Minha família havia atravessado uma grande tragédia, e voltava cabisbaixa para a terra natal, Gramado, início dos anos 60 do século passado. Minha avó foi trabalhar em um restaurante, do já inexistente "Motel balneário", também conhecido, na época, como "Tênis Clube", onde lavava pratos, fazia limpeza, e levava algumas sobras para nossa casa.
Meu tio, Esaú, ainda adolescente, foi fazer biscates com madeireiros, aplanadores de terras, coisas desse tipo. De vez em quando tomava umas cachaças, dava uns cascudos nos brigadianos, ia preso, minha avó chamava o Dr Celso Dalle Molle, advogado, que ia com ela na delegacia, e soltava o piá. Era uma rotina.
Meu outro tio, Samuel, um piazote ainda, também fazia pequenos biscates pelas fábricas de Gramado: Pelando vime, no Dinnebier, Moranguinho, pra fábrica de Doces, surrando e apanhando da piazada de rua, arrancando samambaia nos terrenos, enfim, também prosseguia na sobrevivência.
Minha mãe, a filha mais velha,foi trabalhar de babá nas casas das famílias Koetz (ela comentava comigo que as crianças eram extremamente bem educadas. Sabiam a hora de irem dormir, eram respeitosos, afáveis, e inteligentes. Vale citar nomes aqui: Orlando e Teresa Koetz, pais do Flávio, Paulo, Fátima, e Zena. Em sequência (ou ao mesmo tempo, isso eu não sei, foi também babá dos filhos do casal Marcílio e Irani Cardoso (Tio Março e Tini), Manoel Ignácio, Alexandre e Caetano. Tornaram-se estes, meu irmãos de alma, desde então.
Marcílio e Irani viam em minha mãe, Ester, mais de uma uma menina (com 17 anos) que cuidava de crianças, mas uma inteligência em busca de espaço. Tio Março, levou-a então, até o Prefeito, Sr. Arno Michaelsen, e apresentou-a, da seguinte forma:
- Arno! esta é a filha do Assis!
- Filha do Assis? Então temos que conseguir uma oportunidade para esta menina.
E imediatamente a nomeou Professora da Escola da Curva da Farinha (ou foi na Piratini, disso não tenho certeza nesse momento).
Eu quis relatar este particular, para demonstrar que meus ensaios não são para enaltecer políticos ou escrever a história, mas para lembra, através da história, o grau de humanidade que alcançaram meus personagens.
Arno Michaelsen, foi o segundo Prefeito desde a emancipação de Gramado. Eram os primeiros tempos. As preocupações de um prefeito em 1960 eram diferentes dos desafios de hoje. Enquanto hoje, disputam os prefeitos, sobre quem asfaltou mais estradas, naqueles dias, a disputa era com a topografia, a sobrevivência. Abriam-se estradas contando apenas com um velho trator de esteira, e uma motoniveladora, comumente chamada de "Patrola". A Prefeitura era recém criada. Se há hoje vícios de continuidade, naquele tempo não havia sido ainda maturada a substância política tradicional em Gramado. Claro que haviam facções, preferências ideológicas, mas ainda prevalecia o discurso comunitário. Quando Arno nem pergunta a razão e diz que "temos que conseguir uma oportunidade para esta menina", ela faz uma leitura completa da situação, que já havia chegado aos seus ouvidos, e não tomou o precioso tempo da menina com perguntas estúpidas de embromação. Simplesmente decidiu: Vamos agir, pois o momento urge!
Naquele tempo, o Prefeito era uma Autoridade moral. Era, eu disse. Tomava decisões e assumia por elas. Nesse tempo, ainda não corria esgoto a céu aberto pelas ruas da cidade, talvez porque nesse tempo ainda não houvesse um serviço eficiente de saneamento e abastecimento de águas quanto tem hoje em Gramado.
Arno Michaelsen foi o primeiro Presidente da Câmara de Vereadores de Gramado. Segundo os dados deixados pela falecida historiadora, Marília Daros Franzen, Arno nasceu em Nova Petrópolis, em 1929. teria completado então 100 anos, recentemente. Seus pais eram Theodoro Guilherme Michaelsen e Berta Kny. Em setembro de 1940, casou-se com sua companheira fiel, até o fim dos dias, Angelina Caberlon.
Bem poucos sabem, mas Arno também já foi cantor. Em um coral, mas foi cantor, No Coral Evangélico de Gramado. (A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, a Igreja do Relógio, também conhecida como "Igreja protestante").
Arno abriu, nos anos 5, uma Casa Comercial, e deu o nome de "Estrela". Vendia roupas, tecidos, e armarinhos, miudezas para costura. Mais tarde, o mesmo prédio serviu como restaurante, chamado, se não me falha a memória, de "Vera Cruz Churrascaria", ou algo assim. Já não existe mais. A churrascaria foi comprada pelo empresário Adail Bertolucci (Ex-Chocolate Planalto), e mais tarde ali foi construído um parque temático, da mesma empresa.
Em 1957, Arno presidiu o Centro Esportivo Gramadense. Participou ainda do grupo de bolão denominado "Vampiros,", na Sociedade recreio Gramadense, o principal clube social da cidade.
Vale lembrar que antes de ter sido Prefeito e Vereador por Gramado, Arno Michaelsen já havia sido Vereador pelo 5º Distrito de Taquara, e também Sub-Prefeito, pelo mesmo Distrito, que era Gramado, trabalhando, desde esse tempo pela emancipação política de Gramado. Tomou posse em novembro de 1955, como Presidente da Câmara, e começou então a preparar as novas leis municipais, através do Regimento Interno da Câmara e do Código de Posturas do Município de Gramado, sancionados em 1956.
Alguns nomes notáveis devem ser lembrados desta gestão, pessoas queridas por muitos que leem
meus ensaios e histórias. Alice Ilse de Castilhos, a querida Tia Alice, da Prefeitura, onde trabalhou até sua aposentadoria. Os irmãos Evanor e Luiz Maurina, e o saudoso amigo, Arlindo de Oliveira. Um dia vou contar episódios mais detalhados sobre Arlindo. Finalizo a equipe, com a queridíssima professora Cleci de Oliveira, que muitos lembram dela, do Cenecista.
Em 1960, Arno concede Cidadania ao pioneiro Leopoldo Rosenfeldt, pelo legado de seu trabalho. Para os neófitos da terra, são de autoria de Leopoldo, o Lago Joaquina Rita Bier (aquele dos espetáculos no natal Luz e tantos outros), o Lago Negro, o atual Centro Municipal de Cultura Arno Michaelsen, e o loteamento do Bairro Planalto. Coube a Arno ser o primeiro Prefeito a administrar o legado de leopoldo Rosenfeldt (que doou as terras dos lagos ao Município de Gramado.
A Educação era uma das prioridades do Prefeito Michaelsen, e eram fomentados treinamentos para professores da sede e do interior.
Nesta foto ao lado , um dos frequentes treinamentos, dos quais minha mãe, Ester Cardoso (hoje Fauth), participou em sua formação pedagógica.
Nesse tempo, a vizinha cidade de Canela já era conhecida pelas escolas, de natureza devocional,que recebiam alunos de vários municípios vizinhos, e até mesmo distantes. Gramado então, começava a despontar para seu próprio sistema educacional público. Deve-se ao Prefeito Michaelsen a eclosão deste movimento.
Carteira de Professora, em 1960
Escola Rural, no vale do Quilombo
Em 1961, Arno inaugura a nova sede da Prefeitura, em Gramado.
Em 1961, a Prefeitura doa ao Estado um terreno com 3 mil metros quadrados, onde é construída a Escola Estadual Boaventura Ramos Pacheco, na então chamada Vila Floresta.
Arno promoveu, sob sua administração, o plantio de milhares de hortênsias,e oficializou, em 1961, a Festa das Hortênsias em Gramado. Vale saber que a Festa das Hortênsias, foi precursora de eventos como o Festival de Cinema, e por via indireta, a FEARTE - Feira Nacional (e internacional) do Artesanato.
Quero acrescentar que as obras e a construção de uma sociedade, não podem ser atribuídas a uma única pessoa ou grupo, mas ao conjunto crescente de pessoas e grupos que trabalharam em seu tempo e com os recursos que tinham disponíveis, e fizeram destes recursos o melhor que poderia ter sido feito, assim como uma corida de bastões, onde todos vences, e não apenas que chega ao final.
E, 11 de setembro de 1961, Arno, Prefeito, cria o Conselho Municipal de Turismo - COMTUR. Ainda neste ano, é inagurado o Instituto Bálneo e Lodoterápico de Gramado, de propridade da Família Nelz. Este Instituto internacionalizou Gramado, por receber pacientes, e também turistas europeus, que procuravam sua Lama Medicinal para tratamento de diversas doenças.
Gosto de lembrar que não foram as belas paisagens apenas que fomentou o Turismo em Gramado. Foram as pessoas, pelo seu modo de receber, de se envolverem com os visitantes, de se preocuparem com a boa alimentação servida, e especialmente por interagirem com os acontecimentos locais. Visitas importantes (e todas as visitas eram importantes), convocavam os habitantes para estarem lado a lado nos passeios, nas fotografias, nas atividades sociais.
Um dos principais atrativos da festa das Hortênsias, eram os carros alegóricos, enfeitas de hortênsias, levando as misses, Rainha e Princesas das festas, sendo aplaudidas pela multidão às ruas. Era um evento comunitário, feito para o povo, para os gramadenses, que naturalmente, atraía turistas, mas o objetivo era mesmo honrar o povo local.
Em 1962 é criada a taxa de Turismo de Gramado, através da Lei Ordinária 0.143/1962. Neste mesmo ano, inaugura-se a Praça do Rotary.
Em 1963, é inaugurada a Praça Leopoldo Rosenfendt, em homenagem ao Pioneiro do turismo.
No ano de 1931, Arno Michaelsen movimenta, junto com Walter Bertolucci, Deputado, suas influências, e inicia a construção da Estrada Gramado-Taquara. Até então a rota serpenteava várias localidades, e este trajeto encurtava consideravelmente a distância até a capital, Porto Alegre.
Em 1963, a Iluminação Pública de Gramado ganha novo visual, com equipamentos fabricados na própria oficina da Prefeitura, sob o comando de Arlindo de Oliveira.
Estes eram os equipamentos disponíveis para o desafio das terras rochosas que desafiavam a abertura das ruas que temos hoje em Gramado.
Gramado é a cidade mais florida do Brasil disso não resta dúvida. Mas as belas floreiras centrais, começaram na administração de Arno Michaelsen.
Desde minha infância, lembro de papoulas, Zíneas, Bocas-de-Leão, Cravinas, Cravos, Cravos-de-Defunto, Margaridas, e tantas outras, além da plantação dos frondosos Ligustros, à beiras das calçadas, que eram podados a cada dois anos. As flores dos ligustros enchiam as ruas de abelhas, na entrada da Primavera, e as matas eram povoadas de colmeias selvagens.
Também foi na gestão de Arno Michaelsen, a construção da Praça Major Nicoletti, hoje apreciada, utilizada, e fotografa por milhões de turistas, e enviadas ao mundo inteiro.
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No dia 25 de Julho de 1963, foi lançada a Pedra Fundamental da Escola 25 de julho, próxima ao lago Negro. Adivinhem quem era o Prefeito que cortou a fita?
Gramado tem estas virtudes. Às vezes, lembra dos seus, e quando lembra, os recompensa com lauréis. Em 1994, junto com o Prefeito Nelson Dinnebier, Dr Erico Albrechet, e outro personagem, que não lembro quem seja, Arno Michaelsen foi agraciado com o título de "Cidadão Gramadense". Tive o privilégio de escrever,a pedido, a biografia do dr Erico Albrecht, cuja história será ainda, se D-s me permitir, contada aqui neste espaço.
Muito há por falar-se de Arno Michaelsen, mas neste relato, fixei a premissa de sua obra mais importante, que foi, como segundo Prefeito de Gramado, sedimentar o trabalho bem orquestrado de seus pares: Walter Bertolucci, Oscar Knorr, Leopoldo Rosenfeldt, Carlos Nelz, Erico Albrecht, Almeri Peccin, José Francisco Perini, Orestes dalle Mole, Os Irmãos Cardoso, Josias Martinho, e muitos outros, a quem dedicarei, ao seu tempo, algumas páginas de memória.
Se Tio Março (Marcílio Cardoso) chegasse hoje e apresentasse Arno Michaelsen à mim, eu diria:
- "Arno Michaelsen? Temos que apresentar este grande homem aos leitores!"
Fotos e informações baseadas em pesquisas realizadas pela historiadora Marília Daros Franzen (In memorian), e materias cedidos por Darci Michaelsen, filho de Arno.*
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