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terça-feira, 17 de outubro de 2017

O Dedão do Apolônio - Causos absurdos do Apolônio Lacerda



Apolônio Lacerda não era um taura de duas palavras. Não era mesmo! De pavio curto, embora cauteloso com os revesgueios,  o ensimesmado Apolônio não levava desaforo pro rancho, e andava sempre com a  xerenga meio afiada na bota à espreita de algum ximango pra passar a degola, por quarqué dá-cá-uma-páia. Nunca passou. Também nem havia mais ximangos no seu tempo. E mesmo que houvesse, Apolônio era ôme de bom sizo. Nada de veolênça. "Um ximango - dizia - não se esfaqueia nem com o trêis lista!"

Não se acrocava pra mijá, nem servia o mate com a mãe canhota, porque a dereita era a mão da peleia, e quem serve a cuia não tem tutano pra terciá o ferro ao mesmo tempo. Sendo ansim, se andasse nos conforme, ele também se alinhava nos portanto, e desse jeito a prosa corria a-lo-largo pelo fim da tarde.

Peão traquejado na lida, Apolônio era par-e-passo com o matungo véio,  o saudoso "Bergamota", parceiro fiel e manso, capaz de conduzir o borracho noite adentro de volta ao rancho, ainda que dormindo fosse.


Numa feita, despois de um carteado, no rancho do Gualhába,  arrotando e  matando a camada de ozônho com suas ruidosas flatulências, zóio murcho e a baba escorrendo pelo beiço afora, lá vinha a pareia dereito ao morro:  Um amuntado no outro e o outro carregando o um, que balouçava de lá pra cáe de cpa pra lá, feito dois jacás no lombo de uma mula manca costeando o rio. O que vinha em cima de veis em quando, num trupicão que o pingo dava num toco, dava um pulo, que parecia um soluço, arregalava os zôio vermêio de trago, e sortava um berro, seguido de uma gargaiáda sôrta noite adentro:

_ Ah lá guascaaaa! Se caguêmo, mãns não se entreguêmo pras percanta! Ôrre bosta!


Num dado passo o pingo véio falseia o lombo, e a carga desanda. Apolônio despenca e dá com as fuças num monte de estrume, enlameando as venta e tontiando ainda mais o vivente. Meio que num "upa", se levanta, agarrado nos arreios e solta um xingamento, que por ser esta barbaridade que escrevo lida por dimenór também, vou poupar o verbo e dizer que o arcaide sortô um nome bem feio mesmo. Mas deixemo o nome feio de lado, e seguimo o causo.

Pous Apolônio, ergueu-se apoiado nos arreios, e num "upa", como disse, deu um pulo, o que fez com que o alimar se assustasse e fastrasse um tanto, dando com a anca nas paleta do borracho, e erguendo a pata traseira, dá um pistotão bicharedo no vivente. Pous, lês digo que não foi pôca côza, não senhor.  O causo é que Apolônio usava uma bota garrão-de-potro, onde os garrão e os dedo ficam de fora. Pous foi junto no dedão de maior monta, que o pingo meteu o casco.

Vou encurtar o causo, porque o ôme sofria munto. Noutro "Uba" e um "Bamo!", galopeou daquele jeito rumo ao rancho de Carsulina, que a essa hora já tinha mijado e tava lavando os zóio pras reza. Não deu tempo. Ouviu um: "Tá dimpé, madrinha?"

- Se achegue, que o dóga é manso e foi capado!
- Mãns chê! Não tenho medo que o dóga...(e nisso dá uma topada na cabeça do arreio, soltando um sonoro nome feio, daqueles que dá tapa na zoreia se um piá chamar o outro disso) - O pingo me pisotiô o dedão, chê, e penso que posso inté morrê, se não tratá, madrinha!

- Se achegue, fio! Vou lê faze um implásto de catinga-de-mulata com banha de capivara, e antes de casá, vai vê que sara, filho! O pobrema é mais pisco do que fisco!

Apolônio apeia, não sem cair de novo, porque a cachaça ainda dominava a mente do demente, o que até era de certo modo um benifício, porque ancim doía menas. Carsulina então fez um emplasto e amarrou uns trapos no que encontrou antes de dois parmo de zunha xuja naquele dedão viscoso.

- Lê agardeço, madrinha! Pôus então me vou pro catre véio apinchá o lombo antes que o dia venha!

- Mas de jeito nenhum, filho. Agora mêmo vou aperpará um feijão mixido e um caneco de café passdo pra mór do filho passá a lombêra. O filho se apinche ali naquele pelego, e tire um sono. Quando ficá  pronto, lê chamo.

O cheiro do café passado despertava a manhã, e logo um revirado de ovo com farinha de mandioca e um feijão mexido perfumavam o rancho, onde o café passadinho exalava aquela fragrância de campo e primavera. Apolônio acordou com uma bandeja de goloseimas, a cabeça inchada de ressaca, e um dedão latejando. Mas como diz Carsulina, quando uma subestânça dói, é perciso sabê que o pobrema é sempre mais pisco do que fisco, e carçá a mágoa no chumbo, que o mundo ainda é redondo. Mas isso é assunto pra outra prosa.

Este causo é em homenagem às boas prosas e causos que tive com meus primos Ananias, Zacarias, Izaías, Jeeremias, Elias, Malaquias, Saulo e Tia zezé, de quem sempre vou lembrar com carinho e boas risadas, o gosto do mate, do  pinhão e das lorotas que contávamos ao do crepitar das lenhas e das lembranças de tempos que não voltam nunca mais.  É também dedicado àqueles a quem ainda quero contar muitos causos e muitas lorotas, meus netos Davi, Daniel, Lucas e sarah!

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