São onze e meia da manhã, e você precisa chegar a tempo de buscar seu filho na escola, ou fazer qualquer coisa, que esteja situada nos extremos da Avenida das Hortênsias, entre Gramado e Canela (os canelenses dizem que é Canela e Gramado), liga seu carro, entra na rodovia e......as faixas da direita e da esquerda, estão tomadas por simpáticos turistas, que querem contemplar o modo de vida dos nativos, e andam a vagarosos 30 km por hora, quando estão acelerados. No lado esquerdo. E você quer ultrapassar, mas sua educação, seu trato refinado, sua hospitalidade, diz que os turistas estão lhe visitando, pagando suas contas, direta ou indiretamente, então, sim, eles tem o direito de atrapalhar sua agenda, sem problema algum.
Você, silenciosamente, tece elogios às mães destes pachorrentos, louva a honesta castidade de suas esposas e namoradas, tece louvores mentais `masculinidade dos próprios, e por fim, consegue uma brecha de descuido, para acelerar até que encontre o próximo logo mais à frente.
Começa a refletir e descobre que o mesmo acontece com sua casa, antes um aprazível chalezinho, com um jardim de flores, e hoje, em razão da possibilidade de ganhos honestos, com a troca de mercadorias por cédulas, mesmo que eletrônicas, e vê que não tem mais flores para regar. Só conta pra pagar.
Sua mãe, coitada, faz tempo que implora para enfiar-lhe goela abaixo aquele bolo de cenoura que fez há duas semanas atrás, mas o turista pachorrento o impede de chegar à casa dela, e quando vê, as horas o agarram, o espremem contra a vida e suas apertadas circunstâncias, e a vida passou..atrás do pachorrento, o amado turista.
E pouco a pouco, começam a aparecer sutis piadinhas, memes, que, em função do engarrafamento, por falta de planejamento estratégico no tempo devido, a água que não corre mais nas torneiras, senão abaixo de muita pressão política e jurídica, o excesso de luzes, de gente estranha pelas ruas, da falta de tempo para ir à igreja, à sociedade, ao futebol com os amigos, para namorar, falta de espaço para que as crianças brinquem, você começa, pouco a pouco a criar certa antipatia velada pelo turista, que nunca poderá trazer à luz, porque ele já comprou a sua liberdade, definitivamente, Ele já comprou a sua alma, decididamente.
Os parisienses odeiam os turistas. Vou corrigir: os parisienses não odeiam os turistas e nem o dinheiro que eles despejam aos montes da Cidade-Luz diariamente. Os parisienses odeiam a falta de senso de ridículo que tem os turistas em achar que paris inteira está á sua disposição. De achar que os nativos lhes devem louros, e que devem estar sempre limpinhos cheirosos (a segunda parte até é assim mesmo), sorridentes, dispostos a entender os grunhidos que os turistas acreditam que seja francês, inglês ou portunhol, achando que falam francês com Charles Aznavour ou Edith Piaf.
Os parisienses não são os únicos a olharem para os maus turistas, de costas, com desdém, e esta cultura já começa a chegar no Brasil, começando por Florianópolis, que é uma cidade que sempre gostou de ser pequena, mas que por culpa se sua exuberante natureza, agigantou-se. Atraiu dinheiro, obras, cultura, empregos. A cultura de paris começa a entrar de mansinho nos pensamentos de quem gostaria de caminhar com a família num fim de semana, sem ter que prender pulseirinha e cordão no pulso dos filhos, com medo de perdê-los na multidão, em sua própria cidade.
Não, o título é apenas uma metáfora, pois você sabe que são os turistas quem pagam o padrão de vida cujos altos custos tornaram-se necessários para que você pague as contas do cartão de crédito que antes não existiam. Você come melhor...Melhor? Será mesmo que no restaurante de três estrelas, cm talheres de ouro, a lasanha é melhor que o capelete da sua avó? Será que o bufê quilométrico das churrascarias é mais prazeroso que o churrasco na pilha de tijolos que seu pai fazia para acompanhar a salada de maionese de sua mãe? Será que o bufê de sobremesas é capaz de confrontar o pudim de sua mãe? Eu acho que não é. Então, a SUV que está na sua garagem, te leva mais longe que te levaria um carro menos suntuoso, e pra que, se a casa dos seus amigos fica a poucas quadras da sua casa?
Os parisienses odeiam o que os turistas fizeram com a doce vida de Paris. Um dia, você também vai procurar outro modo de vida, antes que a vida escoe pelo ralo das frestas por onde passa o brilho da falsa prosperidade.
Então, o problema dos parisienses, dos manezinhos da Ilha, e de sua própria cidade, nunca foram os turistas, mas a sua própria ânsia de torná-los dependentes dos seus mimos,para que abram a carteira e banquem os sonhos que você já se perdeu em buscá-los.
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