Eu estava saindo de Israel, já no portão de embarque, quando um agente do Serviço de Defesa do aeroporto Ben Gurion abordou-me e pediu meu Passaporte. Examinou por alguns segundos, olhou pra mim, e fez uma pergunta em hebraico. E só soube responder: "Ani lo ivrit" (eu não falo hebraico). Perguntou-me então em inglês, quantos idiomas eu falava. "Um tantico só de inglês, um bocadinho de espanhol, e se falar bem devagarinho, talvez eu conheça alguns palavrões em italiano" (Evidente que respondi apenas "inglês, e um pouco de espanhol, e italiano, bem serio). Não se brinca com um agente da Mossad, com quase dois metros de altura, uma metralhadora a tiracolo, dentro de um aeroporto mais guardado que filha de estancieiro, cujo país precisa de uma redoma de mísseis e tecnologia para proteger, sob ameaça real de guerra por mais de vinte países à sua volta. Não se brinca mesmo. Então eu disse que era brasileiro, que estava no país à convite de uma empresa, para receber um treinamento, e que o dono da empresa era a pessoa que estava ao meu lado, um brasileiro, que vive em Israel há cerca de 40 anos. O varão examinou mais uma vez meu passaporte, olhou pra mim, apontou pra minha cabeça, e perguntou, de chofre: "Por que você está usando Kipá?" (Aquele chapeuzinho redondo, usado por judeus religiosos (ou não). Fiquei completamente estático, o sangue circulou ao contrário, e dava pra ouvir meu coração disparado, ecoando pelo imenso hall do aeroporto. Meu amigo então, percebendo que eu teria que trocar de cuecas logo a seguir, interviu, e disse ao agente: "Ele é de uma seita judaica, no Brasil!" O moço deu um sorriso, balançou a cabeça, e desejou-me uma boa viagem, devolvendo meu passaporte. É que na cabeça dele, é impossível imaginar que um judeu, fora de Israel, não saiba falar hebraico. Mas encerro aqui o relato, e digo, que pela primeira vez, na vida, fiquei feliz por dizer que eu pertencia a uma "seita".
Não guardo segredo da minha fé. Nunca guardei, mas também, nunca senti-me confortável em fazer proselitismo. Nunca gostei de debate doutrinário, e se em algum momento da minha vida, flertei com a apologética, já lembro pouco disso, porque defesa de doutrina nunca foi do meu agrado, defender aquilo que milhares de renomados teólogos o tenham feito de formas tão diversas e inteligentes, que qualquer coisa que eu disser a favor, ou contra, estaria apenas repetindo jargões, que deixar-me-iam em trapo, ao primeiro argumento desconhecido por, de alguma outra escola teológica contrária. Até mesmo dentro de minha própria convicção religiosa, percebi que existia uma apologética dentro da apologética, que defendia então minúcias dentro de minúcias, e tão bem argumentadas, que faziam-me parecer um idiota, culpado por minha absoluta ignorância, e inferior no proceder de minha conduta. Assim, esquivei-me tanto, que ao largo de certo tempo, dei-me por conta que estava cada dia mais e mais emaranhado numa teia de conceitos e preconceitos, que estava me esquecendo de D-s. Foi desta forma, que tirei o manto, outrora branco, mas agora encardido e amarelado, de minha busca pela santidade e pureza espiritual, e descobri que debaixo dele, havia um homem desnudo. Peladão, se quiserem fazer gracinha. Era eu. Sem roupagem religiosa, nem tampouco partidária, para proteger minhas vergonhas, do mundo.
De modo algum quero que seja interpretada esta leitura sobre intimidade com o debate em círculos, que é o debate apologético, com minha relação com o conjunto de doutrinas pelas quais entreteci minha trajetória moral e espiritual. São coisas absolutamente diferentes. Um coisa é o "modo de ser", e outra é a "razão por crer". Aqui estou no plano religioso, no qual sinto-me absolutamente confortável em me pronunciar, porque procuro manter a coerência entre o que eu penso, o que eu digo, e o que eu tento fazer. Então, não estou trazendo nenhuma doutrina nova, nenhuma nova "verdade", antes estabeleço que as verdades que construíram minha formação espiritual, sejam suficientes para manter-me em voo solo, como faço, sem a interferência mastigada de que "por pertencer à este ou aquele grupo deva pensar deste ou daquele modo". Absolutamente não. Quero meu livre arbítrio desimpedido para quando eu tiver que prestar contas de meus atos e de minha consciência diante do Criador, eu o faça com a solenidade do momento e com a esperança de uma vida inteira. Simples assim.
Estou, com isso, dizendo que aquilo que faz bem pra mim, deva ser do mesmo modo para meu querido leitor, ou minha perfumada leitora? De modo algum. A beleza do pensamento está na originalidade, ainda que seja esta orientada por esta ou aquela forma de agir, viver ou pensar. Não há demérito algum buscar modelos de outrem para consubstanciar nossas experiências, e como nosso tempo é exíguo, nada melhor do que ter outras experiências para agregarmos, e as chamarmos de "nossas". Então, sempre iremos encontrar uma causa à tudo o que vivemos, e causa, não no sentido de motivo, mas no sentido de origem, ato causador. E isso pode ser encontrando tanto em lições de contemplação na Natureza das coisas, quanto em exemplos deixados por quem tenha vivido da forma que desejamos viver.
A pergunta que abre este ensaio é se você segue uma Seita, um Partido, ou uma Religião? Vamos entender cada uma destas manifestações ideológicas, e saber em quais nós nos encaixamos, então.
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1 - Seitas
Aqui, irei transcrever a definição clássica de seita, mesmo porque não estou buscando locupletar-me em originalidade plena textual, mas trazer ao estudo as definições estabelecidas, para adiantar meu trabalho.
"Seita (latim secta = "secionar", "dividir", "sectar) de forma geral é um conceito complexo utilizado para grupos que professem doutrina, ideologia, sistema filosófico, religioso ou político divergentes da correspondente doutrina ou sistema dominantes.
O termo “seita” é usado amplamente e é aplicado a grupos que seguem um líder vivo que promove doutrinas e práticas novas e não-ortodoxas.
Segundo Peter L. Berger, seita seria a organização de um grupo contra um meio que consideram hostil ou descrente. O grupo então se fecha em um corpo de doutrinas e vê o restante da sociedade como inerentemente má ou pecadora, passível da ira divina, que inevitavelmente sobrevirá sobre eles. As seitas de orientação cristã usam as noções de pecado e santificação como forma de dar legitimidade discursiva aos neófitos e manter os que já são seguidores. A saída do grupo pode acarretar diversos efeitos psicossociais em decorrência do sentimento de solidão, de autoculpabilização e da hostilidade advinda do grupo que se está deixando. Sair de uma seita nunca é fácil porque ela exerce controle sobre toda a vida individual e coletiva dos indivíduos. As seitas, assim como as religiões instituídas, são agências reguladoras do pensamento e da ação, mas com a diferença de que na seita a regulação tende a ser mais totalizante, devido ao rígido controle que exercem sobre os sujeitos.
Embora o termo seja frequentemente usado apenas às organizações religiosas ou políticas, estende-se também à adesão a grupos militantes minoritários em tensão com a sociedade ampla."
Aqui quero discordar de Berger, quando diz que apenas pode ser chamado de "Seita" aqueles grupamentos, cujo líder ainda vive. Não é assim. Grande parte das seitas, nasce como tal após a morte de seu líder, e que em muitos casos, começa com doutrinas bastante mais simplicidade do que aquelas empregadas por seus sectários. O autor abraça firmemente a ideia que o cristianismo seja uma seita, e aqui preciso concordar, porque nasce a partir de um Líder, a quem denominam de Messias, e não vou entrar neste mérito, mas comprovar que é a partir desta referência que brotam todas as demais vertentes, e estas, sim, com seus ícones, vivos ou não. Os sectários constroem um "calvário", falso, ou verdadeiro, enaltecem o martírio, em lugar das vitórias, para com isso, constrangerem seus prosélitos, neófitos ou não, a ignorarem as ofensas, e enfrentarem os desafios, com bravura, ou com doçura, seja qual for a circunstância, ou o modelo empregado. Estes sectários chegam à extremos, e muitos deles chegam a provocar a ira dos antagonistas, para que os façam sofrer pelas injúrias, sejam elas físicas, ou morais, e este sofrimento é o fermento que ativa a massa, e as massas, dispostas a qualquer sacrifício, já não mais pela causa, mas pelo líder supremo que gerou a causa.
2 - Partidos
Partido político é um grupo organizado, legalmente formado, com base em formas voluntárias de participação numa associação orientada para ocupar o poder político.
É um grupo organizado de pessoas que formam legalmente uma entidade, constituídos com base em formas voluntárias de participação, nessa "democracia", segundo professor Lauro Campos da Universidade de Brasília; quando faz referência ao espectro ideológico, em seu livro, História do Pensamento Econômico, em uma associação orientada para influenciar ou ocupar o poder político em um determinado país politicamente organizado e/ou Estado, em que se faz presente e/ou necessário como objeto de mudança e/ou transformação social. Porém, segundo Robert Michels, em seu livro publicado em 1911, Sociologia dos Partidos Políticos, por mais democráticos sejam esses partidos, eles sempre tornam-se oligárquicos, esses partidos estão sempre sociologicamente ligados a uma ideologia, porém, nem sempre essa ideologia é pragmática e/ou sociologicamente exequível ou viável, pois muitas vezes carece de ambiente para seu desenvolvimento, o que demonstra segundo Lauro Campos, que os chamados Líderes partidários não se sintonizam perfeitamente com o povo e como que, como diz: "… tentam governar de costas para o povo e suas necessidades…".
Acho suficiente o conceito, e apenas esclareço, que nem todo Partido é uma "Seita", e nem toda "Seita" torna-se em Partido. Classifico aqui duas situações de atuação dos Partidos; Na primeira, os Partidos agregam militantes espalhados, que defendem determinada causa, ou candidato do momento, em caráter nacional ou regional, e que depois de passada a paixão da campanha, sublima-se sem alarde, e cada um volta pra sua função, ao seu "status quo ante", ou, como estava antes da eleição. Vou além, e na minha leitura não encontro mais partidos com ideologia plena, senão ajuntamento de políticos que buscam o poder, seja direto, ou de forma periférica, e que segundo a lei exije, há necessidade da criação de uma agremiação, à qual dava-se o nome de Partido, e hoje nem mais isso.
A ideia de "Partido" parece-me configurar motivo de vergonha, senão me digam, por que o Partido Progressista, agora se chama apenas "Progressista? Ou outros, a saber: Podemos? Patriotas, MDB, e por aí segue? Não são os mesmos integrantes, as mesmas lideranças, o mesmo estatuto, a mesma ideologia de antes, com apenas alguns ajustes? Não estou dizendo que está errado, apenas estou fortalecendo que a política começa a levantar as velas para outros ventos, onde os velhos costumes estão sendo, aos poucos, substituídos, modernizados, melhor ajustados com as novas tendências do povo de quem se servem.
Já partidos com ranço de tradição, fazem questão de manter o "P" para começar suas siglas: PDT, PRN, e por aí segue. O PDT mesmo, já nasceu como uma mágoa de não ter sido PTB, o Partido de Brizola e de Getúlio Vargas, criado por este último, como "um anteparo entre sindicatos e comunistas", segundo suas próprias palavras, e que foi extinto em 1964, com a Ditadura Militar, vindo ressurgir após a Anistia de 1982, onde Brizola perde a sigla para Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio, e desde então seguem separados, onde aqui os classifico como seitas da "sociedade dos poetas mortos", porque cada um destes partidos tem o seu próprio panteão de divindades, mas não conseguiu prosperar, apesar de manterem suas ideologias intactas desde que foram criados.
3 - Religiões
"Religião (do latim religio, -onis) é um conjunto de sistemas culturais e de crenças, além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios valores morais. Muitas religiões têm narrativas, símbolos, tradições e histórias sagradas que se destinam a dar sentido à vida ou explicar a sua origem e do universo. As religiões tendem a derivar a moralidade, a ética, as leis religiosas ou um estilo de vida preferido de suas ideias sobre o cosmos e a natureza humana.
A palavra religião é muitas vezes usada como sinônimo de fé ou sistema de crença, mas a religião difere da crença privada na medida em que tem um aspecto público. A maioria das religiões tem comportamentos organizados, incluindo hierarquias clericais, uma definição do que constitui a adesão ou filiação, congregações de leigos, reuniões regulares ou serviços para fins de veneração ou adoração de uma divindade ou para a oração, lugares (naturais ou arquitetônicos) e/ou escrituras sagradas para seus praticantes. A prática de uma religião pode também incluir sermões, comemoração das atividades de Um Deus ou vários deuses, sacrifícios, festivais, festas, transe, iniciações, serviços funerários, serviços matrimoniais, meditação, música, arte, dança, ou outros aspectos religiosos da cultura humana."
Neste formato de agrupamento, posso acrescentar que quando um grupo de prosélitos, que tanto podem ser chamados de fiéis, ou militantes, age em defesa de suas crenças fundamentais (a cartilha de um partido, por exemplo, é uma crença fundamental),tendo, ou não um líder máximo, mas mata e morre por aquela filosofia (não sei se cabe aqui a palavra filosofia, que por si só não reconhece algo como verdade única, enquanto que uma religião defende sua apologética como redentora, única, e virtuosa), torna-se uma religião, mesmo porque, no extremismo da militância político-religiosa, viver ou morrer, tem o mesmo peso de importância, e quando prefere que outros morram para que sua causa sobreviva, e não existe uma crença fundamental ancestral entre o "certo e errado", nada se pode esperar que diga respeito à civilidade, no tocante ao respeito ao Ser Humano na sua integralidade, senão que ele é apenas humano enquanto servir à sociedade, trabalhando pelo Partido, e sendo necessário, morrendo pela causa. Nas religiões, os prosélitos matam e morrem por, e em nome de seus deuses e suas doutrinas. Na política acontece o mesmo. Por isso, talvez, que o adágio popular diz que "política e religião não se discute".
Quem é você neste contexto? Um sectário? Um político, ou um religioso? Ou ainda apenas alguém que faz parte dos três grupos, e espera ansiosamente pelo início da próxima campanha para vingar-se de seu político odiado, ou extorquir seu político generoso, ou finalmente, identificar-se com aquela pessoa que sintoniza com suas aspirações, e o representará junto aos demais, no lugar adequado para chamar de "Casa do povo"?
Está você disposto a empunhar uma bandeira, e cerrar os dentes em batalha por alguém que nem sabe o seu nome, onde você mora, ou quantas colheres de açúcar põe no café? Está disposto a defender com unhas e dentes uma agremiação que tem um perfil na sua comunidade, e outro completamente diferente no cenário nacional? Sabe você quanto está contaminado este candidato, pela ideologia que você mesmo abomina? O quanto irá beneficiá-lo, com seu envolvimento comunitário, a saber, trabalhando para tornar realidade as suas aspirações?
Seita, Partido, ou Religião? À qual delas você vai dedicar seu tempo, sua honra, seus valores, seus bens, e sua integridade, a defender?
Nas sociedades de pensamento totalitário alinhado ao antropocentrismo individualista, contrária ao Teocentrismo Universalista, não é muito pensar em que ou o indivíduo serve à causa, ou a causa defenestra o indivíduo, condenando-o ao ostracismo, tornando-o um pária, ao ponto de expropriar-lhe bens, valores, e família, como medida protetiva dos valores constituídos pelo Partido, tornando-o neste ato, e nos demais mencionados, como uma religião, cujos clérigos não passariam nem na grande porta da esperança, quanto menos no fundo de uma agulha.