Quando
era menino, com minha avó, uma senhora austera e religiosa, mas doce e
divertida também, tomei gosto pelo estudo de profecias. Não estudava
apenas por curiosidade, nem por medo, mas por necessidade, e por
esperança. E também, sim, porque gostava muito.
Hoje, não posso
mais dizer que gosto, porque conhecer profecias é uma necessidade. Não
se pode mudar uma única linha daquilo que está escrito para que
aconteça, mas podemos mudar nossa atitude em relação aos acontecimentos,
para nos preservarmos de sofrimentos, e também, pelo conhecimento, para
prevenção de angústias desnecessárias.
Quando falava
das profecias, quando menino, falava com autoridade de quem tinha
certeza compreender cada passo da história que ainda não havia
acontecido. Quando falo de profecias hoje, falo como meio de prover
algum conforto, pela certeza que tudo que está acontecendo, estava
escrito nas profecias.
Quando era menino, via com
esperança e medo os fatos que presumiriam a vinda do Messias. Hoje, vejo
com perplexidade e perplexo fico ao perceber que tudo aquilo já esteja
acontecendo, e eu ainda estou aqui para ver todas estas coisas
acontecendo.
Quando eu era menino, acreditava que
poderia e deveria fazer minha parte para convencer e converter pessoas
para que acreditassem da mesma forma que eu acreditava, e passassem a
viver da mesma forma que eu presumia ser a correta para ser vivida,
embora eu mesmo não fosse capaz de vivê-la, posto que tudo que eu tinha
era um pouco de conhecimento, pelo estudar e ouvir, mas não tinha
suficiente convicção que tivesse a capacidade e argumentação necessária
para convencer e converter pessoas, para que abraçassem a minha própria
fé.
Quando eu era menino, acreditava que eu conhecia a
única religião certa e a única capaz de salvar pessoas para a
eternidade, contanto que se submetessem às normas que eu próprio
contestava, porquanto não era a religião ou as doutrinas, ou muito menos
as profecias que eu pregava, mas um modo de vida que nem eu mesmo era
capaz de suportar, e por isso, muitas foram as vezes em que me rebelei
contra isso ou aquilo, e ao fim, sentia-me culpado, acreditando que
estava me rebelando contra o próprio Deus, a quem eu tanto amava.
Quando
eu era menino eu tinha sonhos, tinha fé, e tinha ânsia de arrebanhar o
mundo pelas minhas palavras, para que o Messias viesse de uma vez.
Queria que Ele viesse, mas tinha medo das coisas que antecederiam a Sua
vinda. Como alguém que quer ser curado, mas não quer tomar o remédio,
por ser às vezes amargo.
Hoje não sou mais menino.
Deixei um pouco de lado o afã por saber minúcias dos acontecimentos,
cruzando profecias com historia, matemática, teologia, apologetica,
escatologia, e todas as ciências relacionadas com as profecias e com a
iminente vinda do Messias.
Hoje não sou mais menino, e o
saber se multiplicou, da mesma forma que dizia o profeta Daniel. A
ciência foi esquadrinhada. Terror, guerras,e terremotos, destruição de
famílias, a maldade se assenhorando do coração das pessoas, fome
generalizada, sofrimento, dor, morte, desespero, angústia, o tempo sendo
roubado da nossa vida, a vida se escoando pelo ralo da insignificância,
e eu assistindo isso tudo enquanto caminho pelas ruas absorto na
leitura dinâmica e nervosa de meu celular, traçando estatísticas
nervosas e comparando os gráficos do temepo, percebendo que os
acontecimentos são mais velozes do que minha capacidade de
acompanhá-los, mesmo apenas para atualizar minha linha cronológica
reversa, contando o tempo que falta para que isso tudo tenha fim.
O
mundo chegou no seu ocaso. Não são os profetas quem dizem, mas a
ciência. O mundo não cabe mais no mundo, e isso não é a Bíblia quem diz,
mas os noticiários nervosos. O mundo, que foi feito para acolher o
Homem, abraçou e sufoca o Homem, como vingança por estar sendo sufocado
pela incontinência da ganância, onde o Homem é o lobo do Homem, o algoz
do Homem, o túmulo do Homem.
Hoje não sou mais menino,
mas algo aconteceu comigo nesta caminhada furiosa por vencer o mundo, e
quando vi que meus passos eram curtos demais para o acelerado compasso
do avanço do futuro que nos varre igual a mil tsunamis com suas
novidades, percebi que estava, igual à uma serpente que rasteja,
perdendo a casca, e me reconhecendo novamente um menino.
Nesta
desenfreada luta pela sobrevivência, matando feras a cada instante,
descobri que é capaz de atravessar um dia de tempestades, e fruir do
entardecer com serenidade e relativa paz.
Mas como
posso falar de paz, se acabo de citar que o mundo está em convulsão,
gemendo as dores de um parto sem fim? Será que fui anestesiado e passei a
hibernar a consciência para a dor alheia, envolto em minha capa de fé,
estribado no meu conhecimento acerca das profecias, e sabendo que tudo o
que esteja acontecendo estava assim previsto, e que esta certeza também
entorpece a minha consciência, em relação aos demais?
Não!
O meu entardecer de paz é semelhante a cada entardecer do povo hebreu
no Egito, durante as pragas que assolavam seus algozes. Não eram
atingidos, e ainda assim oravam por seus senhores. O meu entardecer de
paz é a certeza que tenho que mesmo diante do cumprimento de todas estas
coisas diante dos meus olhos, sei que tenho que fazer apenas aquilo
que posso fazer, de acordo com as minhas forças, com o melhor de minha
capacidade de fazê-lo, e assumir minha responsabilidade de primeiro
mudar aquilo que pode ser mudado dentro de mim mesmo, e depois,,
fortalecido, levar esta mudança ao que estiver mais próximo de mim, não
do meu jeito, mas do jeito de Deus. Meu entardecer de paz é saber que
minha força é humana, e que minhas mãos e pernas são limitadas, mas que
minha oração pode ir além. É ilimitada em poder, inabalável em
magnitude, inatingível pelas fagulhas do mal.
No meu
entardecer de paz, reconheço as minhas limitações em subir apenas um
degrau por vez, mas é sempre acima. Reconheço que minha carga não pode
ser erguida além das minhas forças, então busco forças com Quem não tem
limite para suportar peso algum. E meu entardecer será sempre de paz,
mesmo que o mundo desabe ao meu lado, até mesmo porque o mundo está
cheio de cupins. Não suporta mais seu próprio peso. Então daqui nada
mais espero, mas mesmo assim, ainda tenho responsabilidade de cuidar
daquilo que tenho.
Se o mundo onde vivo não é o mundo dos
meus sonhos, devo preservá-lo para que o mundo que nem mesmo meus mais
elevados sonhos são capazes de descrever, seja guardado para mim. É
neste mundo que eu creio de verdade. É deste mundo que as profecias que
conheci quando menino contavam, lá no final, sempre. Minha história
então, acaba de começar pelo fim daquilo que não é bom, para recomeçar
pelo princípio daquilo que será eterno. Era disso que falavam as
profecias que eu tanto amava estudar.
Shalom!