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sábado, 14 de outubro de 2017

Politicamente Indecente - Apolônio Lacerda




Apolônio Lacerda tinha um parafuso a menos, e o outro estava quase caindo, daí que chamá-lo de "desparafusado" era basicamente um elogio. Ele não tinha papas na língua. Dizia o que pensava e não pensava no que dizia. Não tinha nenhum trato social e elegância era coisa que ele deixava pros "frescos", segundo suas próprias palavras. Convidá-lo para um batizado, era garantia de vergonha.

-Este é meu fiu, Sêo Apolônio! Pegue um pouquinho no colo!
-Mas nem a pau eu pego! Vou só oiá de canto de ôio que é pra não me afeiçoá! 
Aí, olhava detidamente a criancinha e saía com essa:
- Mas como é feio! Que barbaridade! Que criancinha mais feia, ôme do céu! Isso parece uma cruza de lambisome com capivara, chê! Tu tem certeza que é pra criá dentro de casa? Melhor que não!

Dizia isso e aproveitava a paralisia de estupefação das vítimas para sair meneando a cabeça em busca de algo mais interessante pra ver.

Chega no bolicho e comenta:

-Fui visitá a cria da comadre Casturina! Mas Ô bicho mais feio, cruis!
- Mas compadre - atalha o bolicheiro - Como é que o compadre pode achar feio um pitoquinho recém nascido. Eles são meio esquisitinho mesmo, mas ancim, dizê que é feio, pega até mal pra pessoa!

Serve-lhe o trago e sai para passar um pano sujo no balcão molhado de pinga. Nisso entra Dolores, a professorinha. Educada, cumprimenta a todos, e também Apolônio.

- Bons dias, Senhor Apolônio!
- Buenas! 

Responde em seco e continua bebericando a pinga numa caneca de guampa. Cheira a caneca e berra pro bolicheiro:
- Tu não lava esse canego,ô jaguara? Isso aqui tá com cheiro de mijo e cheiro de bunda de tia véia!

A professorinha enfia a cara atrás das mãozinhas delicadas e só exclama baixinho, envergonhada:
- Sêo Apolônio...!

- Não se apoquente, dona! Eu digo isso que é pro bem dele. Eu nem mencionei que o cheiro era da bunda da vó dele mesmo..... (e caía na gargalhada).

- Veja-me, por obséquio, dois quilos desta linguíça, senhor bolicheiro - emenda a professorinha.

- Ah, mas a senhôra vai fazê uma bela compra, madama!  O Cachaço tinha sido capado havia mais de ano e tava gordo feito o Padre Genaro, quando carnearam o bicho (o porco, não o padre). Leve também um naco do torresmo, porque tá bão de arreganhá as berbela....

Foi o suficiente para que o bolicheiro metesse a cara na janela e lançasse uma sonora cusparada que quase acertou Carsulina, que vinha chegando. Saiu dali e olhou com ternura pra garrucha de dois canos debaixo do balcão.Mas se controlou.  Só emitiu um grunhido rouco e um olhar matador em direção do Apolônio.

-  Mãns chê! Deveras um dia eu ainda ganho na loteria.
- O que que vai fazer com os conto que ganhar ?- Perguntou o bolicheiro, engolindo o choro de raiva e disfarçando pra ver se passava a raiva, não sem um último olhar para a professorinha que já ia longe.

- Compro uma égua pra lida e um lote de terra!
- Pous lê vendo o bolicho também e me bandeio pra Vacaria!
- Pede muito pelo bolicho?
- Só um tanto!
- É demais! Dê desconto!
- Pra fechá negócio, déis por cento!
- Passe pra vinte que já deixo aqui um fio de bigode!
- Pous ponha o fio cá junto com o meu e o negócio tá fechado!
- Mâns chê! Tenho um negócio a lê prepôr!
- Pous me diga qual é?
- Lê vendo o bolicho de volta!
- Dependendo do preço, pensêmo!
- Por tanto e mais um pouco!
- Tá caro!
- Mas é de boa procedência. Um único dono antes de mim!
- De fato o lugar parece bão!
-Aceita vórta?
-  Talvez uma égua!
- Tenho uma que tá prenha!
- Arreiada?
- Compréta!
- Negócio fechado!
Apertaram as mãos, e Apolônio se despediu, agradecendo o trago, as linguíça e pelo negócio da égua pelo bolicho, e mais um tanto. O bolicheiro saiu esfregando as mãos, feliz, por ter comprado tão excelente estabelecimento por apenas dois quilos de linguíça e uma égua encilhada, pois nao tinha a menor intenção de pagar o tanto e mais um pouco prometidos.

Carsulina ria, ria, ria...

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