AD SENSE

domingo, 13 de novembro de 2016

O Trilema de Fedoca



O ano era 1976. Gramado era aquilo que chamaríamos de pequena aldeia romântica, cercada de montanhas, vales, hortênsias e utopia. Éramos jovens, e cheios de sonhos. Alguém poderia dizer que todos os jovens são cheios de sonhos, mas eu, com tristeza digo que não, não são mais. Para ter sonhos é preciso ter também tempo para sonhá-los. Para ter esperanças, era preciso construir base para acreditar naquilo que não se pode ver, conhecida como fé. Então, éramos jovens e tínhamos tempo livre para sonhar. Eu era jovem, e eu também sonhava.



Eu era aquele menino conhecido vulgarmente como “um Zé Ninguém”. Sonhador, risonho, mas um “Zé Ninguém” mesmo assim. Pobre, não tinha nem um gato, pra puxar pelo rabo e chamar de meu. Era capaz de me apaixonar pela menina mais linda da sala, mas, ainda assim, ouvir dela que eu não tinha espelho em casa para me enxergar, e que eu não passava de um “comedor de pão velho”. Então, eu já não seria mais um “Zé Ninguém”, mas agora tinha um título: “Comedor de pão velho”” Fiquei feliz, pois descobri que ela me conhecia bem.



Um dia, era época de escolha do Presidente do Grêmio Estudantil. E o comedor de pão velho sonhava participar do grupo. Fui correndo então oferecer meus préstimos ao então presidente, que seria candidato, ou indicaria alguém para o cargo. Recebi uma negativa, dizendo que sua equipe já estava completa, mas que se vagasse um carguinho, eu seria convocado. Bem, está certo então. Devemos ser humildes, mas …. Ele que fosse catar coquinhos. Minha humildade havia aberto a porta que guardava meus brios, e naquele momento meu orgulho gritou lá do fundo: Levante a cabeça, “Zé Ninguém”! E levantei a cabeça, engoli o choro, e fui conversar com um colega mais experiente, o Eduardo Barros. Sugeri a ele que deveríamos formar uma chapa para concorrer, onde ele, Eduardo, seria o Presidente, e eu ocuparia um lugarzinho lá no fundo, talvez no departamento de arte do Grêmio Estudantil. Outra negativa. Eduardo olhou sério e disse: “Vamos montar uma chapa sim, mas TU será o Presidente nela”! Fiquei assustado e incrédulo. Eu, Presidente? Sou apenas o “Zé Ninguém”! Mas aceitei o conselho e fui à luta. Descobri que para ser eleito eu precisaria ter a maioria dos votos. Mesmo que fosse um apenas. Além disso, teria que montar uma chapa com membros eletivos, e formar antecipadamente minha diretoria. A escola tinha cerca de mil e cem alunos. Fui atrás daqueles que julgava os mais competentes para as funções. Descobri que meu adversário já havia arregimentado todos. Cerca de trinta alunos. Então, precisei encontrar alguém que fosse capaz de acompanhar-me ao abismo da derrota. Encontrei mais três suicidas, e os quatro “Zés”, formamos uma chapa chamada “Reorganização”, em oposição à chapa da situação chamada “Renovação”. Fizemos uma campanha sem pompas, apenas no corpo a corpo. E para nossa surpresa, vencemos a eleição, com cerca de oitocentos votos. Uma lavada, se o termo me permite.



Acordei feliz no dia seguinte. Por algumas horas, pois descobri que eu precisava de uma equipe de umas trinta pessoas, competente, fiel, dedicada, para colaborar comigo no mandato. Meu sucesso dependia deles. Mais eu deles do que eles de mim. Pensei longamente por cerca de cinco minutos e resolvi o assunto: Convidei TODOS os componentes da chapa adversária para que se juntassem á mim. E quase todos aceitaram, menos dois: O candidato á presidente e seu vice. Pena, pois teriam sido grandes colaboradores. Mas eu entendi e ofereci o lencinho para que chorassem sua viuvez.

Não sei se minha gestão foi boa ou ruim. Mas sei que deixei um sucessor de minha escolha.



O que essa história lá do passado tem a ver com a realidade de Gramado? Acho que muito. Pensem comigo. O PMDB se dividiu em três: O que permaneceu fiel e votou num pedetista para comandá-los; o que votou no Pedro Bala, mas não saiu do armário; e aquele que votou em branco ou anulou seu voto em protesto.

O PDT não tem contingente. Já disse e insisto nisso. É um coringa que oportunizou um comandante que ainda restava no estoque. Está bem. Mas ficou aí, com uma ou outra exceção que sobe, mais por afinidade afetiva, do que por notória competência para qualquer função de destaque. Aí é no PMDB que vai precisar raspar a panela. Só que o PMDB, magoado, não vai deixar um tradicional adversário comer à sua mesa. Além disso, o PMDB tem outros planos: minar a liderança de Fedoca, para que Evandro cresça. Não me entendam mal. Isso é política apenas. Se o PMDB for mesmo o PMDB que todos conhecem, a experiência já deu certo com Sarney, e mais certo ainda com Temer. Não estou fazendo juízo disso. Apenas lembrando que o método não é estranho ao partido. Funciona. Então aquele PMDB que não quer partir pro confronto porque isso é desgastante, acompanha o confronto dos outros e fica posicionado estrategicamente num cantinho onde possa, no momento oportuno, ocupar sua vez na cadeira do chefe. Evandro já deu sinais disso, declarando publicamente que não quer cargo de Secretário, por desejo de ficar á espera de sentar-se na cadeira de Fedoca. Só que Fedoca, mesmo não tendo feito muito esforço pra isso, conforme já comentei antes, ganhou a cadeira nas “devas”, na justeza da coisa. Então ela é sua e ninguém tasca. Ele não foi lá se oferecer, mas já que insistiram tanto (e insistiram tanto para convencê-lo), que agora tem direito a ela.

Pois bem. Só que isso não resolve ainda a questão da governabilidade. Fedoca não pode ocupar os cargos necessários para a governança. Nenhum dos 255 que prometeu manter. Evandro não os quer também. E o PMDB não deu as caras para socorrê-lo. Já o auxiliaram a vencer. Não lhe devem mais nada. Onde estará o socorro de Fedoca agora? Na humildade! Mais que na humildade, na habilidade em negociar com a nova oposição que está machucada com o rescaldo das ofensas recebidas na campanha. É o trilema de Fedoca. Eu explico. Parafraseei o “Trilema de Epicuro”, que dizia: “Se Deus é Onisciente e Onipotente, e criou o mal, então sabia o mal que o mal causaria, então Deus é mau?” O trilema de Fedoca é mais simples então: ”Fedoca imaginava que não venceria, pois não tinha voto. Imagina que se vencesse, quem o apoiasse o capacitaria para cumprir o que prometeu. Descobriu que venceu, mas recebeu o apoio que esperava, e não teve saída senão rever suas estratégias, ou melhor, criar alguma, porque quatro anos pode se tornar uma eternidade, para ele, e para quem o elegeu. E uma eternidade e meia para quem deseja tomar seu lugar de novo.



A saída honrosa de Fedoca pode ser mais simples do que se imagina, pois assim falando, parece que estou vendo apenas as dificuldades dele. Não, estou levantando estas dificuldades e buscando uma solução, mesmo que não me paguem nada por isso. E a solução é encontrar algum nome dentro da comunidade que seja negociador. Que tenha trânsito com todos os lados. Que negocie com a UPG, que, pode não estar com a caneta do Executivo, mas está com a voz do Legislativo, e se fazer não pode, impedir que seja feito pode. E vai. Pois sabe que, goste ou não disso, quem está saindo, está levando consigo o grande patrimônio intelectual, toda a bagagem e a chave do cofre que guarda a Gestão do Conhecimento de dezesseis anos de trabalho árduo, com todas as encrencas a que tinha direito, mas também todos os louros que puderam receber por isso. Engana-se quem pensa que o patrimônio de uma cidade seja apenas ruas, praças, escolas e hospitais (esta é outra novela). O patrimônio de um lugar é sua inteligência. A América do Norte não rica e poderosa por produzir coisas, mas por criar as coisas que outros produzem e as vender para que outros as comprem.



Este nome, esta pessoa pode articular com os vencidos, propor uma trégua em nome da governabilidade e pelo bem da comunidade, e ajudar a montar a equipe que permitirá a continuidade do crescimento de Gramado, seja no campo econômico, comercial, turístico, mas sobretudo humano e humanitário. É o momento apropriado para Fedoca mostrar o líder que tinha guardado para esta ocasião. Em lugar de rivalidade, união. Em lugar de orgulho, humildade. Em lugar de revanche, cooperação. Em lugar de perseguição, a cuia de mate sincera. É difícil, tem que ser muito grande para tomar uma decisão dessas. Mas creio que ele seja capaz. E este mate deve ser servido por ele próprio. Não espere dos outros este gesto.



Que não caia Fedoca no repetido erro dos governantes que chamaram para perto de si, por primeiro, os puxa-sacos, os medíocres encostados, os que não tiveram capacidade de empreender e por isso brigaram com unhas e dentes pelos mais elevados cargos e salários. E se o fizer, vai errar mais que aqueles a quem criticou, pois criticou bastante, e agora vai ter que provar que é capaz de agir diferente. Vai ter que negociar com pessoas, com profissionais e não com partidos, porque está provado que partidos não entendem nada de governar. Por isso chegamos onde chegamos. A política precisa ser redesenhada, e Gramado pode e deve dar este passo.



E a minha história com o Grêmio Estudantil, como terminou? Bem. Continuo sendo um “Zé ninguém”. Mas não tive uma única voz de oposição durante minha gestão. E acabei sendo um “Zé Ninguém” mais conhecido. Nem sempre compreendido (dizem que eu falo difícil. Talvez. Se parece difícil o que eu falo, tente ler mais devagar, e eu tentarei escrever de forma mais convincente).

Nenhum comentário:

Bella Ciao e Modelo Econômico de Crescimento - Táticas e Estratégias que modelam o Pensamento Político

Imagem: Bing IA Pacard - Designer, Escritor, e Artista, que tem nojinho de políticos vaidosos* "E sucedeu que, estando Josué perto de J...