Quem lê o título do ensaio até pensa que eu entendo alguma coisa de turismo. Até parece! Sou apenas um palpiteiro que observa as coisas e consegue tirar a película dourada do marketing, e enxergar o que acontece atrás da cortina de voal que doura o turismo como a salvação econômica de pequenos municípios. Parece que passou um vento de soluções mágicas e soprou sobre os gestores de cidades pequenas, que a melhor forma de passar a existir no mapa, é pulverizando purpurina e mel, para atrair, pelo brilho, as mariposas, e pelo perfume, as abelhas. Ilustro aqui, as mariposas, como a parte nociva do turismo, esta que ninguém ousa comentar, e chamo de abelhas, aquele turismo que faz crescer, traz oportunidades, fortalece a economia e a cultura, mas sempre lembrando que abelhas tem ferrões, e aqui estou falando das abelhas importadas, aquelas que fazem dodói quando espetam o traseirinho nas pessoas e animais, porque existem as nativas, e sim, estas tem um grande espaço na minha reflexão.
Nenhum lugar nasce do turismo em si. Em geral, são pequenas vilas, ou municípios, que possuem algum atrativo especial, seja natural, ou específico (um santuário, uma igreja, um palácio abandonado, um lugar histórico, e assim por diante), que começam a receber visitas de curiosos ou devotos, em que, em determinado momento, um morador local percebe a necessidade dos visitantes em se alimentarem, e a oportuindade de ganhar algum dinheiro extra, oferecendo refeições, lanches rápidos, e começa por oferecer alguma especialidade local, um tipo de biscoito, de comida caseira, algo se seu consumo familiar tradicional. Uma vez que haja relativo conforto para a visitação, os visitantes começam a indicar o lugar, e mesmo retornarem, trazendo outras pessoas, e o negócio crescem para os locais, uma vez que o vizinho do dono da barraquinha percebeu a oportunidade, e abriu uma em frente à sua casa, oferecendo outras variedades de lanches, agregando potes de conservas, geléias, doces, empregados no lanche consumido, e o negócio prospera. Ao longo dos anos, o lugar já está referido em mapas regionais com opção de lazer, e já faz parte da economia local. A prefeitura melhora as ruas de acesso ao local, e com ruas melhores, novas tendas e lojinhas vão se instalando pelo trajeto, que agora já é chamado de "Ponto", e os pontos se valorizam, os preços sobem, as tendas se transformam em lojas, novas salas na frente das casas (vejam o artigo onde comento isso, a troca da casa pela loja), as ruas são asfaltadas, recebem calçadas para pedestres, iluminação de qualidade, nos fundos da casa alguns instalam pequenas oficinas, marcenarias, espaços de produção de artesanato local, retirado das habilidades ancestrais, que são aprecisadas pelos visitantes, e ao largo do tempo, o pequeno local de visitação pitoresca, com uma barraquinha de lanches ao lado, torna-se um polo de produção e comercialização de produtos, inicialmente artesanais, mas com a demanda acelerada, passam a terceirizar a produção para atender às vendas.
Ocorre que o terceirizado, ainda que não tenha nenhuma relação com o local de origem, percebe que seus lucros estão escorregando para as mãos do intermediário, e eles próprios, os terceirizados, começam a produzir suas próprias marcas, e abrem lojas no mesmo trajeto onde se encontram seus antigos clientes, e também crescem. Este intenso crescimento, desperta a atenção de visitantes, que não são apenas turistas, mas potenciais investidores à procura de novos nichos para ganharem dinheiro, e um lugarejo florescente, mas ainda empírico, necessita de visão estratégica, de especialistas, para potencializarem o crescimento, de estabelecerem marcas próprias, e expandirem as vendas. Necessitam de "griffes", mas no frigir dos ovos, os autóctones nem sabem o que é uma "griffe", e quando sabem, não tem a menor ideia de como tornar isso um grande empreendimento, não apenas "griffes", mas franquias, e isso precisa de dinheiro, muito dinheiro, e os lucros contados da pequena loja, ainda que abarrotada de compradores, não garante investimentos que cubram o "timming" de retorno de uma rede de franquias, de fixação de marca no mercado, e de expansão sem inchaço, com gestão adequada, para que tudo flua. E a cidade cresce, e não apenas a cidade, mas os municípios vizinhos, que dão acesso entre a capital àquele lugar, percebem o alto tráfego de veículos, passando diante de suas portas, fazendo barulho e poeira, trazendo perigos para as ruas, e percebem que gente passando na frente de casa é tudo o que os marqueteiros mais gostam, para ali instalarem as lojas de seus clientes. E agora não há mais um ponto de atração apenas, pois alguém descobre que a velha Tafona de mandioca, o velho moinho com roda d'água desativado dos avós, podem ser transformados em atrativos, e à volta deles, lojas, venda de produtos, a Tafona e o Moinho são reformados, estilizados, e voltam a moer farinhas, que são vendidas a preços dez vezes acima de mercado, porque não são apenas farinhas, são souvenirs. E quando não houver mais Tafonas e Moinhos originais, constroem-se novas Tafonas e Moinhos, como se antigos fossem, e novos atrativos são criados. E por que não juntar uma serie de atrativos que estavam guardados nas lembranças dos antigos, em um belo parque temático? E por que não canalizar e proteger a velha bica d'água e engarrafar o líquido, e vendê-lo como medicinal, milagroso, desejável?
São as flores que trazem as abelhas, mas junto das flores, que encantam durante o dia, por que não também fazê-las encantar á noite? E os jardins e parques são iluminados para que as flores não deixem de ser admiradas. Porém (ah, aquele estúpido porém, sempre no caminho), luzes atraem mariposas, que põem ovos e nascem larvas, e larvas comem flores e plantas, então é preciso eliminá-las, e não há pássaros suficientes para comer as mariposas, porque estas gostam das luzes da noite, enquanto os pássaros se refuciam para seu natural repouso. Então, chegam os recursos humanos, isto é, os meios de eliminação de pragas, os venenos, que envenenam as águas, as mesmas águas já poluídas pelo esgoto dos hotéis e restaurantes que surgiram pela demanda de acomodações, e o esgoto devolvido aos rios, ainda que com paliativos de tratamento pelo caminho, não dá conta de purificar a água, e a mesma água, antes pura da bica, onde todos bebiam na concha da mão, agora está contaminada, o lençol freático não deu conta de filtrar as impurezas, porque seu volume continua sendo o mesmo de antes, mas o que foi despejado nele se multiplicou.
E para matar as larvas das mariposas, morrem também as larvas das borboletas, e morrem também as abelhas, que antes polinizavam as lavouras, os pomares, e agora, as lavouras e os pomares não tem mais razão de existirem, pois não há mais braços fortes dos jovens agricultores, que descobriram nas facilidades e comodidades de servirem aos turistas, um modo muito mais eficiente e eficaz de prosperarem financeiramente, porque ganham em um mês de trabalho nos hotéis, fábricas, e restauramtes, o que ganhavam em um ano de lavoura, isso tudo sem intempéries que lavam a terra e levam as plantas, sem o excessivo frio que mata os brotos, sem o tórrido calor que seca o chão e faz sucumbir a colheita.
Ainda assim, como um trem descarrilhado, o turismo, já agora, predador e não mais provedor, atrai mais investidores, que abarrotam as estradas com caminhões carregados de cimento e ferro, para construírem novos edifícios, pois não há mais terrenos disponíveis no núcleo principal da cidade, e o céu começa a ser invadido pelas garras dos arranha-céus, que rasgam as nuvens, e roubam o sol dos parques e jardins, das praias, e rios, das varandas onde sentavam-se as famílias ao entardecer, para contar e ouvir histórias, rezarem juntas, e comerem os biscoitos que as velhas avós sempre tinham guardados em potes de vidro decorado por paninhos bordados.
Não há mais entardecer, nem se sabe mais a diferença entre dia e noite por causa das luzes que devolvem o dia até altas horas daquilo que só é noite do lado de fora do lugar. E os pássaros, que dormiam ao pôr do sol, e acordavam aos primeiros raios do alvorescer, agora cantam no meio da noite, dormem nas soleiras das janelas, e catam migalhas nas latas do lixo despejado, das sobras dos restaurantes, e fazem isso antes que os criadores de porcos passem com suas carrocinhas abarrotadas de latões, recolhendo os lucros da fazendas clandestinas, as mesmas que também abastecem os restaurantes de ondem recolhem as sobras da glutonaria comensal de seus visitantes lucrativos.
Esta é uma elucubração de ficção. Não conheço nenhum lugar assim*
Nenhum comentário:
Postar um comentário