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sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Entre Baionetas e Gravatas - Um Homem, Um Rabino, Um Adeus!


Imagem: internet
Henry Sobel era um sujeito engraçado, pitoresco, exótico, de um sotaque absurdamente arrastado, o qual, confessa o próprio, em seu livro: "Henry Sobel - Um Homem, Um Rabino ", nunca desejou abandoar - Era sua marca registrada. Uma de tantas. "Em suas memórias, Henry Sobel revela episódios decisivos que testemunhou ou protagonizou, expõe suas contradições, dúvidas e temores. E seus deslizes. Mostra-se ao leitor como é: um líder religioso de extraordinário carisma, um homem de fé comprometido com os embates de seu tempo, um ser humano com a grandeza de reconhecer seus erros e acertos" - descreve desta forma o site "Estante Virtual" sobre o autor, não apenas do livro, mas de um dos episódios mais marcantes, e um dos capítulos mais vergonhosos da história política brasileira - A tortura!

Seria suspeito em escrever o que irei escrever aqui, considerando que seria um "judeu falando de outro judeu", porém, considerando que sou judeu de herança, de alma, de prática, de sentimento, mas não sendo reconhecido como tal pelos caminhos tradicionais do judaísmo, senão um apaixonado pela cultura e pelo povo judeu, coloco-me inteiramente à vontade para descrever um pouco sobre a importância que o Rabino Henry Sobel *Z"L, representa, não apenas para o senso de liberdade e exercício pleno do Livre Arbítrio que caracteriza o povo judeu, como para a reviravolta do movimento político dos anos da repressão política, e pelos excessos cometidos por alguns, onde culminou pela tortura e assassinato cruel do jornalista, judeu, Wladimir Herzog, declarado morto em 25 de outubro de 1975, "supostamente por suicídio", em uma cela do DOI-CODI, o braço opressor da Revolução de 1964.
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Aqui faço um breve parêntesis, onde relato os fatos e não minha relação com fato algum, tanto no passado, quanto no presente. Não entro em particularidades se foi golpe, se não foi golpe, quem foi e quem permanece culpado, e quem foi e permanece vítima ou inocente. Meu comentário diz respeito à ousadia de um Homem que ousou enfrentar as baionetas, e chamar de "mentirosas" as afirmações de suicídio do jornalista Herzog. Segue o comentário.

No judaísmo, assim como em qualquer outra cultura e religião, há certos princípios de conduta pessoal e pública, chamados de "Halaká", ou no plural, "Halakot", que determinam certos procedimentos de comportamento da vida religiosa e civil no tocante à este povo.  E uma destas normas, estabelece que os suicidas não podem ser sepultados do modo convencional em um cemitério israelita. E não é apenas o judaísmo que tem estas regras. Diversas religiões cristãs seguem normas semelhantes, no tratamento com suicidas de suas congregações.

Deste modo, como era o Rabino da CIP, Congregação Israelita Paulista, cuja Sinagoga era frequentada, tanto por Wladimir, judeu religioso, quanto por sua mãe, sendo ambos  íntimos amigos do Rabino Sobel, natural que o Rabino deveria providenciar o enterro, e todos os preparativos comunitários para tal. Ao ser informado de que Herzog havia cometido suicídio, a preocupação de Sobel aumentou, pois como trataria do assunto com uma mãe, que acabara de perder o filho, de forma violenta, em um ambiente maldito? 

Ao examinar o corpo, atestou de imediato: "Não foi suicídio! Ele foi torturado e assassinado. Irei sepultá-lo entre os justos!" Qualquer Pastor diz isso, para conforto da família e dos amigos, mas Sobel não ousaria chamar de "Tsadic" (justo), um suicida, diante de fuzis, fardas e baionetas, se não estivesse absolutamente seguro do que afirmava. O caso logo tomou proporções gigantescas, e à ele, aliou-se Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo da Catedral da Sé, onde organizou um manifesto de apoio ao Rabino, cercado com mais de 500 policiais, onde reuniu cerca de cinco mil pessoas em favor do ato, e desta forma, com este aparato (os tempos do ato e sepultamento são distintos, mas destaco a ação em si e os objetivos da mesma no relato) o judeu iugoslavo, Wladimir Herzog, foi sepultado dentro, e não fora do cemitério israelita de São Paulo.

Dali em diante, Henry Sobel tornou-se um destaque mundial, tanto a favor do Sionismo, quanto da volta á Democracia e Anistia no Brasil, país do qual nunca foi cidadão, senão honorário, pois jamais abdicou da cidadania norte-americana (o que o manteve a salvo), como de seu pronunciado sotaque.

Uma frase dita por Sobel, em uma palestra a um grupo de jovens Adventistas, no Rio De janeiro, onde foi o convidado de honra foi: "Não foram os judeus quem protegeram o Sábado, mas foi o Sábado quem protegeu os judeus". Apaixonado por sua religião, pela Democracia, pela cultura judaica e também pela cultura brasileira, Sobel transitou com intimidade entre São Paulo, Jerusalém, e Nova Iorque, onde será sepultado.

Não há, no entanto, como descrever um Ser Humano, sem lembrar seus erros, e o grande erro que descreve Sobel, é como "O Rabino que roubava gravatas". Ele próprio descreve este episódio como uma mancha execrável na sua belíssima e corajosa biografia. Desnuda-se na verdade para vestir-se na honra. Ninguém que conheça uma biografia tão imponente, ousará manchar esta história com algo tão sem significado, cometido por um homem velho, doente, completamente dopado por medicamentos, seria capaz de finalizar uma história desta forma. Mas Sobel não foi perdoado por seus adversário, que encontraram uma brecha para jubilá-lo, retirar suas prerrogativas de Rabino, e defenestrá-lo com "honra". E ele aquiesceu, e sublimou-se em vida, recolhendo-se à significativa vida dos que pouco significado deram para seu legado. 

Sobel perde a luta contra um câncer, mas o que é um câncer, contra todas as baionetas que ele enfrentou? Pois foi o câncer, a baioneta que o venceu. Em paz, na Shalom dos justos que esperam pelo Mashiach (Messias).

Le shana hava virushalayim, Rav Henry.

Gmar Chatima Tová l'Olam Habá!

*Z"L - Zicharon L'Brachá (De abençoada Memória)
Baruch Dayan HaEmet

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