Era uma quinta-feira, disso Dona Izartina se alembrava com clareza, pois antecedia a colheita de Marcela, marcada para o amanhecer da Sexta-Feira Santa. Naquele dia, ela preparava o caldo do jantar, uma sopa perfumada de batatas com temperos frescos e um osso buco escolhido com cuidado para dar sabor à iguaria. Era o prato que ela apreciava nos dias frios, e aquela Semana Santa trazia os ventos gelados da Patagônia, que chegavam travessos, assobiando melodias de outros tempos. Eram ecos de uma época em que as crianças ainda corriam pelo terreiro do rancho, gritando de alegria, sonhando com os ovos coloridos recheados de amendoim açucarado e caramelos que os tios compravam e atiravam, só para ver a correria dos pequenos atrás das guloseimas. A vida, naquela simplicidade, era boa, sim senhor. Era, de fato.
Mas, como disse, era uma quinta-feira, e Dona Izartina, ainda jovem, entrou na casa do tio Praxedes para se lavar e cear. O tio, como de costume, ligou o velho rádio a bateria, buscando notícias e canções que lhe aqueciam o coração. O locutor, com voz grave e solene, anunciou:
— "Paris! As tropas aliadas acabam de invadir a costa da Normandia, numa operação que reúne a maior concentração de forças da história, com ataques sincronizados por terra, mar e ar contra as tropas inimigas!"
Tio Praxedes terminou de enrolar seu palheiro, pegou um graveto, acendeu-o no fogão de barro e levou a chama trêmula até o cigarro recém-montado. Deu algumas baforadas, cuspiu pela janela, como era seu hábito, e puxou mais algumas tragadas para garantir que o pito estivesse bem aceso.
— "A guerra tá perto de acabar, e nem chegou por aqui!" — exclamou, erguendo a mão calejada ao céu. — "Os inimigos não vão provar nem uma espiga do nosso milho!" — E soltou uma gargalhada sonora, admirando o milharal que se estendia diante da casa, enquanto esperava o chamado de Dona Cantides para se servir à mesa.
Essa foi a única vez que Dona Izartina ouviu algo sobre os conflitos do mundo. E assim, ela atravessou a vida como uma folha levada pelo vento, num dançar contínuo, guiada pela simplicidade e pela fé.
Numa quarta-feira, durante o sermão de oração e bênçãos, o pastor falou à congregação sobre "tempos solenes", "tempos de decisão, de mudança de vida, de entrega total". Mas mudar em quê? Dona Izartina guardava com devoção, desde mocinha, as palavras das Escrituras. Recitava de cor os versos dos Evangelhos, dividia a tapioca e o pão com os necessitados que batiam à sua porta e, mais que isso, jamais deixou escapar uma palavra grosseira em toda a sua vida, nem mesmo nos arroubos da infância. Então, o que deveria transformar? A dúvida a inquietava, sim, inquietava profundamente.
Enquanto colhia couve e outros legumes para a sopa do entardecer, sob um crepúsculo de nuvens róseas e avermelhadas que se moviam, anunciando talvez uma tempestade, Dona Izartina pegou a enxada e abriu pequenas valas para desviar a água dos canteiros. Assim, protegeria os legumes das chuvaradas, que sempre deixavam algum estrago. Naquele momento, lembrou-se de três palavras que o pastor mencionara no sermão: "Grande Reset Mundial". O que significariam? Com sua fé simples, ela perguntou ao pastor, que, com ar solene, explicou:
— "A irmã já encontrou uma pele de cobra pelo campo?" — indagou o reverendo, com tom de quem ensina. Ele gostava de ser chamado assim.
— "Sim, de vez em quando encontro uma perto de casa. É quando as cobras trocam de couro!" — respondeu ela, com a certeza de quem conhece a vida do campo.
— "Pois é isso, irmã! O mundo é como as serpentes, que de tempos em tempos se revestem de novas capas, de novos pecados. Precisamos nos converter, porque o fim está próximo!"
Dona Izartina ouvia com atenção respeitosa, o olhar perdido no horizonte, enquanto refletia. Não entendia tudo, mas pensava nas suas couves, nas ervilhas prontas para a colheita, nas morangas que se espalhavam pelo quintal. Pensava em juntar mais gravetos para o inverno, que prometia ser rigoroso, em guardar feno para a vaquinha. O pastor, mais afeito às ideias do mundo, parecia envolto em teorias que ela não compreendia. "Grande Reset Mundial", dizia ele, com ênfase. Dona Izartina mal conseguia pronunciar as palavras, mas sentia que era algo sério. Mesmo assim, sua mente voltava à conversão. Para ela, com seu pouco estudo e muita sabedoria, converter-se era para quem vivia no erro e precisava encontrar o caminho do bem, temendo ao Criador e esperando pacientemente o entardecer da vida, para reencontrar os entes queridos que partiram cedo.
Ainda assim, as couves não podiam esperar. Dias antes, estavam infestadas de pulgões, e ela preparou uma mistura de fumo, sabão, água e vinagre. Borrifou com cuidado, e no dia seguinte as folhas estavam limpas, livres dos insetos. Dona Izartina agradeceu ao Criador por suas couves.
E o tal "Grande Reset Mundial"? Bem, enquanto houver chuva enviada pelo céu, vento para secar as roupas, noite para repousar a alma, lenha de capororoca e sucará para o fogão, feijão na panela e água fresca na cacimba, as palavras do pastor, com suas advertências, passariam como o anjo que sobrevoou as casas dos hebreus. O mundo que resolvesse seus "resets". No quintal de Dona Izartina, as novas couves já brotavam, verdinhas, cheias de vida.
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