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quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Direita ou Esquerda: A multidão dos perplexos





Já tem alguns dias que estou silencioso. De butuca. Cafifado. Soturno. Só examinando o terreno.  É muito fácil escrever e comentar o óbvio. Mais fácil ainda é apontar o dedão e levantar defeitos dos desafetos, dos adversários. É confortador observar o sentido de movimentação da multidão, e lá na fila de trás, criticar quem vai á frente. Só que agora a coisa está ficando esquisita, pois a multidão está se organizando em blocos e direcionando seu andar rumo ao desconhecido. Ao incerto, buscando o paraíso, mas se afunilando no abismo dos antagônicos. Não temos mais uma multidão, mas três multidões.

A primeira multidão é aquela vitoriosa, não em sua ideologia, mas em seus candidatos. Depois explico melhor isso. A segunda multidão, tão numerosa quanto á primeira, é a multidão derrotada, traída em seus anseios, desmotivada, decepcionada, carente de colo, e desiludida com a política. E há uma terceira multidão crescente, que é a multidão dos perplexos. Esta multidão é aquela que está definindo as eleições, não por sua postura, mas exatamente pela falta dela. Como disse, está perplexa, e definitivamente desiludida com qualquer tipo de promessa, tanto dos políticos, quanto das religiões ou até de si própria.

Durante muito tempo, falar em Direita ou Esquerda era visto com ceticismo. Desvio da realidade. Era falar de um tempo que não fazia mais sentido à civilização caminhar sob esta dualidade ideológica. Acreditava-se que o Homem estava próximo de chegar ao apogeu da civilidade. Daí veio a "Primavera Árabe" e derrubou a parede fina que escondia o que de mais escuro havia nas cavernas da maldade humana. Depois disso,  a Rússia incorpora um novo sentimento de poder, desta vez revestido de capitalismo, mas com olhar firme na obsessão de colocar novamente seu urso frente a frente com a águia americana, e estabelecer novas bases de negociações no mundo, a partir da certeza do apoio deste ou daquele, tal como acontece na prática na Síria, com Assad no comando de um genocídio sem precedentes na historia moderna. E sabemos o que acontece depois: um dia, ninguém mais acorda naquelas ruínas, Assad nada mais tem a oferecer à Rússia, e sua  cabeça é entregue numa bandeja para julgamento, assim como foi  feito com Saddan e Kadhafi. Eram os demônios úteis. Aquela guerra acaba (até porque só  tem guerra enquanto houver gente para ser morta), os grandes apertam as mãos, e saem vendendo as novas tecnologias do horror a outros malucos pelo mundo. Ganha o mundo das armas. Perde a humanidade. Mas ainda assim, não há aqui Direita nem Esquerda. Há apenas a multidão dos perplexos à espera de um amanhecer sem bombas. De ouvir novamente o ´trinar dos pássaros e os alegres gritinhos das crianças pulando corda.

A primeira Multidão, a urbe dos vitoriosos, também está perplexa ainda. Não sintonizou com o que alcançou pela vitória. Lembra a cachorrada que corre latindo atrás dos automóveis, mas quando estes param, também os cães dão meia volta e procuram outro para correr atrás. Não sabem o que fazer com a conquista. Dispersam em busca de mais uma aventura. Isso aconteceu com Che Guevara  (aquele barbudo fedorento estampado na camiseta dos playboys ricos metidos à esquerdistas), que terminada a revolução, não suportou a gravata e pegou de volta o fuzil para se embrenhar pela selva boliviana e lá encontrar sua glória, mesmo que tenha sido com as mãos cortadas e os olhos arregalados pelo horror da morte anunciada pelo seu carcereiro da CIA. A primeira multidão, que se juntou para vencer, venceu, com a promessa de mudar o mundo e reescrever a civilização, descobriu, já no dia seguinte, que o buraco que muda  a civilização é bem mais embaixo, mas suas contas de água, luz, e condomínio, estão abarrotando a caixa de correio, acumuladas durante sua ausência gloriosa para fazer uma revolução.

A segunda multidão está apática, ferida, chorosa, magoada, infeliz, decepcionada, porque de maneira geral, foram poucas as situações, tanto no Brasil e agora, comprovadamente na América racista, em que diferenças substanciais demarcariam território para os vencedores. Literalmente rachada ao meio. Mesmo Trump, que venceu, ao estilo de Bush, pelo número de delegados, perdeu no voto popular. Hillary foi bem no voto popular, mas não convenceu nos estados onde precisava poucos votos. Enfim, a democracia americana mostra pro mundo que o povo não  vale dois dedos de mel coado, nesta matemática mais complicada que as regras de futebol também americano. Então esta segunda multidão sai agora às ruas, tal como fez o PT, com seus cinquenta e três milhões de votos, com os quais contavam, para fazer uma revolução e defenestrar o Temer, acabou esvaziando os balões por descobrir que às vezes as minorias podem ser esmagadoras.

A terceira multidão, é a soma das duas primeiras, em sua perplexidade, mas cria um território livre para os indecisos, que embora tenham todas as desculpas do mundo para se eximirem da responsabilidade nos debates sobre este ou aquele, não consome energia útil em discutir sexo dos anjos, muito menos em defender este ou aquele, por acharem que nenhum dos dois lados  vale as tais duas colheres de mel coado.
Esta é a multidão que não deixou acumular as contas na caixa do correio, porque não  gastou seu tempo em tentar mudar o mundo, fazer uma revolução, e muito menos comprar briga por quem não quer ver governando em seu nome. Mas é  também a multidão que decididamente não  vai  fazer nada para mudar o mundo, fazer uma revolução, ou semear uma floresta para as próximas gerações. É a multidão dos vira-latas, que não  aceitam coleira nem dono. É a multidão do vinho sem rótulo, que tanto pode ser um suco, quanto um péssimo vinagre. É a multidão mencionada por Jesus, que as compara a sal insípido, para ser cuspido, ou a água morna, para ser vomitado na terra.

O mundo está perplexo com tudo o que  vem acontecendo, e neste comentário vou eximir a questão profética, de cunho religioso, que eu acredito ser o pivô principal deste palco, onde somos personagens e espectadores, mas jamais autores ou diretores. Somos como um cardume de sardinhas, ou  um espetáculo de estorninhos, pequeninos pássaros que oferecem um bailado em bandos de milhões, que desenham evoluções nos céus, sem que haja um líder visível. Esta multidão se esquiva e se protege pelo anonimato de seus pensadores, sem generais, e principalmente, sem candidatos a nada. Eles não têm consciência de política, e certamente  desconhecem regras de marketing, ou a arte da guerra de Sun Tzu, mas instintivamente sabem que se deixarem o bando, o cardume, não sobreviverão mais que poucas horas fora do bailado coletivo.

Somos multidões perplexas: primeira, segunda ou terceira. Por ter vencido (mas vencido o que?); por ter perdido (mesma pergunta), ou por saber que tem tudo a perder, aconteça o que acontecer, governe quem governar, morra quem morrer, ou viva que já nasceu. Mesmo que seja uma vida sem sentido algum.
De que multidão fazemos parte, você e eu?



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