vai tomar uma água de coco são saborosa quanto aquela que se toma em Pernambuco, Bahia, Maranhão, tá, no Nordeste inteiro, se não estiver pertinho dos coqueirais, porque o precioso líquido, rico em Potássio e vitaminas, excelente para o coração, deve ser consumido em, no máximo, três dias após a colheita. Depois disso, começa a ficar xoxo, insípido, e até oxidado, e você pensa que está consumindo algo natural, e está, mas não é tão natural quanto lá na origem.
Vamos falar de outras coisas, porque isso já tá me dando fome. Falemos de cultura. Falemos de cultura nativa e também de cultura adventícia (não confundir com a religião, que é Adventista, sentido completamente diferente), e pra não dar confusão, eu traduzo: Adventício é aquilo que é impregnado, ensinado e absorvido como parte da própria cultura, uma cultura adquirida e absorvida como se nativa fosse. É o caso de descendentes de alemães que cultivam a tradição gaúcha. Apenas como exemplo.
Assim, uma cultura é absorvida à medida em que tais costumes sejam agradáveis e favoráveis ao bom convívio e progresso econômico e social do forasteiro, em relação ao lugar, ou da cultura trazida de fora, em benefício dos nativos. E Gramado pode ser um bom exemplo disso. Pense comigo: Os primeiros moradores do povoado eram descendentes de açorianos, e foram seguidos por descendentes de italianos e alemães. Todos eles eram agricultores e extrativistas. Viviam do que a terra dava e não havia nenhum tipo de transformação industrial dos materiais obtidos, talvez com exceção da erva mate, pois havia um Barbaquá (local de produção rústica de erva mate), e produção de tabuinhas de cobertura (telhas de madeira lascada de pinheiro), e isso eu sei, porque minha avó/bisavó exerciam tal atividade, o que já seria quase uma indústria, aos moldes de época e produto. E esta condição extrativista e agrícola rudimentar, durou, até a chegada do trem, que possibilitava o despacho e a recepção de mercadorias com mais agilidade, e desse modo, nascem os armazéns, os hotéis, e começa o turismo, este, contemplativo, pelos passeios em meio à Natureza exuberante, o clima saudável, segundo crenças de época, à cura de problemas pulmonares, e o convício social longe dos ambientes urbanos das grandes cidades. Assim, Gramado era um atrativo em si. Havia um mote que tornava Gramado única em sua proposta, e para aproveitar tais benefícios, era necessário um deslocamento até o lugar.
Com o crescimento desse tipo de movimentação, moradores locais, perceberam que seus artefatos tinham valor aos visitantes, e então os produtos de Gramado confecionados com materiais também locais, como Vime e frutas (geléias, doces), dava qualificação à origem: De Gramado. Ao longo dos anos seguintes, a marca "Gramado", passou a acrescentar ao seu acervo de oferta: Malhas, Móveis rústicos, artesanato de madeira, entalhes, pinturas simples, mas bastante expressivas da origem, e à demanda por alimentos, pelo crescimento da visitação, surgiram as "Casas de Chá", as Churrascarias, e os tradicional Cafés Cacique, e Brasil, lugares de encontro dos habitantes locais, estabelecendo uma ambientação onde um e outro, visitantes e nativos, mantinham suas identidades intactas, o que não impedia de eventuais relacionamentos pontuais, mas no geral, eram bem demarcados estes ambientes, e a a vida transcorria organizada.
Em determinado momento, a demanda por mais e mais produtos, pontos de alimentação, e oferta de lazer, proporcionou um ambiente favorável ao franco crescimento, tanto populacional, quanto econômico, pois maior demanda também demanda mais edificações, que demandam mão de obra, e as lojas e fábricas também necessitam de trabalhadores, e uma coisa puxando a outra, também o poder político necessita de ajustes, e aquele velho político do "tapinha nas costas e companheiro de galinhada em comícios", é substituído por exigentes gestores que saibam combinar a coisa póblica como uma empresa, sem perder a humanidade e a gentileza do trato humano e social.
A gente começa uma prosa e dispersa o assunto, que tem a intenção de demonstrar uma coisa, constatada em recente visita à minha saudosa Gramado: Por mais imponente que seja, belíssima, riquíssima, bem planejada, bem administrada, tudo direitinho, no entanto, chamou-me atenção encontrar grande quantidades de placas junto ao chão, pelo caminho, oferecendo de vinho a R$ 35 a garrafa, à comida barata e em grande quantidade. Excelente marketing, excelente proposta: atender à demanda de todos os gostos (ou falta destes), em vender aquilo que tem saída. Lei da oferta e da procura. É assim que funciona o mercado mesmo. Porém, preciso rebobinar a fita (sou velho, uso a fita cassete como exemplo), e retornar ao início desta prosa: A qualificação de origem!
Aqui começam as perguntas capciosas
Qual é o produto que caracteriza Gramado na prateleira de uma loja a mil quilômetros de distância?
Qual é a identidade turística de Gramado? Não falo de milhares de belas lojas, restaurantes, parques, hotéis suntuosos, porque estes servem para atender à demanda de quem visita por outra causa, assim, hotéis, restaurantes, lojas, e parques temáticos, embora estes, sim, nesta leitura, possam ser como o broto do bambu que desponta com timidez da terra dura, mas em pouco tempo excede em altura todas as árvores ao seu redor. Vejo nos parques temáticos, a originalidade que Gramado buscava desde seu último grande mote econômico, da movelaria, e os eventos, pois assim como Las vegas nasceu para vender ilusões no meio do deserto, e tornou-se uma potência econômica na América do Norte, também Gramado pode ancorar sua nova economia no lazer criativo, e ter neste sua identidade cultural resgatada, haja vista que um parque temático pode ser ao mesmo tempo um museu, uma escola, um centro de recreação, e sempre uma fonte inesgotável de economia em contínuo crescimento.
Gramado não tem mais como retroceder, e a ideia de alguns sonhadores em produzir queijos e geléias que caracterizem pelo sabor, e não pelo rótulo, a origem do lugar, nasce carente de maior conhecimento do entorno capilar da economia que já existe. Então, se Gramado tem que apenas dar continuidade ao que já conquistou, cabe aos novos municípios que desejam inspirar-se no sucesso alcançado por Gramado, em buscar, antes de uma rede de hotéis e restaurantes, qualificar seus produtos como originais e originários de seu lugar.
Não é por acaso, que você compra um Café Arábica 100%, e fica satisfeito em saber que este é proveniente do "Campo das vertentes do Sul de MG", porque sabe que atrás de um selo de origem, existem certificações exigentes sobre o plantio, a colheita, a secagem a torra, e a qualificação do produto. É assim que se demarca um território. O Rótulo é apenas um atalho. Então, quem vê os tragos que Gramado bebe, não enxerga os tombos que já levou.
Se querem exemplos de lugares onde minha leitura alcança estas possibilidades de originalidade? São Martinho, SC, uma município com menos de quatro mil habitantes, onde sua principal atração é uma casa de doces confeitados, cuja fama exigiu a implantação de uma grande casa de Café Colonial, a Fluss Haus. Porém, esta empresa gerou mão de obra em pessoas com espírito empreendedor, que montaram suas próprias fábricas de doces confeitados. E assim, quando se vê esse tipo de produto, raríssimo, imediatamente é associado à origem do lugar. Mas se quiser visitar o Café, vai precisar agendar com antecedência. É assim que um produto associado a um lugar, faz crescer, não apenas o lugar, mas dá sustentação à à garantia de que nunca deverá faltar clientes, visitantes, e empregos, dentro das limitações necessárias, aos produtos destes lugares que dão estirpe à sua origem natural, e é muito difícil que você veja ao longo do trajeto, placas oferecendo biscoitos baratinhos.
Fragmentação e Capilarização do Turismo
Gramado, sem dúvida, é o paraíso desejado dos gestores de pequenos municípios, tomado como fonte de conhecimento, tanto de gestão pública, quanto de empreendedorismo, de muitos lugares no Brasil, e especialmente no Rio Grande do Sul. É frequente a visitação de gestores do turismo para busca de conhecimento e implementação em suas cidades, e hoje há, só no Vale do Taquari, cerca de quarenta municípios com ambiente Natural capacitados para implementarem seus próprios projetos de turismo, porém, a grande maioria, ainda sem um mote próprio para "alavancar" (odeio este neologismo, mas foi o que achei) sua identidade turística, uma vez que ambiente natural e belas paisagens, todos tem. Uns tendem a explorar o turismo religioso, o que não deixa de ser um mote, porém, nesse tipo de turismo, há nichos de devotos muito específicos, e um projeto de turismo não pode ser ancorado em um único nicho, embora possa ser predominante, é necessário contemplar outras preferências.
Outro mote que tendem a explorar é o gastronômico. Um bom argumento, eu concordo, mas me digam: Por que alguém sairia de Porto Alegre, a cerca de 200 km ou pouco menos, para comer uma pizza, ou um prato de massa com galeto, por mais delicioso que seja? Fora de propósito! Então, é necessário que se pense em um mote que ofereça interesse original, infraestrutura para que haja permanência, tantos de adultos quanto crianças e adolescentes, pois nada mais entediante que um belo passei quebrado pelo irritante som de "quando é que a gente vai embora daqui?". Assim, a combinação de uma boa gastronomia, com pousadas confortáveis, no mínimo, com atrativos periféricos, dpode oferecer suporte à permanência no lugar, porém, é preciso que este lugar tenha algo de seu, com seu DNA, algo único. Se ainda não tem, que invente, use a imaginação, a criatividade, e se acha que ser criativo é coisa pra maluco, esqueça o turismo de qualidade e invista em lojinhas de tudo por R$1,99, com promoção nas terças feiras.
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