O ano era 1976.
Gramado era aquilo que chamaríamos de pequena aldeia romântica,
cercada de montanhas, vales, hortênsias e utopia. Éramos jovens, e
cheios de sonhos. Alguém poderia dizer que todos os jovens são
cheios de sonhos, mas eu, com tristeza digo que não, não são mais.
Para ter sonhos é preciso ter também tempo para sonhá-los. Para
ter esperanças, era preciso construir base para acreditar naquilo
que não se pode ver, conhecida como fé. Então, éramos jovens e
tínhamos tempo livre para sonhar. Eu era jovem, e eu também
sonhava.
Eu era aquele menino
conhecido vulgarmente como “um Zé Ninguém”. Sonhador, risonho,
mas um “Zé Ninguém” mesmo assim. Pobre, não tinha nem um gato,
pra puxar pelo rabo e chamar de meu. Era capaz de me apaixonar pela
menina mais linda da sala, mas, ainda assim, ouvir dela que eu não
tinha espelho em casa para me enxergar, e que eu não passava de um
“comedor de pão velho”. Então, eu já não seria mais um “Zé
Ninguém”, mas agora tinha um título: “Comedor de pão velho””
Fiquei feliz, pois descobri que ela me conhecia bem.
Um dia, era época
de escolha do Presidente do Grêmio Estudantil. E o comedor de pão
velho sonhava participar do grupo. Fui correndo então oferecer meus
préstimos ao então presidente, que seria candidato, ou indicaria
alguém para o cargo. Recebi uma negativa, dizendo que sua equipe já
estava completa, mas que se vagasse um carguinho, eu seria convocado.
Bem, está certo então. Devemos ser humildes, mas …. Ele que fosse
catar coquinhos. Minha humildade havia aberto a porta que guardava
meus brios, e naquele momento meu orgulho gritou lá do fundo:
Levante a cabeça, “Zé Ninguém”! E levantei a cabeça, engoli o
choro, e fui conversar com um colega mais experiente, o Eduardo
Barros. Sugeri a ele que deveríamos formar uma chapa para concorrer,
onde ele, Eduardo, seria o Presidente, e eu ocuparia um lugarzinho lá
no fundo, talvez no departamento de arte do Grêmio Estudantil. Outra
negativa. Eduardo olhou sério e disse: “Vamos montar uma chapa
sim, mas TU será o Presidente nela”! Fiquei assustado e incrédulo.
Eu, Presidente? Sou apenas o “Zé Ninguém”! Mas aceitei o
conselho e fui à luta. Descobri que para ser eleito eu precisaria
ter a maioria dos votos. Mesmo que fosse um apenas. Além disso,
teria que montar uma chapa com membros eletivos, e formar
antecipadamente minha diretoria. A escola tinha cerca de mil e cem
alunos. Fui atrás daqueles que julgava os mais competentes para as
funções. Descobri que meu adversário já havia arregimentado
todos. Cerca de trinta alunos. Então, precisei encontrar alguém que
fosse capaz de acompanhar-me ao abismo da derrota. Encontrei mais
três suicidas, e os quatro “Zés”, formamos uma chapa chamada
“Reorganização”, em oposição à chapa da situação chamada
“Renovação”. Fizemos uma campanha sem pompas, apenas no corpo a
corpo. E para nossa surpresa, vencemos a eleição, com cerca de
oitocentos votos. Uma lavada, se o termo me permite.
Acordei feliz no dia
seguinte. Por algumas horas, pois descobri que eu precisava de uma
equipe de umas trinta pessoas, competente, fiel, dedicada, para
colaborar comigo no mandato. Meu sucesso dependia deles. Mais eu
deles do que eles de mim. Pensei longamente por cerca de cinco
minutos e resolvi o assunto: Convidei TODOS os componentes da chapa
adversária para que se juntassem á mim. E quase todos aceitaram,
menos dois: O candidato á presidente e seu vice. Pena, pois teriam
sido grandes colaboradores. Mas eu entendi e ofereci o lencinho para
que chorassem sua viuvez.
Não sei se minha
gestão foi boa ou ruim. Mas sei que deixei um sucessor de minha
escolha.
O que essa história
lá do passado tem a ver com a realidade de Gramado? Acho que muito.
Pensem comigo. O PMDB se dividiu em três: O que permaneceu fiel e
votou num pedetista para comandá-los; o que votou no Pedro Bala, mas
não saiu do armário; e aquele que votou em branco ou anulou seu
voto em protesto.
O PDT não tem
contingente. Já disse e insisto nisso. É um coringa que oportunizou
um comandante que ainda restava no estoque. Está bem. Mas ficou aí,
com uma ou outra exceção que sobe, mais por afinidade afetiva, do
que por notória competência para qualquer função de destaque. Aí
é no PMDB que vai precisar raspar a panela. Só que o PMDB, magoado,
não vai deixar um tradicional adversário comer à sua mesa. Além
disso, o PMDB tem outros planos: minar a liderança de Fedoca, para
que Evandro cresça. Não me entendam mal. Isso é política apenas.
Se o PMDB for mesmo o PMDB que todos conhecem, a experiência já deu
certo com Sarney, e mais certo ainda com Temer. Não estou fazendo
juízo disso. Apenas lembrando que o método não é estranho ao
partido. Funciona. Então aquele PMDB que não quer partir pro
confronto porque isso é desgastante, acompanha o confronto dos
outros e fica posicionado estrategicamente num cantinho onde possa,
no momento oportuno, ocupar sua vez na cadeira do chefe. Evandro já
deu sinais disso, declarando publicamente que não quer cargo de
Secretário, por desejo de ficar á espera de sentar-se na cadeira de
Fedoca. Só que Fedoca, mesmo não tendo feito muito esforço pra
isso, conforme já comentei antes, ganhou a cadeira nas “devas”,
na justeza da coisa. Então ela é sua e ninguém tasca. Ele não
foi lá se oferecer, mas já que insistiram tanto (e insistiram tanto
para convencê-lo), que agora tem direito a ela.
Pois bem. Só que
isso não resolve ainda a questão da governabilidade. Fedoca não
pode ocupar os cargos necessários para a governança. Nenhum dos 255
que prometeu manter. Evandro não os quer também. E o PMDB não deu
as caras para socorrê-lo. Já o auxiliaram a vencer. Não lhe devem
mais nada. Onde estará o socorro de Fedoca agora? Na humildade! Mais
que na humildade, na habilidade em negociar com a nova oposição que
está machucada com o rescaldo das ofensas recebidas na campanha. É
o trilema de Fedoca. Eu explico. Parafraseei o “Trilema de
Epicuro”, que dizia: “Se Deus é Onisciente e Onipotente, e criou
o mal, então sabia o mal que o mal causaria, então Deus é mau?”
O trilema de Fedoca é mais simples então: ”Fedoca imaginava que
não venceria, pois não tinha voto. Imagina que se vencesse, quem o
apoiasse o capacitaria para cumprir o que prometeu. Descobriu que
venceu, mas recebeu o apoio que esperava, e não teve saída senão
rever suas estratégias, ou melhor, criar alguma, porque quatro anos
pode se tornar uma eternidade, para ele, e para quem o elegeu. E uma
eternidade e meia para quem deseja tomar seu lugar de novo.
A saída honrosa de
Fedoca pode ser mais simples do que se imagina, pois assim falando,
parece que estou vendo apenas as dificuldades dele. Não, estou
levantando estas dificuldades e buscando uma solução, mesmo que não
me paguem nada por isso. E a solução é encontrar algum nome dentro
da comunidade que seja negociador. Que tenha trânsito com todos os
lados. Que negocie com a UPG, que, pode não estar com a caneta do
Executivo, mas está com a voz do Legislativo, e se fazer não pode,
impedir que seja feito pode. E vai. Pois sabe que, goste ou não
disso, quem está saindo, está levando consigo o grande patrimônio
intelectual, toda a bagagem e a chave do cofre que guarda a Gestão
do Conhecimento de dezesseis anos de trabalho árduo, com todas as
encrencas a que tinha direito, mas também todos os louros que
puderam receber por isso. Engana-se quem pensa que o patrimônio de
uma cidade seja apenas ruas, praças, escolas e hospitais (esta é
outra novela). O patrimônio de um lugar é sua inteligência. A
América do Norte não rica e poderosa por produzir coisas, mas por
criar as coisas que outros produzem e as vender para que outros as
comprem.
Este nome, esta
pessoa pode articular com os vencidos, propor uma trégua em nome da
governabilidade e pelo bem da comunidade, e ajudar a montar a equipe
que permitirá a continuidade do crescimento de Gramado, seja no
campo econômico, comercial, turístico, mas sobretudo humano e
humanitário. É o momento apropriado para Fedoca mostrar o líder
que tinha guardado para esta ocasião. Em lugar de rivalidade, união.
Em lugar de orgulho, humildade. Em lugar de revanche, cooperação.
Em lugar de perseguição, a cuia de mate sincera. É difícil, tem
que ser muito grande para tomar uma decisão dessas. Mas creio que
ele seja capaz. E este mate deve ser servido por ele próprio. Não
espere dos outros este gesto.
Que não caia Fedoca
no repetido erro dos governantes que chamaram para perto de si, por
primeiro, os puxa-sacos, os medíocres encostados, os que não
tiveram capacidade de empreender e por isso brigaram com unhas e
dentes pelos mais elevados cargos e salários. E se o fizer, vai
errar mais que aqueles a quem criticou, pois criticou bastante, e
agora vai ter que provar que é capaz de agir diferente. Vai ter que
negociar com pessoas, com profissionais e não com partidos, porque
está provado que partidos não entendem nada de governar. Por isso
chegamos onde chegamos. A política precisa ser redesenhada, e
Gramado pode e deve dar este passo.
E a minha história
com o Grêmio Estudantil, como terminou? Bem. Continuo sendo um “Zé
ninguém”. Mas não tive uma única voz de oposição durante minha
gestão. E acabei sendo um “Zé Ninguém” mais conhecido. Nem
sempre compreendido (dizem que eu falo difícil. Talvez. Se parece
difícil o que eu falo, tente ler mais devagar, e eu tentarei
escrever de forma mais convincente).
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