Casa de João e Maria (Fiorese)
Dona Maria Fiorese era velhinha já, quando a conheci. Também conheci seu João, por pouco tempo. Mas dona Maria foi nossa vizinha por alguns bons pares de anos. Comprávamos couve, limões, e tempero verde dela. Ia na horta, com uma faquinha de ponta redonda, e com suas mãos pequeninas, enrijecidas pela artrite, e cuidadosamente escolhia e cortava os legumes, pelos quais pagávamos alguma coisa entre o barato e o quase de graça. Até o momento em que escrevo esse texto, a casa ainda permanece lá. Caidinha, despencando, mas está lá, testemunhando que atrás dela havia uma hortinha, ao lado, junto à rua, um limoeiro, e na frente uma cerquinha puída.
Desejar que a vida volte ao natural, é algo assim, quase jurássico, pois é quele momento saudosista em que a pessoa empunha uma chave de verdade, de metal amarelinho e tudo, enfia no buraco da fechadura (desculpe-me por esse linguajar tão chulo, pois deve ter alguma senhora ou senhorita lendo isso), gira a chave e, ...AHHH! Sua casa! Você está vivo!
Aí volta a ser tudo como era antigamente: a pessoa vai pro seu computador, conversar com seus amigos virtuais, ler cinco ou seis artigos ao mesmo tempo, teclar com oito pessoas pelas plataformas binárias, e checar sua conta eletrônica, que está cheia de avisos piscando sobre seu atraso nas contas.
Aí lembrei do lugar onde cresci, no rancho de tábuas velhas, da minha avó, Maria Elisa, onde também usávamos um cartão de crédito (ou uma faquinha qualquer) para abrir a porta. Era só enfiar o cartão (ou a lâmina da faca) pela fresta e ir empurrando a tramela pra baixo, que em poucos
minutos, a porta estava aberta.
E lá tinha bolinhos de arroz, pra comer, com chá de mate.
Aquilo sim, que era tecnologia sem estresse. Nem existia essa palavra.
Pois a tecnologia da tramela perdurou por milhares de anos. Assim que alguém inventou um jeito de abrir e fechar um tampão em um buraco, e deu o nome de porta, surgiu a necessidade de manter o tampão sobre o tal buraco, e inventou-se um dispositivo mecânico com mobilidade tal que ao girar sobre um eixo, permitindo interromper o movimento do tampão, ao qual foi lançado um concurso em âmbito nacional, para o nome de tal dispositivo, e parece que um jovem membro de um clã em uma aldeia dos Germanos, alcunhado de Klaus Von Taramella, certamente em louvor a si próprio teve a ideia de chamar de "Tramella", assim com dois "L", mas os gauleses, dados ao misticismo druida, apresentaram um mapa numerológico, que mandava eliminar um "L", pois dois "L" juntos, traria mau agouro. E assim, nasceu a tramela.
Essa história parece por demais absurda, posto que de fato o seja, mas como poderia eu descrever algo tão singelo, mas com tamanha importância, sem recorrer às longínquas civilizações e ao engodo? E é assim que é.
Sua casa nunca teve tramela? Nem penico debaixo da cama? Sério mesmo que não tinha nem patente atrás da casa, com uma caixinha de jornal picado, ou sabugos de milho? Que tristeza, então. Você não tem mais de 50 anos, não viveu em Gramado nos anos 60 e 70, e nem comeu ovo curtido no boteco do Stopassola.
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Abração
Pacard
Um comentário:
Me emocionei, revivi o passado
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