AD SENSE

sábado, 9 de novembro de 2019

Não precisamos de heróis terceirizados- Precisamos ser os nossos próprios heróis



Nem vou filosofar de saída. Vou direto ao ponto. Esmagadora maioria de contemporâneos meus, de juventude, dos tempo da guaraná com rolha, que atravessaram os anos 70, e eram, assim como eu, deslumbrados pelos cabelos compridos dos rapazes, os vestidos coloridos e floreados das moças, mas principalmente pela ideia de que se nos rebelássemos contra o regime militar, se contássemos piadas infames de milicos, à sombra do anonimato, estaríamos contribuindo de corpo e alma para uma contra-revolução, uma libertação do regime, e a tradução de uma pátria livre, de uma América livre, hoje, esta esmagadora maioria, que como eu, acreditava no socialismo moreno, já não pensa mais deste modo. E não, não fomos subornados. Ninguém nos pagou para reavaliarmos nossos conceitos, e redesenharmos nossas opiniões. Mas não pensam mais assim, como eu não penso mais do modo que pensava.

Nunca fui comunista, mas devo confessar que a ideia de uma sociedade equilibrada, onde não haveria miséria, nem riqueza absurdamente distante do alcance de que qualquer pessoa que, por meritocracia, alcançasse sucesso, era algo que fascinava. E, e muitos amigos meus. Mas o tempo mudou. Nossos valores se transformaram, à medida em que nos casamos, geramos filhos, e construímos a sociedade que éramos capazes de construir. Fizemos sim, a nossa revolução, mas bem diferente do modo que as palavras emaranhadas dos intelectuais de então desenharam para que as repetíssemos. Até as repetimos, por certo tempo, mas o choro dos bebê no meio da madrugada, e as contas batendo à porta, logo cedo, pela manhã, pouco a pouco foram nos afastando dos ideais poéticos, e nos encaixando na realidade factível.

O tempo passou. Passaram as crises. Passou a vida, e continua a passar, não por nós, mas em nós. Nos instruímos, cada um a seu modo e lugar. Hoje nossos sonhos são contrastados com a possibilidade de os realizarmos por nós mesmos, sem esperar por milagres sobrenaturais (milagre é sempre sobrenatural), mas estribados no alcance de nossas pernas, na resistência de nossos braços, e na ânsia pelos sonhos dos que vieram depois: os nossos filhos.
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Hoje, através deste movimento alucinado de "Nós contra Eles", em que Direita e Esquerda se digladiam, vemos como espelhos do passado, os nossos próprios retratos, e são as nossas mãos quem seguram as mãos dos que sonham em nosso lugar, e nos defrontamos com contemporâneos que permaneceram congelados no tempo, e tornam-se os novos guias cegos, que gritam para que sejam ouvidos, e sejam seguidos por outros que ouvem, sem nada dizer. É decepcionante o paradoxo de vermos quem antes nos apaixonava, hoje nos apiedar, não o sabemos se por ignorância ou má fé. É decepcionante encontrarmos nossos ícones do passado, amordaçados pelo cego fanatismo, hibernando sobre livros mofos resgatados dos porões da ignomínia, e entregando-se em sacrifício por semideuses da discórdia, por brados de guerra que desejam ver, por gente que já esteve em nossas doces lembranças dos tempos de nossos próprios sonhos.

O mundo mudou, e nós nem sempre fomos capazes de mudar com a escola do pior do mundo. O mundo mudou porque pessoas mudam o mundo. Algumas, buscam doar-se para melhorar a sociedade. Outras buscam roubar a ânsia pela vida daqueles que necessitam de heróis. Não precisamos de heróis. Precisamos ser nossos próprios heróis, cada vez mais. Não precisamos de heróis inflados, que são levados pelo vento, e estouram na primeira adversidade que encontram. Nossos heróis não são aqueles que apenas um elementos os torna vulneráveis, uma "Kriptonita", mas somos os heróis onde tudo à nossa volta é "Kriptonita", e apenas um ponto nos torna vencedores: O nosso caráter! Não precisamos de mártires vazios de decência e cheios de ódio acumulado para construir a nossa sociedade. O que precisamos é de regarmos a semente que nos moveu na juventude em busca de equilibrio social e moral, e adaptarmos à sabedoria que a experiência nos legou.

O mundo muda a cada tecla de nossas cartas à vida, e são as mesmas letras que usamos para compor novas canções a cada dia. As mesmas letras, mas em novas palavras. Dia a dia, olhamos para o passado e tentamos localizar o "erro matriz", o nosso "pecado original", e o que encontramos são apenas sulcos e pegadas que deixamos atrás de nós.Até ai não há problema. O problema parece estar em que os que vem atrás de nós, não tenham discernimento ou vontade para abrirem seus próprios caminhos, e sigam os nossos mesmos erros, repitam as mesmas palavras, cantem as mesmas canções, em um dissonante coro que apenas  encaixa seu ritmo, tempo, e voz, nos madrigais regidos por outrem.

Não precisamos de novos maestros que movimentem suas batutas e nos ordenem que cantemos do jeito que eles determinarem. O que precisamos é sermos solistas de nossa inquietude, ainda que mil solistas nos cerquem com seus próprios solos. Verdade, que parecerá dissonante em um coro, mas o mundo é dissonante em suas ideias também. Precisamos cantar as nossas próprias canções, com a experiência da maturidade, com o mesmo vigor da juventude.

Não precisamos de heróis terceirizados pelos Partidos, mas precisamos terceirizar nossa identidade para que nossa voz seja ouvida, ainda que entre outras milhares, milhões, ou bilhões de outras vozes, cujos cantos são livres e cuja ,liberdade não vá além da liberdade dos que cantam ao nosso lado.







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