AD SENSE

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Você é Deus ou Satã?


Meu neto número três, com seis tenros e deliciosos anos de idade, gosta de desenhar. Desenha no computador, e desenha à mão. Sou professor de desenho, e tenho um conceito pessoal sobre a experiência de desenhar. Costumo dizer que os adultos não desenham porque não foram ensinados a desenhar. É simples assim. Não que não tentaram aprender. Tentaram sim, e até certa idade, talvez sete ou oito anos, todos desenham. Falam pelos traços. Expressam verdades e contam longas histórias com poucas linhas e algumas pinceladas de cor. A partir desta idade, tornam-se críticos e começam a perceber as imperfeições de seus traços, ou aquilo que o despreparo dos educadores chama de imperfeição. Então, de um momento a outro, timidamente começam a esconder seus desenhos, da mesma forma que o cantor baixa a voz, ou que o pintor guarda os pincéis. Não perderam o talento, mas a coragem. O mundo os desencorajou. O mundo nos desencoraja sempre que tenta nos animar do seu jeito. Assim como os amigos de Jó jogavam vinagre nas suas feridas, a tal crítica construtiva é traduzida como veneno destrutivo. E assim se perdem talentos. Um atrás do outro, nossos talentos se esvaem pela língua maledicente. Tudo porque não deixam as crianças desenharem aquilo que tem vontade, contando as historias que tem vontade de contar. Cantar as canções que deseja cantar, no tom que mais gostam de cantar.
Mas não é para reclamar que hoje eu escrevo. É para constatar. Coisas boas e coisas ruins. Vamos começar pelas ruins então. Os desenhos que contam segredos dos que não tem estoque vernacular para expressar seus sentimentos, sofrimentos e dores. São os desenhos que denunciam abusos e maus tratos, da mesma forma que relatam o dia a dia das crianças. Uma página de desenhos conta mais que muitas horas de conversa, porque na conversa, a fantasia dos pequenos se confunde com a realidade, e nem sempre dizem o que realmente estão querendo dizer. Já nos desenhos, há muita verdade, não sobre os fatos, mas sobre a relação dos pequeninos com estes fatos.
Agora as coisas boas, como prometi. Hoje meu neto número três (etc), fez um desenho e veio me mostrar.
- "Olha aqui, vô! Essa daqui é a vovó, que é um anjo poderoso com uma espada protetora! Esse aqui é o Gui, ele é Jesus. Esse aqui é tu, e que é Deus!"
Não, fiquem tranquilos, não passa pela minha ambição apresentar-me na condição do  Altíssimo, nem outro deus algum. A vovó também não tem a pretensão de ser um anjo, e com exceção dos belos cabelos crespos e barba ruiva, ele não é nem parecido com Jesus (aquele Jesus de Públio Lêntules, no máximo). Mas há muita verdade nesta leitura do menino, porque somos para as crianças aquilo que contamos e somos a referência material e pessoal de todos os personagens de quem falamos em nossas narrativas. Deus só é Deus na imaginação e no sentimento dos pequeninos, porque na falta de uma imagem que referencie O Criador, esta imagem passa a ser a nossa própria fotografia. O diabo também pode ter a nossa cara. E às vezes tem mesmo.
A sociedade é uma extensão da nossa casa, da nossa família. O governante nunca é medíocre para seu eleitor ou seu adversário. Ele é o máximo, ou o mínimo. Ele é herói, ou vilão. A casa onde governa pode ser uma caverna escura e tenebrosa, ou um templo luminoso. O governante não pode ser insípido, mas será um sândalo ou enxofre para seu povo.
Que tipo de desenho  seu filho faz de você? Que tipo de desenho seu povo faz de você? Para seu filho ou seu povo, você é Deus ou Satã?



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