AD SENSE

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Ame o juiz, odeie o juiz, ame o juiz...



A Massa é irracional. Quase todas as massas são irracionais, exceto algumas que além de irracionais, são irascíveis e acéfalas. Então, enquanto irracionais, são também facilmente moldáveis, manipuláveis, conduzíveis. E se você acha que estou me  referindo aos "Black Blocks", ou à bandidagem encarcerada que provoca rebeliões e jogam futebol com a cabeça dos desafetos, pois pode arrumar uma almofadinha para amparar o queixo e pasmar, pois são os indivíduos mais pacatos, guardadores das Leis, e frequentadores dos cultos solenes a cada semana, a quem me refiro.

A irracionalidade não é um padrão contínuo, e nem os irracionais possuem carteirinha de doidos. Eles não são exatamente "eles", mas somos nós, todos eles. Você e eu somos os irracionais enrustidos, que em grande parte do tempo nos preservamos no armário do bom senso, até porque se não fosse por isso, a sociedade teria sido transformada em adubo desde ha  muito  tempo atrás.

Até mesmo os animais, ditos irracionais, tem sua parcela de bom senso, e respeitam hierarquias de suas sociedades grupais. Isso é um padrão de comportamento. Desde insetos até leões, todos convivem pacificamente em bandos, sem que passem o tempo todo mordendo as nádegas suculentas uns dos outros.

Porém, um dia, o ovo vira de lado. O pé titubeia no levantar pela manhã e pisa o penico cheio que ficou do lado de fora da cama, e o dia está arruinado. Para todos os que nos cercam. Até os  cabelos ficam mais  desgrenhados que de costume (menos nos carecas, que acreditando serem os  cabelos os responsáveis pelo mau humor, raspam a cabeça e expõem a modelagem craniana com troféus pelo estágio que alcançaram no patamar da civilização. Alguns deixam a barba comprida para ostentarem virilidade ou sabedoria. Até uma vizinha minha fez isso, e parece que deu certo). Mas, como dizia, antes de ser abruptamente interrompido por um surto de asneiras, existe um ponto de equilíbrio entre a prudência e a ira. E existe uma espoleta que aciona nosso destempero, tornando-nos irreconhecíveis e perniciosos, perigosos, e exterminadores. É como uma pipoquinha envelopada na pele fina, que ao calor repentino, explode e multiplica sua força para romper a casca, expondo seu alvor comestível.

Atualmente nosso país tem pipocado aos quatro ventos, e o alvo são os políticos e empresários corruptos. A pipoca está inchando e explodindo aqui, ali e acolá a cada instante. E isso desperta todo o animalesco instinto que suprimimos por séculos. É isso que está acontecendo. Todos os séculos de corrupção estão sendo passados à limpo em poucos meses, e a exigência de que acelerem as sentenças grita pelas ruas dia e noite. E então surgem os heróis. Triste povo aquele que precisa de heróis.Mas eles existem. São tangíveis,  reais, e (pasmem), também são humanos. E sendo humanos, também são irascíveis. E sendo irascíveis, também podem tornar-se irracionais.

Visitei certa ocasião, uma mostra de antropologia no museu, que apresentava gravuras antigas e relatos dos canibais que devoravam portugueses e franceses aqui em Pindorama, lá pelos  tempos do descobrimento. Saí com náusea, tamanho o horror da coisa descrita. E algo que me impressionou muito, foi saber que os primitivos habitantes não comiam pessoas por questão religiosa ou cultural. Era por puro prazer, pelo sabor. Contam os relatos, que a carne humana entorpece e promove sensação de euforia incontrolável. Nojento, não? Pois o clamor de justiça não é nem um pouco diferente disso. É um trem sem freios morro abaixo que só  tende a acelerar e destruir qualquer obstáculo de seu caminho, e fazê-lo parar só por meios ainda mais brutais, mediante barreiras, que além de serem destruídas pelo impacto, destruirão também o trem e quem nele estiver.

O desenfreado  clamor por justiça contra políticos e seus mantenedores já não é mais por justiça, mas por vingança. Sim, a justiça  deve ser feita em todo tempo e com olhar atento para o futuro. Sim, devem ser julgados e punidor com os rigores da Lei os infratores, assim como também deve ser preservados pelo escudo da Lei, que não pode ser vingativa, mas corretiva. Este é o princípio da Carta Magna. A Lei não pode ser instrumento de vingança, nem de exaltação dos Magistrados, muito menos espetáculos para os Juristas. A Lei  deve ser o instrumento de ajuste da sociedade para um mundo equilibrado.

Quando vemos crescer em todas as esferas uma caça às bruxas, remexendo no passado e nos pormenores de pessoas, não pelo acerto da justiça em si, mas como cenário para espetáculos de execução em praça pública, e que a Justiça se deixa embalar pela  cantilena das ruas, representadas pelos opositores políticos, vejo uma espiral de "Fibonacci", crescente e interminável se agigantando  com tal magnitude, que passo a imaginar que de um  "Estado corrupto" passaremos a um  "Estado judicial", onde tudo e todos tornam-se suspeitos, caçados, encarcerados e executados, ao mais leve sopro de brisa ou denúncia.

E esta ainda não é a minha maior preocupação, pois ainda há o freio da sanidade, guardado pela consciência, que a religiosidade promove. Este Leviatã  passa a ser ainda mais assustador quando vemos crescer a formação de brigadas religiosas associadas à política cercando e cerceando por todos os lados, o  Direito à continuidade de um Estado Laico, ainda que sujeito a erros e necessidade constante de ajustes.


O Juiz, que ora amamos, quando desemperra as gavetas de nossos desafetos, mas que passamos a odiar, quando as gavetas abertas são de nossos aliados, e que fatalmente passaremos a odiar e temer, quando abrirem as nossas próprias gavetas.

Ame o juiz, odeie o juiz, mas tome cuidado para que o juiz não seja você mesmo. E que não experimente o gosto de sangue, pois se remexer muito no passado, poderá encontrar os livros de receitas antropofágicas.  Aí é o fim.

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