AD SENSE

sábado, 19 de outubro de 2019

Pra não dizer que não falei de flores





De modo algum irei falar de política, de movimento de resistência contra o regime militar no Brasil, embalado pela canção de Geraldo Vandré, com o título dado a este ensaio. Devidamente explicado, passo a falar de flores então.

Dar flores é um comportamento próprio dos Seres Humanos, mas também entre os animais há certos hábitos de oferecer mimos às fêmeas, como forma de demonstração de disponibilidade ao acasalamento.  Os bowerbird, ou “pássaro pavilhão” masculino, são arquitetos incríveis, mas reservam suas habilidades para apenas uma finalidade – encontrar uma companheira. Eles constroem esses ninhos elaborados e deslumbrantes para impressionar as fêmeas – talvez eles pudessem ensinar aos homens, uma coisa ou duas sobre decoração, diz um artigo no blog "Tudo Curioso". Nestes enfeites, tantos, há também flores. Há espécies de peixes que fazem o mesmo, constroem ninhos elaborados com design sofisticado, linhas precisas, geometria perfeita, para que sejam escolhidos como os progenitores dos filhotes das fêmeas, pois sua capacidade de construírem e lidarem com esta matemática inata, demonstra que seus filhotes possuirão uma genética selecionada. 



Assim como os animais que presenteiam com cores e flores seus parceiros, também as flores se oferecem, por meio do perfume e cores, aos insetos e também pássaros e morcegos, que em troca destas dádivas, são por eles, polinizados. É uma moeda de troca. É por instinto e por interesse.

O Ser humano é o único que, não só presenteia com flores, por interesse, amor, paixão, reconhecimento, como o faze também por dor, gratidão, ou saudade.  São as pessoas quem produzem flores para venderem sentimentos, e embora eu não deixe de reconhecer a preciosidade de uma arranjo de flores numa floricultura, são as flores do campo e das matas, ou ainda dos jardins antigos, das vovozinhas, quem mais fazem aflorar minhas lembranças de tempos felizes, ou até mesmo melancólicos.

O costume de ofertar flores, é mais afeto ao mundo feminino, e mesmo os homens que oferecem flores, o fazem à mulheres: Mãe, namorada, esposa, amante, amigas, e em ocasiões significativas, na maioria.  Jamais vi um homem levar flores a outro homem (hetero), senão em velório, e mesmo assim, opta por comprar uma coroa com flores artificias, onde gravam em uma fita dizeres mecânicos de :Saudade eterna, Repouse em Paz, Homenagem da família tal.


Não sei dizer em outras culturas, mas na nossa cultura ocidental, um homem oferecer flores a outro, o carimba como homossexual. Nem mesmo um pai oferece flores ao filho, e tampouco vice-versa. Flor "é coisa de mulher", sentencia-se.

Pois eu ganhei flores, por duas vezes na minha vida. E confesso que foi uma sensação indescritível. Ganhei flores de duas mulheres, e não, nenhuma das duas mulheres estavam interessadas em mim, tenho absoluta certeza disso. O que me dá esta certeza é o motivo e circunstância em que recebi tais flores, e não era um raminho de dente-de-leão apanhado á beira da estrada. Não senhor! Eram frondosos buquês, que necessitavam abraços, exuberantes, perfumados. O primeiro recebi de uma Arquiteta, em reconhecimento ao trabalho que fiz, e fico feliz em crer que, ao respeito com que tratei os profissionais envolvidos neste trabalho. Foi a Arquiteta Melissa leite, em Lages, SC, por ocasião do lançamento de uma coleção que criei, e do Show Room de uma empresa que ajudei a montar.

A segunda ocasião, foi ao término de um Seminário de Economia criativa, Motivacional, que realizei, na cidade de São Martinho, SC, onde ao final das palestras, no segundo dia, fui homenageado com flores, inesquecíveis, de valor inestimável, oferecido pela Primeira - Dama do Município,  Turismóloga Ângela Back, e em nome da Comunidade inteira, o fez. D-s sabe o quanto aquilo significou para mim. Não as flores: o gesto, materializado em flores.

Então, agora posso dizer que falei de flores. As flores que não constroem muros, mas as que edificam e solidificam amizades. E foi muito bom. Agora é só esperar pelo velório, que talvez ganhe mais algumas, embora as prefira em vida. O perfume é bem melhor.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Trotes memoráveis em lugar incerto - II O Documentário da Rainha



Corria o ano tal, onde tal sujeito era o Prefeito, e também havia o Vice Tal, que como o título diz, era o Vice Prefeito do Fulano de Tal. Isso aconteceu em tal lugar, que era, digamos, o clube social do pequeno burgo, e era no clube social, que os melhores e mais suntuosos bailes aconteciam. Era lá que a sociedade V.I.P comparecia, para mostrar o automóvel tinindo de novo, ou as matronas, para exibirem seus suntuosos trajes de gala, enquanto os abobalhados maridos, servindo o braço como apoio, olhavam e sorriam o tempo todo, abanando a mão e curvando levemente a cabeça, como se quisessem dizer, entre os dentes cerrados, como fazem os ventríloquos: "Esta é minha mocréia, e este foi o vestido que ela mandou vir da capital, com meu cartão de crédito. Ai que ódio!"

Era a festa de escolha da rainha, de uma festividade local, e lá estavam reunidos todos os convidados da finesse local, e ora, onde há boca livre, o escriba que vos tecla, entendia necessário se fazer presente. E assim foi! Dez horas da noite, lá estava o galalau, enfeitado como "pixixê de china", cheiroso como mão de barbeiro, subindo as escadas que levavam ao local dos arregabofes, eis senão quando, o longo braço do porteiro ficou estendido à altura de seu pescoço, do galalau.

- De onde vens, perguntou, solene!
- Venho de um seio! - Respondeu o tararaca.
- E onde vais?
- A um coração!
- De quem és filho?
- Do acaso!
- Como te chamas?
- Paixão!
- Saiu-se bem, mas cadê o convite, malandrinho?
- E malandro precisa de convite?
- Aqui, sem convite, não entra!
- Que seja! Voltarei!

Saindo dali, o escriba voou lépido a largos passos à casa de um amigo, que possuía uma filmadora "Super 8". Tomou-a por empréstimo, e mais rápido que o pensamento, estava de volta ao refestelo.

-Tu de volta? Sorriu o porteiro.
- Sim, tenho que filmar o evento para um documentário, o qual enviarei à uma organização na Bahia!
 Sorrindo, quase aos frouxos, o porteiro o deixou entrar.

O lugar estava repleto de gente elegante, gente distinta, gente importante, políticos, autoridades, belas senhoras, senhoras,jovens exuberantes e perfumadas, e eu. Com uma filmadora Super 8, novinha.

- Boa noite, senhoras e senhores, gentis senhoritas! Estou aqui na missão de enviar um documentário à uma instituição na Bahia. Permitam que filme vossas magnificências?
- Naturalmente, caríssimo amigo (virei amigo, assim, de repente)! mas antes, aproveite o "Côck Téilll" (acentuando o L em coquetel).
Não me fiz de rogado. Bracei uma imenso prato descartável, e abasteci-me de guloseimas. Fartei-me até arrebentar a cincha. Forrei meu bandulho (sim, o galalau era eu). E disse:
- Bem! (Burrp), Senhoras e senhores! (Burrp..arrôt) hehe...desculpem...coca cola..! Vim aqui pra trabalhar, então tenho que trabalhar, Compromisso é compromisso! Só que temos um probleminha técnico ( nessa altura eu já era praticamente um Fellini, entendia tudo de iluminação,dramaturgia, cenografia, e após olhar significativo, sentenciei:
- Teremos que descer ao Hall de entrada, onde existem espelhos. Lá a iluminação é PER-FEI-TA! (e estalei a boca, como fazem os profissionais satisfeitos).

Descemos ao Hall, aquele pixurú de gente, Prefeito, Primeira Dama, Vice Prefeito, Segunda dama, autoridades civis, militares e eclesiásticas, Rainha, Princesas, blá, blá e blá. Entupiu o hall. E eu comecei a função.
- Prefeito com a rainha!
- Rainha com a Segunda Dama!
- Rainha com princesas!
E assim, sucessivamente, filmei á todos, por cerca de meia hora, a quarenta minutos, sem parar.
Agradeci e fui embora.

O tempo  longe passou. Por esta nova ocasião, a moça que havia sido escolhida como rainha, foi comigo e outros amigos, subtrair ameixas, em uma frondosa ameixeira que havia lá pelos fundos de um terreno pouco habitado. Ao voltarmos, ela disse assim:
- Paulinho! Tu te lembras daquele filme que fizestes, de nós?
- Mas claro que lembro!
- Posso vê-lo?
- Não!
- Por que não?
- Não havia filme na câmera. Além disso, o Super 8 tinha fita para três minutos, e eu filmei mais de meia hora. Ainda bem que as pilhas eram novas!










quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O professor de Ballet



Aprontar trote é mais comum que a posição de defecar, e não há quem não tenha alguns memoráveis para contar, o que alias, faz até bem pra engrossar o couro, tomar um trotezinho aqui e outro ali. Eu, pelo menos, prezo por este modo de pensar, só pra não pensar em cada trote que tomei. Por misericórdia, como eu fui tonto nessa vida, gente do céu! Tá, eu também passei alguns, e vou contar aqui uns dois, com o mesmo mote: O "Professor de Ballet"!.

Vou omitir os personagens, mas os fatos são aproximadamente verdadeiros.

Trote número 1

Eu alugava uma sala em um prédio de salas comerciais, no centro de Gramado,tinha meu escritório. No mesmo prédio, haviam outros escritórios, sendo um de engenharia e decoração, e outro era um consultório médico, cujo titular era (e continua sendo) um grande amigo. Todos eram meus amigos, diga-se pelo bem da verdade. Volta e meia, nos visitávamos, para jogar conversa fora, tomar cafezinho, chimarrão, ou contar lorotas das boas.

Certa ocasião, passei no consultório do amigo médico, e vi que havia uma atendente nova, começando naquele dia. Estiquei o pescoço porta adentro, cumprimentei, e perguntei se o "Dr Fulano" estava.
- Gentilmente disse que não, e perguntou se era urgente. Respondi que urgente não era, mas que ele havia marcado comigo para que, dentro da próxima meia hora, nos encontrássemos no Tênis Clube, próximo dali, pois ele teria aula de Ballet comigo e outras pessoas. A moça achou aquilo muito estranho e perguntou quem eu era. Respondi que era o professor de Ballet do doutor, e que passei para lembrar que ele não poderia faltar à aula, porque iríamos experimentar nos alunos os novos collants e sapatilhas que eu trouxera de Porto Alegre, e que contava com o doutor em aula.

Apertando os lábios para evitar uma risada, saí dali e fui para a sala no fim do corredor, do escritório de engenharia. Lá trabalhava uma mocinha, que tinha um irmão de tamanho avantajado, e contei à ela a situação, e pedi que não me denunciasse. Ela então tomou a iniciativa de chamar o irmão,e juntos foram até à sala do doutor, e se apresentando, perguntaram se ela já havia localizado o doutor, porque o professor de Ballet deles estava na cidade, e eles não poderiam faltar. E eu voltei pra minha sala. Poucos minutos depois recebo uma ligação do doutor, perguntando se eu era o autor do trote. Depois de rir um bom bocado, ele disse que ela havia ligado para todos os lugares por onde ele passava e deixava o recado para que ele entrasse em contato com o tal professor de Ballet.

Trote número 1.1

Mesma situação aconteceu, num dia, em que fui, acompanhado de um vendedor de minha equipe, a uma fábrica de móveis, e o vendedor era bastante alto também. Lá nos deparamos com uma secretária nova, e pense no formigamento que me deu em ver uma secretária nova perguntando quem queria falar com sue chefe.

- Sou o professor de Ballet do fulano (o dono da fábrica, que era um sujeito bem encorpado, grande mesmo, e sues irmãos não eram muito menores, Maiores até, eu acho). Vim entregar o collant  que ele encomendou, e também a tiara com cristais e pérolas porque ele faria o papel do Cisne Negro, na peça Lago dos Cisnes.

A moça desatou a rir, e aí me "enfureci".

-"Por que você está rindo? Como você é preconceituosa. Só porque o sujeito é um armário de grande, acha que ele não tem direito de ser delicado? Por favor, assim que ele chegar, peça para contatar urgente comigo. Ele tem meu número! Este rapaz que está aqui comigo, parece um armário também, mas ele faz o cisne negro, que agora é seu chefe quem irá tomar o lugar dele"

Disse isso e saímos, segurando os frouxos de riso.

Depois do meio dia, fui ao centro da cidade, e lá encontrei os três irmãos, e mais alguns amigos, à porta do banco, e contei a história.

Malandros, de igual ou ainda piores que eu, o empresário chegou na fábrica, logo mais tarde, e ao chegar logo perguntou para a secretária:

- Meu professor de Ballet esteve aqui me procurando hoje?


Depois disso, toda vez que eu ia lá, ela nunca me oferecia cafezinho. Rancorosa!







quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Gramado em Pensamentos - Para que servem os pobres?



Se eu pudesse definir, dentro do campo espiritual, quem são os pobres, diria que os pobres são o termômetro que define a humanidade divina que há em nós. Sei, no entanto que esta não é, de longe a melhor definição da pobreza, pelos padrões clássicos de interpretação da menos valia do Ser Humano em comparação com outro Ser Humano. Isso por si já determina que pobreza se encaixa no relativismo entre o que tem mais e o que tem menos, sendo que o que tem mais, terá sempre mais em relação ao que tem menos, e vice versa, e assim, começa minha primeira definição da pobreza: um mal necessário à interpretação de riqueza de quem tem mais, em relação ao que tem menos. Eis aqui a primeira importância da pobreza: regular o padrão de quantificação e estabelecimento gráfico sobre o quanto tem a mais o rico, e nunca o contrário. O rico então mede sua fortuna em proporção ao pobre. Eis a primeira necessidade e definição da importância da pobreza: Padronizar a riqueza. 


Um bom exemplo de que é o objeto de menos valor quem define o objeto de mais valor: a unidade monetária. Nenhuma moeda começa seu padrão por, digamos, $ 675,57. É impossível quantificar a riqueza ou a pobreza, se o parâmetro da moeda não for a unidade, "1". Este é o padrão então da fortuna do rico, porque parte da linha da pobreza para estabelecer a riqueza. Este é também, por excelência, O Número que Define D-s (Deus). D-s é UM (Echad). Outro modelo é a montanha, que para ser medida, precisa da planície, e até mesmo a profundidade de um vale, é medida com relação de seu rebaixamento ao nível do mar, o que é o ponto de equilíbrio entre a riqueza e a pobreza, e aqui chamaremos a depressão, como extrema miséria, suscetível à sofrer os reveses de uma possível inundação ou desmoronamento de parte da montanha. Este equilíbrio é o que propõem as ideologias socialista, onde, de um lado buscam elevar os padrões dos que estejam na extrema miséria, e para isso, rebaixam os que estejam na montanha, igualando à todos a um único nível. Não cabe aqui discutir as razões de um e de outro, o que talvez eu venha a fazer em outro momento. Aqui vou restringir-me  ao título desta análise: Gramado e seus caminhos - para que servem os pobres?


Se buscarmos nas Sagradas Escrituras informações acerca do que O Todo-Poderoso diz sobre os pobres, a uma simples leitura superficial, poderíamos encontrar uma dicotomia de duas teologias: Uma que eleva espiritualmente os pobre às camadas privilegiadas de bênçãos e benefícios (pleonasmo) espirituais, e de outro, encontraremos os grandes personagens extremamente prolíferos nas riquezas a quem chamamos de mundanas: ouro, prata, joias, rebanhos, trabalhadores (a quem a tradução arcaica insiste em chamar de escravos). Estas as definições de quem seriam, um e outro, ricos e pobres. Há, no entanto, a interpretação que inverte estes conceitos, a partir da leitura cristã, que favorece o conforto pela pobreza, construindo desta forma o clássico cristianismo medieval e até mesmo contemporâneo, que inverte os valores morais de um e de outro, colocando o pobre como preferencial, no reino de D-s, e o rico, como escroque e opressor do pobre, motivando o fiel à preferir a pobreza, com pão seco e paz, do que a abundância de carne, com contenda (Prov. 17:1). Ainda nesta inspiração, relatando sobre a pobreza, há na frase de Jesus, proferida no Sermão das Bem-Aventuranças (felicidade), o termo: "Pobres de Espírito", onde quase unanimemente erram sua interpretação, levando à falsa compreensão que "Pobres de Espírito" sejam pessoas ruins, enquanto é exatamente o contrário, significando" Pessoas dóceis, cordatas, de bom trato. Vê-se aqui então que ainda mais uma vez, a pobreza, isto é, a falta de soberba, é tratada como um aspecto positivo do caráter do Ser Humano.


Ao ser confrontado por Judas, o traidor, acerca do perfume valioso com o qual a mulher, aos prantos, lavara os pés de Jesus, e os secara com seus cabelos (algo que , para a cultura da época, simbolizava quase uma relação sexual), o Rabi assim definiu a situação: "Pois sempre tereis convosco os pobres, mas a mim nem sempre me tereis (Jo 12:8). Aqui começo a reflexão acerca do rico e do pobre convivendo harmoniosamente na mesma sociedade, dividindo, em muitos casos, a mesma rua, e frequentando os mesmos lugares, sem constrangimento de um e de outro. Aqui começo a falar sobre o tema que deu título a esta reflexão.


A própria Torá (Lei de Moisés) estabelece as relações de cordialidade e mútuo suporte entre as duas classes de pessoas. Determina como o pobre deve portar-se diante do rico, e como o rico deve proteger o pobre em sua adversidade, e um e outro, como são iguais perante um justo juiz. 


O judaísmo tem uma visão um pouco mais esclarecedora acerca deste relacionamento, e o talmude (Tradição Oral, Jurisprudência rabínica sobre a Torá), onde estabelece as leis de Maasser (Dízimo) e Tsedacá (Justiça Social, erroneamente traduzido por "esmola"), e determina inclusive que uma das doze tribos de Israel, a Tribo de Levi, não receberia herança, e sua herança seria "O Senhor", isto é, seriam encarregados do serviço religioso, e de cuidarem da parte espiritual do povo. Recebiam, os Levitas, a décima parte de tudo o que ganhavam as outras onze tribos, e a despeito de não possuirem terras, os levitas eram mais ricos, e ao mesmo tempo mais pobres que as demais tribos, para que soubessem que sua riqueza não estaria naquilo que era seu, mas dependiam da riqueza dos demais. Eram os pobres que ensinavam humildade aos ricos, e recebiam sua paga pelos seus ensinamentos, promovendo a devoção contínua a´Criador.


Em um anacronismo, interpretamos a necessidade da existência dos pobres, para que os ricos não esqueçam de seu dever com outro Ser Humano, e se necessário, que enterneçam o coração pelo sofrimento alheio, uma vez que a pobreza tem alguns capítulos capazes de fazer esmorecer a dura cerviz dos mais abastados, seja pelo sentimento puro de generosidade, seja pelo medo de vir a encontrar-se na mesma situação, ou alguém a quem estimam, e correm, então, a abrir os bolsos, alguns com mais, outros com reservada generosidade, e é assim que a sociedade se confronta com seu espelho, e o espelho do pobre, por nada possuir, é sua consciência e bom nome, pois é a única coisa que vai permanecer depois da morte. Já o rico, sabendo que nem na morte poderá ser melhor que o pobre, e sendo consciente, trará a lume sua generosidade em atender aos necessitados.


E Gramado, tem o que com isso? Gramado é uma cidade peculiar. Não é, em definitivo, uma cidade pobre e nem tem na pobreza o seu espetáculo dantesco, como o tem tantas outras cidades não muito distantes. No entanto há certa quantidade de pobres em Gramado, assim como há uma generosa porção de pobres no País, e aqui acendo uma polêmica, categorizando a pobreza com um bem necessário á humanidade, assim como também à Gramado, e vejamos a razão desta afirmação.


As casas não se constroem sozinhas, Os banheiros não são auto-limpantes. Ainda não chegou-se ao auto-atendimento perfeito, ainda que o café da manhã nos hotéis, necessita de quem os sirva. As janelas, de quem as lave. As ruas, de quem as limpe. Os estragos, de quem os conserte. As fábricas, dos que nelas produzem (ok, quase tudo já vem da China, e os pobres de lá são problema deles..e solução nossa, mas mesmo assim, seja na China, no Egito, ou na Coreia do Norte, há pobres a nosso serviço, independente da distância em que se encontrem de nós.


Faço eu, aqui, apologia à pobreza? De jeito nenhum! Faço apenas uma reflexão sobre o equilíbrio das coisas, porque o rico precisa do pobre da mesma forma que pobres dependem dos ricos. Ricos são objetivos, mas pobres são criativos. Isso explica porque eu sempre pendi para a criatividade, a quem o rico chama de loucura, mas é apenas uma forma de desdenhar aquilo de que não foi dotado, a inteligência criativa. Pobre que não é criativo, inventivo, morra na casca, não prospera, não sobrevive. Os alimentos mais saborosos, são provenientes da miséria. E depois de testados e aprovados, os pratos criativos das cozinheiras pobres, em casas ricas, tais pratos recebem nomes sofisticados, e tornam-se iguarias nos banquetes entre ricos. Rico não é criativo, e nem precisa ser. Não precisa criar. Basta ter relacionamento à distância segura do pobre criativo, e comprar-lhe o feito. Saem os dois felizes com a troca. Assim, pobre e ricos, convivem de maneira salutar no mesmo espaço social, no mesmo coletivo. 


Gramado precisa de seus pobres. Na verdade, pobres são um bom negócio. às vezes se tornam objetos de negócios, de forma obscura, desumana, como os refugiados de países em colapso, cujos vizinhos não são muito melhores, mas que recebem verbas de outros países ricos para que estoquem os pobres confinados em acampamentos de refugiados, e fazem assim, um negócio bastante promissor. Isso acontece sempre e acontece muito. É um ótimo negócio para pequenas repúblicas que tem como vizinhas, ditaduras extremas, disputas tribais, acolherem em suas fronteis, milhares de refugiados, cobrando da ONU, e como supracitado já, de países europeus, para que mantenham estes seres de línguas e costumes estranhos, confinados nas jaulas em forma de barracas, cercadas de arame farpado, porque um pobre fora dali, são centenas de dólares por dia fora do tesouro nacional.


Gramado não tem refugiados, mas tem necessidades, Gramado tem ricos, remediados, e pobres, mas até onde chega ao meu conhecimento, não há miseráveis, paupérrimos, indigentes, mas até estes são necessários, úteis às causas sociais de ricos comprometidos em manter aquecida a chama da generosidade em si, e como assunto nas rodas sociais. O sofrimento alheio é um bom negócio, e se não rende dividendos em espécie, em cifrões, rende em ocupação para o vazio do tempo entre uma conferência de saldo e outra. Assim, Gramado, de pobre em pobre, gera riqueza, que não seria possível, sem os braços da pobreza que a edificam.


Gramado não tem pobres que justifiquem estado de calamidade, mas graças aos seus pobres, verbas Federais, e Estaduais, são alocadas para estruturas que acolham mais pobres. Gramado, e o resto do Brasil. Todos precisam de pobres nas suas receitas, pois muitos projetos apenas se justificam, graças a certeza de que mais pobres serão beneficiados. Tentem as autoridades (que contam com os pobres para serem eleitos) buscar verbas em Brasilia, e que no escopo de tais verbas, não sejam contemplados os menos favorecidos, para ver se ganham alguma coisa. Não ganham, Assim, pobres valem também dinheiro. Muito dinheiro. Digam as grandes marcas. Ricos não tomam Coca-Cola. Quem toma coca-cola é pobre. Em domingo. De litrão. Pobre não compra orgânico. Quem compra é rico e remediado, mas remediado é um pobre com dinheiro, nada mais. remediado é brega,tem mau gosto, e é medito a rico. Rico não anda de SUV. Quem anda de SUV é remediado e novo-rico que precisa ostentar que se não tem cultura, tem grana. E tem seus pobres para ostentar. Assim, pobre tem seu valor, e alguns tem preço. Bem baixo. e outros ainda, são medidos em custos. Mesmo assim, custos são convenções estatísticas, e pobres fazem parte destas convenções, pois quem determina se alguém é rico ou pobre, são os próprios pobres, que potencializam gráficos de tendências de mercado, de acordo com rendimentos e faixa etária, em avaliação de consumo e lançamento de produtos, Para pobres. E não há ricos escritores. Há escritores, que deixaram de ser pobres, pois quem faz análises entre pobres e ricos, é certamente um pobre.


No dia em que se acabarem os pobres, os primeiros que morrerão de inanição, serão os ricos. E neste paradigma, pobres e ricos devem e precisam coexistir, e este paradoxo de sua proximidade, valoriza um ao outro ainda mais, pois diante do rico o pobre é ainda mais pobre e o rico, fica mais rico ainda á medida em que se acotovela com o pobre. Voilá!






quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Velho, meu querido velho....



Envelhecer é um mistério. Um daqueles mistérios tão grandes, quanto o mistério de nascer, ou acordar. Nascer, porém, são compreensíveis, porque é onde se abrem as cortinas para o espetáculo da vida. Despertar, é onde há o medo e o mistério do dia que nos espera. Mas envelhecer não tem mais nada disso, não. Envelhecer é um conjunto de mistérios que se abraçam desesperadamente ao desconhecido para formularem suas esperanças e sublimarem seus medos.

Envelhecer é algo vergonhoso para a civilização moderna, ocidental ou oriental, isso já tanto faz, em nossos dias. Já não se envelhece mais como antigamente. Nosso envelhecer é visto de duas formas, e em tempos diferentes, de uma terceira forma. Na leitura antiga, a palavra "ancião" tinha certa reverência. Hoje, significa apenas "velho". E velho é descartável. Então ancião, é lixo.

Na cultura antiga, o idoso era visto com poderes espirituais notáveis, quase mágicos. Uma bênção proferida por um avô, era um decreto de prosperidade, de santidade. Um colóquio com o macróbio era sinal de sabedoria, de aprendizado, de reflexão. Hoje, o velho vale quanto pesa, ou melhor, quanto recebe de pensão. Um grande percentual de pessoas consegue suprir suas contas com a aposentadoria dos pais ou avós. E outra grande porção, administra os bens dos velhos, em parceria com o depósito de velhos, carinhosamente e gentilmente chamada de "Lar". Que lar, que nada. Lar é bem diferente disso. Lar é um lugar onde podem ser ouvidos gritos, choro, gargalhadas, queixas, elogios, gente insistindo na vez de ir ao banheiro, rezando, discutindo, aconselhando, negando conselhos. Isso é um lar. Então, até mesmo o significado de lar mudou. Mudou pra pior, é o que acho.

A beleza e a formosura da idade são guardadas nas gavetas do tempo. Antigas caixas de camisas ou sapatos, abarrotadas de fotografias. Excelente opção para sentir saudade, rir junto, ou emocionar-se, em tardes de chuva, visitando as lembranças dos instantâneos amarelados, e desbotados  pelo tempo. Beleza e formosura são raízes profundas, que dão vigor á árvore da existência, onde só o que se vê é o tronco, e no inverno, de muitas delas, a nudez do inverno, a casca grossa retorcida, as cicatrizes dos machados, e até de, talvez, uma marca antiga de um coração com duas iniciais dentro.

Formosura não diz respeito à imutabilidade da pele, mas ao frescor da alma. Vencemos o desprezo pelas pregas dos anos pelo perfume da vontade. Somos por demais, comparativos, e estamos sempre a comparar o presente, que somos, ao passado, que nos deixou. Por esta razão, perdemos tempo em lutar contra a velhice, em lugar de abraçá-la como algo que de fato nos representa. Não estamos envelhecendo. Estamos apenas caminhando dentro do nosso tempo.  Somos a civilização do consumo, e para consumo deve haver produção, e para que haja produção, são necessários braços fortes e pernas ágeis. Antigamente os velhos previam as chuvas e a estiagem. Hoje, o metabuscador resolveu tudo. Desaprendemos a fazer perguntas, porque antes mesmo de as formularmos, o sistema já nos apresenta opções de perguntas que nem mesmo sabíamos que poderiam ser feitas. Hoje as perguntas são mais ágeis que nossa capacidade de assimilação do enunciado das coisas. Nem mesmo sabem, muitas pessoas, o que é um enunciado.

Outro dia mesmo, fiz uma brincadeira em uma rede social, propondo um desafio, onde eu responderia a qualquer tipo de pergunta formulada, sem nenhuma exceção. Em poucas horas, respondi a várias perguntas. O meu espanto não era que eu sabia tais respostas, mas que as pessoas não tinham lido o enunciado de meu desafio: eu "responderia a qualquer pergunta formulada, por mais difícil que fosse". O que não entenderam é que eu não disse que sabia as respostas. Mas que responderia, e até um "essa eu não sei", seria uma resposta. Perdemos o enunciado da vida. perdemos a necessidade de fazer perguntas do modo correto, e muito menos de respondê-las, pois uma máquina nos precede nas respostas. Antes, eram os velhos quem respondiam as perguntas. Todas as perguntas. Hoje há mais velhos e menos perguntas a fazer.  Então, não somos nós que envelhecemos, mas a sociedade nos torna obsoletos pela falta de uso. A sociedade de nossa civilização binária, está completamente confusa, perdida, desamparada.

Não são apenas os velhos, os esquecidos (e que também se esquecem), mas os pequeninos, aqueles que choram, fazem birra, sujam fraldas, sujam roupas, as crianças, se alguém não lembra o que são estes espécimes. O Ser Humano inverteu os valores  e supriu de forma mais econômica e prática seus valores. Trocou pele por pelo. Passou a chamar cães e gatos de filhos, e filhos, se tornaram alunos. As crianças vão para as creches e aulas integrais, para serem educadas, em lugarem de serem instruídas, enquanto os pais vão para o trabalho, manicure, passeio com o animalzinho para que faça cocô e xixi nos jardins alheios. Lógico que manicure, empresa e compromissos são necessários, e isso não os torna irresponsáveis.

Quando éramos crianças (nós, os velhos), nossas mães e avós levavam um lanchinho na bolsa, porque sabiam que em algum momento, a fome ia atacar valendo. A fome continuou, e hoje basta um cartão de débito ou crédito, e um tablet. Assim, envelhecemos na obsolescência da vida, e então chega o medo. Ninguém quer envelhecer (ninguém, exceto eu), porque a velhice pressupõe a lembrança da morte. Eu penso diferente disso. Minha velhice pressupõe o perfume da eternidade.

Na sociedade moderna, a ciência avançou na cura e prolongamento da vida, mas não deu conta de ocupar a mente de quem teve a vida esticada pelos anos, e assim, este vazio existencial das pessoas. Esta falta de vontade de largar tudo e cair pela vizinhança ajudando a carpir uns lotes. Temos alimentos mais saudáveis, apesar da gritaria contra os agrotóxicos e transgênicos. Vivemos esta geração, dos transgênicos e dos transgêneros, porque, pelo primeiro, ou se muda a genética dos alimentos, para que sejam de gosto ruim para as pragas, ou se come apenas orgânicos, caros, inacessíveis, e insuficientes, ou morremos de fome. Ou carcinomas, que atacam pessoas (na maioria) acima de meio século, e isso não era assim antes. Não. Não era mesmo. As pessoas morriam de diarreia, verminose, difteria ou varíola aos quarenta anos, se tivessem a sorte de escaparem das doenças da infância. Mesmo assim, naquele tempo parecia ser melhor. Não era. Apenas éramos crianças, jovens, e a vida é sempre melhor quando temos sonhos para o futuro.

Os velhos ultrapassaram correndo pelo futuro, e quando perceberam, sua felicidade voltou a permanecer no passado, na infância, como um sonho em engenharia reversa. Eu mesmo, me pego sonhando e pensando, como seria bom se aqueles sonhos já sonhados tivessem dado certo. Aí sonhamos sobre o que faríamos com os sonhos que deram certo. Sonhar olhando pra trás. Quem nunca?

Eu gosto de envelhecer, e também gosto de pensar na eternidade, coisa que de certo modo, para ser atingida, temos que passar naquela portinha apertadinha, onde a obesidade do desânimo nos impede de atravessar. Mas temos que chegar lá, então não tenho medo de morrer, pois todos os meus medos acontecem apenas durante o tempo em que eu estiver vivo: sofrimento, dor, angústia, fome, etc. Estes medos são reais, mas o descanso solene, esse não. Mesmo porque, estou envelhecendo rápido demais. Não é opinião minha, mas dos espelhos que debocham de mim quando os enfrento. Morremos sempre que deixamos de sonhar, mesmo que seja pelos nossos sonhos que não chegaram a acontecer. Há quem morra em vida e passa anos nessa condição. Há quem viva esperando a morte chegar, com a boca escancarada sem nenhum dente mais. E há quem faça empréstimo da vida que corre em turbilhão, pela gritaria dos netos e palavreado chulo dos jovens, ou pelo prazer em delongas ao olhar o verde da mata, ou estasiar-se diante de um broto que rasga a casca dura da árvore, atento a cada detalhe, como se fosse o último de tantos que perdemos, porque o tempo não nos deu tempo, e avida nos tomou da vida, enquanto perdidos em nossas reminiscências, envelhecemos, a não poder mais.






domingo, 28 de julho de 2019

Romeu Dutra, Roberto Sperb, Rui Corso, A Freira que me odiava, e outros causos

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....Foto: Arquivo pessoal


João Romeu Dutra, ou Romeu Dutra, foi o primeiro Secretário de Turismo de Gramado, efetivamente com esse título, porque antes disso havia o COMTUR - Conselho Municipal de Turismo, e se não estou enganado, seu último titular foi o antigo membro do Consulado Britânico, Mr. George Edward Fox, ou Mr Fox, pelos amigos, e "Tio George", pelos escoteiros. Já comentei isso aqui, e pouco sei da biografia dele, então limito-me a falar do que conheço sobre meus personagens.

Romeu Dutra era professor de matemática no Ginásio Estadual de Gramado, ou Ginásio Estadual Noturno, o GEN, quando duas novas turmas foram criadas para o turno matutino e para isso, também o temível "Exame de Admissão", já comentado também. E assim, já doidinho por desafios, lá estava eu, com nove anos de idade, disposto a assentar-me junto aos grandes nas carteiras (à época, chamadas de classes mesmo), para enfrentar o Ginásio, período que ia após o quinto ano do primário. O Ginásio era de quatro anos, e depois disso, o "Científico". Romeu então, era inspetor de uma turma, onde eu estava, durante a prova.

Como e não havia feito o quinto ano primário, senão durante três meses de madrugadas estudando com minha mãe, professora, evidente que tinha coisas que eu apanhava muito. Ninguém pode pular uma etapa da vida, e eu pulei muitas. Entrei na escola primária aos seis anos, quando a lei exigia que fosse aos sete. Mas eu era alfabetizado desde os três anos, ora bolas! Então pular etapas era minha especialidade. Só que não

Estando eu tomando uma surra da raiz quadrada, durante a prova, Romeu passava várias vezes por mim, e dizia, baixinho: A resposta ali é tal...eu olhava pra ele com cara de: "Mas quem esse metido pensa que é para me dizer a resposta? Aposto que quer ferrar comigo, me passando resposta errada. E ainda insistia: Tu não vai escrever? Eu só olhava, com aquele "não te conheço", carimbado na testa. E mesmo assim, acho que foi ele quem corrigiu as provas, e me fez passar. Mas isso é uma suposição, uma remota hipótese, pois prefiro acreditar que meu conhecimento em matemática aproximar-me-ia de Einstein, ou de um ancestral distante meu, por parte de pai, Don Adam Ries, o grande matemático, o que foi definitivamente desmascarado quando entrei no ginásio, e aquela freira ignorante, minha professora desta disciplina, jamais compreendeu a dimensão das respostas e de meus cálculos, que excediam, transbordavam sua capacidade de perceber a sutileza de um 9 em lugar de um 7 e um 4, por exemplo. E assim, me ferrei na primeira série, na segunda série...

Tinha ainda aquele professor que,  segundo reza a lenda, atirava bolinhas de ranho no ouvido de quem dormia nas suas aulas. Mas este não chegou a ser meu professor. felizmente.

Já o Robertão, Professor de Ciências, Roberto Sperb, pegou implicância com minha pessoa, mas nunca prejudicou-me nas notas por isso. E nem precisava, pois as macaquices, herdadas de minha avó, trilhavam meu próprio caminho quase diário pela porta da rua, pra onde eu era mandado.
- Cardoso!
-Presente!
-Não tou te chamando. Vai pra rua!
- Mas eu nem fiz nada (ainda), professor!
- É pra nem começar a fazer! Hoje tou com nojo da tua cara!
E eu ia, feliz, brincar lá fora. Às vezes, ele mandava alguém pra fazer-me companhia.

Rui Corso, era um professor, baixinho, meio gago, que vinha de Caxias do Sul, lecionar Geografia, em Gramado. Bonachão como ele só (todos eram, na realidade), quando me botava pra fora de sala, pedia desculpas.

Tinha ainda a professora que eu amava, pela doçura e bondade: Dona Elinor Sevante! Professora de inglês, finíissima, elegante, e bondosa Isso tudo na primeira séria, logo após o banho de conhecimento na prova do exame de admissão.

Mas, como nem tudo são louros e flores, os espinhos vem junto. Uma freira, belíssima, mas dura e fria como mármore, lecionava matemática. Não dava moleza. Não era má pessoa, mas tinha uma frieza matemática (combinou). Certa ocasião, lembro que o Papa Paulo VI, aboliu o hábito dos religiosos, tornou-o optativo. E assim, Irmã Fulana de Tal, que usava sempre um hábito cinza, fez uma enquete na sala, sobre a possibilidade de que largasse o hábito e passasse a usar roupas civis. Foi quase unânime, exceto UM aluno, cujo Cláudio Sartor deixarei de fora o nome, que votou pela permanência do hábito religioso. No dia seguinte, veio ela, belíssima...de minissaia! Dali em diante, minhas notas de matemática pioraram muito. Paciência, não se pode ver tudo ao mesmo tempo: Coxas brancas ou nota alta no boletim. Minha mãe não entendeu bem a queda das notas, que não eram boas, chegaram quase ao zero absoluto.  Ah, o desgramado Cláudio  continuou com sua coleção de notas altas no boletim. Acho que eu devia ter votado com ele, sei lá.

Desintoxicando a Alma - Os chás da "Tia Ilizia"





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https://youtu.be/zJ5TpbCzd3Q


 Minha avó, Maria Elisa, tinha chá pra tudo. Chá de picão para os rins. Chá de "Erva de Bicho" para diurético. Chá de "Tanchagem (Tansagem)" como antinflamatório da garganta. Óleo de Capivara (que só ouvi falar, mas nunca a vi tomar), como fortificante, e para curar tuberculose. Ela insistia demais em tomar esse chá, nem faço ideia do porquê, pois tinha uma saúde de ferro, e nem resfriado pegava. Chá de flor de sabugueiro com avenca para a bronquite. Chá de "Paripariparova", chá de "Catinga de mulata", para fumentar um tornozelo virado, numa bacia com água quente e sal. Chá de cidró e "Massanilha" para sossegar o coração. Chá de folha de ameixeira européia (Néspera) como acompanhante de uma fatia de Pão-de-Ló com as visitas. Era muito chá. Chá de losna para problemas digestivos. Óleo de rícino para constipação, e tinha ainda o famoso Bálsamo Alemão, misturado em açúcar, mas sem beber água por uma hora, para prevenir todos os males de quem nunca se tinha ouvido falar.
Para tudo ela tinha um chá, uma receita, uma pomadinha, um emplastro de sabão com açúcar para furúnculos, tudo. Tudo tinha remédio. Tudo mesmo. Até para as dores da alma. Esta era a sua especialidade. Era conhecida nos quatro continentes, considerando que os quatro continentes ficassem a um raio de poucos quilômetros de sua casa. E nem só os chás, mas também os segredos para estancar a dor pela ferroada de um marimbondo, por exemplo. Certo dia, cheguei  em casa, aos prantos, porque o marimbondo havia ferroado meu bracinho fino. Imediatamente ela tomou uma bacia e me fez mijar dentro. Daí, com a mão mesmo, sem perder tempo, fazia conchinha com a mão, e esfregava meu mijinho no bracinho dolorido. Não sei quanto tempo levou, mas sei que hoje não dói mais, e nem lembro em qual braço foi.

Mas Maria Elisa, vulgo, "Tia Ilizia", sabia muito mais do que preparar chás ou curar ferroadas com mijo da própria vítima. Sabia ela, com sabedoria de gente velha, amaciar a dureza da alma das pessoas, e suavizar as dores do coração. Sabia porque entendia do assunto. Transferia sua própria dor para a panela onde fritava bolinhos, ou um feijão mexido, um "Tio Bento Ruivo" (farofa de ovo com farinha de mandioca), e na caneca onde preparava um chá de mate, feito com a erva do chimarrão, ao costume serrano de preparar. E desdas panelas, levava, em prato e caneca, ao paciente, que choramingava suas mágoas no canto da velha mesa de pinheiro. Enquanto comia e bebia, ela ia fazendo perguntas, e fazia com que a pessoa falasse tudo o que lhe vinha à lembrança, exceto o motivo da dor. Desta, maria Elisa tinha a perspicácia de pular a página, para as boas lembranças e bênçãos que receberam, no passado, os que choravam no presente, com medo do futuro.

- "O futuro, deixa que chegue sozinho, porque D-s (Deus) proverá!" - Dizia ela. A mistura do cozido com chá de mate, eram os chás que aliviavam a carga do desgosto de quem a procurava. Por vezes, nem procurá-la, era necessário, porque ela tinha uma percepção quase sobrenatural. Ela sabia ler expressões, e cheirava, com faro apurado, quando alguém guardava um soluço, por vergonha ou timidez.

- "Isso vai passar, meu filho! Deixe nas mãos de D-s!" - Ela repetia.
O "paciente" esquecia a tristeza, pelas risadas que ela arrancava, com suas palhaçadas e macaquices, e fazia isso, para que, sem perceber, fossem transferidas para ela, as nossas dores, pois ao final do dia, lá estava ela, soltando as tranças, de joelhos, citando caso por caso do que ouvira, e pedindo intervenção divina no caso. Suas orações eram intermináveis, pois cada vez a lista de pessoas aumentava mais a e mais. A gente passava perto do quarto, e ria de seu balbuciar quase audível: "Pscht, pscht, pscht, pscht...". E dê-lhe oração atrás de oração. Até que as duas tranças estivessem desfeitas, e entrava o pente em ação, e esfregada por esfregada, os longos cabelos brancos se transformavam num véu, caindo na altura da cintura, pois nunca foram cortados, e mais alguns instantes, a velha cama de tábuas, com colchão de palha, e só mais tarde, de espuma, abraçava-a por uma noite inteira do sono dos justos. O chá de cobertas servia para aplacar as suas próprias tristezas, e fortalecer seu espírito para o dia seguinte, que começava muito cedo, com mais uma rodada de "Pscht, pscht, pscht, pscht,,,".

PS* Ainda sobre chás, recordo que uma de nossas visitantes era a Senhora Amélia Kraemer, dona do laboratório com o mesmo nome, em Porto Alegre.
Dona Amélia, levava sempre junto duas coisas: Seu inseparável crochê, e uma sacola de frutas, e ao voltar, a sacola voltava junto cheia de cascas das frutas, que as enviava para o seu laboratório. Nada era desperdiçado.

sábado, 27 de julho de 2019

Tio Gêre - o Padrinho da criançada na Vila Moura




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Rádio Vintage muito semelhante ao rádio do Geremias. 

Pois tomei por missão pessoal, por dar certo valor à minha afeição às letras e às palavras, isso tudo, associado à parte que ainda funciona da minha memória, em resgatar certo período de minha vida, e neste particular, da infância, não apenas minha, mas de todas as pessoas que foram contemporâneas dos meus primos, os Moura, e aqui nestas memórias, do "Tio Gêre", título nobiliárquico dado ao solteirão convicto, Geremias Elias de Moura, e sua importância na minha formação familiar. E antes que acham que errei, é Geremias mesmo, com "G". Problema do escrivão analfabeto. Eis o causo!

Após o retorno à Gramado, minha família foi morar num ranchinho de tábuas de cerne de araucária, que até o presente momento, ainda compõem a casa que pertenceu á minha avó, Maria Elisa, naturalmente ampliada, pintada, e posteriormente vendida. Mas está lá, firme e forte. As mesmas tábuas que testemunharam tantas coisas. Mas não é este o caso, e sim que tal ranchinho foi construído num pedaço de terra pertencente aos primos Francisco Vaz Corrêa Filho (In memorian), e sua esposa, Cândida, irmã de Geremias e dos demais Moura. Havia certo receio de acolher minha família e alguns parentes, aos quais não nominareis, exceto nas coisas boas que fizeram, que apresentaram forte oposição à que minha família fosse assentada próximo deles, ao que Cândida e Francisco fizeram impor sua autoridade sobre seu patrimônio, e disseram: "Não iremos deixar nossa tia, e nossos primos dormirem na rua. O terreno é nosso, e eles podem construir sua casa nele até que deem a volta e comprem seu próprio terreno. Atitude de coragem, e assim foi. O tancho foi construído pelos primos Ananísio Elias de Moura, chamado de "Ananias" (In Memorian), e Orlando Alves de Moraes, um primo de minha avó.

Minha avó foi trabalhar em um restaurante, no Motel Balneário (Motel, naquele tempo não tinha a mesma conotação de hoje. Era apenas um pequeno hotel ou pousada), como auxiliar de cozinha. lavar louças, panelas, toalhas, etc, do Restaurante, pertencente à Família Nelz, mas que era arrendado ao casal Rost, Armando e Lourdes. Minha mãe, voltou a estudar e recebeu emprego de Professora Primária. Meu tio Samuel, então com cerca de 8 ou 9 anos, já trabalhava descascando vime, ou limpando frutas nas fábricas locais. Esaú, (In Memorian), o irmão do meio, trabalhava em serrarias, ou empreiteiras, como ajudante, e mais tarde, motorista de caminhões. E eu, comia as quaresmas, e os restos de comida que minha avó trazia, deixando sempre a melhor parte pra mim, e comendo o resto do resto.

Pois foi nesse tempo que, já sem pai ou avô, figuras masculinas importantes na formação de uma criança, que meu saudoso primo "Gêre" (In memorian), adotou-me como seu fiel escudeiro. Foi com ele e Saulo, seu irmão especial (Downiano), que aprendi a tomar chimarrão, todos os dias, antes do almoço, enquanto Tia Zezé (Maria José de Moura)(In Memorian), concluía o preparo do almoço. Ah, que cehiro saía daquelas panelas. Feijão, arroz, batatas, couve, carne, moranga, e como sobremesa, que sempre variava, uma moranga caramelada, uma batata doce, acompanhados de leite gordo, de uma vaca que tinham.

Poucos anos depois, minha avó comprou um minúsculo terreno, mais acima, ao lado de onde hoje fica o mercado Rissul, e onde está um dos prédios em ruínas do extinto Artesanato Gramadense (ainda contarei muita coisa deste lugar e pessoas relacionadas, se D-s quiser), do primo Elias Francisco de Moura (In memorian), e ali assentou nossa casinha, já um pouco maior. e mais confortável. Nesse tempo, nos fins de semana, eu passava com Geremias, Tia Zezé, e Saulo, e no sábado, ia com ele para o lugar que chamava de "Chácara", uma pequenina lavoura e pomar, onde tenho as melhores lembranças da infãncia. Passávamos o sábado à tarde lá, e eu o ajudava na lavoura. No meio da tarde, Tia Zezé levava uma cesta repleta de guloseimas com café, e a chamava de "Fristique", do alemão Frühstück, e do yídish:  פֿרישטיק (Lembra que já contei que descendemos de judeus? Pois é! Algumas palavras e costumes, permaneceram no inconsciente dos nossos antigos). Ao final do dia, ele me dava uns trocadinhos, com os quais, eu ia ao matineé, no domingo á tarde, com meus amigos.

Geremias não foi especial apenas pra mim, mas todos os sobrinhos e amigos, eram apaixonados por ele. Chegou a montar uma playground todo de madeira, com escorregador, balanços e gangorra, para a diversão da piazada da Vila Moura.

Divertido, brincalhão, e sempre sorridente, Geremias caminhava segurando a cuia, na mão, e a garrafa térmica debaixo do braço, servindo mate à todos. De sua chácara, lembro das frutas que gostava: Pêssego, maçã, tangerina, e principalmente uva, ao seu tempo cada uma. Havia porém uma frutinha não plantada, que produzia o ano todo: eram os "Moranguinhos de Sapo", um morango silvestre, com pouco  açúcar, mas deliciosos quando preparados com açúcar e égua, comidos de colherinha.

Outras frutas que comíamos em sua propriedades, à vontade, sem restrição alguma, eram Guabiroba "Gavirova", Araçá, Pinhão, Goiaba serrana, e quaresma do mato. Uma vez por ano, Geremias e seus irmãos se reuniam num certo domingo, e à sombra de um colossal pinheiro Araucária, abriam uma vala, e ali faziam um churrasco para toda a família. Toda mesmo. Eram algumas dezenas de sobrinhos e agregados que compareciam. E eu era convidado especial. Estas coisas são difíceis de esquecer. E também nem quero.

Ao mio dia, ouvíamos as notícias, em seu rádio à pilha com capa de couro, enquanto mateávamos á espera do almoço que fumegava no fogão á lenha de Tia Zezé, fazendo bailar perfumes que iam do feijão, da couve, da carne de panela, da massa caseira refogada na cebola frita, e no café coado, para acompanhar as refeições.

Geremias tinha um fusca 1961 ou 1962, não tenho certeza. Verde. original. Com porta-luvas feito de bambu com telinhas de cordão como prateleira. Bem velhinho. Isso foi depois da velha bicicleta preta, que era estacionada em uma pequenina casinha que ficava na metade do morro da descida para sua casa. Mais ou menos a uns 200 metros da estrada principal, e outros 300 metros de sua casa, lá embaixo. A casinha era fechada com uma tramela, e só isso. Nunca foi roubada. Parece fantasia isso, não é verdade? Pois era assim mesmo. A casinha que servia para nosso esconderijo nas brincadeiras de "mocinho e bandido", com a "primaiada" toda. Mas, voltando ao tal fusquinha verde, velhinho, fedido, perguntei a ele a razão de não trocá-lo por um carro mais novo. Respondeu que dinheiro não lhe faltava para comprar outro carro melhor, mas a verdade era que com aquele carro ele levava os pobres, os bêbados, as moças de pouco prestígio, e não precisava se importar com cuidados de asseio no autinho velho, e que ele gostava de servir aos outros, gostava duma festinha com uma e outra  daquelas moças, gostava de levar seus pobres de cá pra lá, e que em um carro novo, ele passaria a preocupar-se mais com o carro do que com o bem estar das pessoas.

Geremias não era um sujeito religioso, mas também não era nenhum desgarrado da fé. Tinha seu lugar em sua congregação Metodista, e eram frequentes as visitas de pastores e membros de sua comunidade repartindo um almoço ou um churrasco, ou tomando uma taça de bom vinho que fazia em companhia do amigo Giovani Pizetta. E por falar no Pizetta, vou encerrar este capítulos de meu saudoso primo com um episódio divertido que presenciei.

Uma vez ao ano, Pizetta ia à casa do Geremias, para auxiliá-lo no preparo do vinho, de suas parreiras. E certo sábado, após o almoço, chega á casa o Pizetta, muito educado, com forte sotaque italiano, mas de um bom português gramatical, e com a mesma educação pergunta ao meu querido primo Saulo, um menino especial, de quem já falei):

_ O Geremias está?
Saulo, mais que prontamente, em sua inocência hospitaleira, responde à queima-roupa:
- Celemia tá cagando!

Pizetta, em um sorriso, esperou Geremias chegar. E fomos preparar o vinho.
Mais tarde, lembrando e achando graça da situação, contei ao Geremias. Ele respondeu-me:
- O Saulo é um bobaião. Eu estava só escovando os dentes.

Geremias era uns trinta anos mais velho que eu, mas por essas coisas da vida, entramos no Ginásio juntos, em 1968. Na época era feito um exame de admissão, após o quinto ano primário. Eu não fiz o quinto ano. Apenas presteis os exames, e passei em todos, pois fiz exame de admissão com nove anos de idade, e passei. E neste ano, entraram comigo, além do Geremias, também outras pessoas de mais idade, como Dona Nadir Reis, Antoninho Moreira, Hortêncio Gil, e outros, que um dia vou lembrar quem eram.

Por hoje chega, mas tem muito mais. No ano seguinte, se não falha a memória, Geremias tornou-se Presidente do grêmio Estudantil, e fez uma revolução positiva em sua gestão. Organizou festas, rifas, livro ouro, e conseguiu recursos para construir uma quadra de esportes, e montou uma banda marcial com 96 componentes, com todos os instrumentos, uniformes, maestro, e tudo o que uma banda tinha direito. E lamento informar que na minha gestão, muitos anos depois, tive que extinguir a banda, porque quase todo o dinheiro arrecadado pelo Grêmio estudantil, ia para um saco sem fundo da banda, que já estava aos pedaços, e não havia mais como recuperá-la e ainda fazer uma gestão saudável para os estudantes. Mas isso é tema para outra prosa. Vale dizer que Geremias modernizou o atendimento da cantina da escola, e fez muitas outras coisas, que a memória gentil dos ingratos tratou de enterrar no vazio. Felizmente eu ainda lembro disso, e certamente seus contemporâneos também haverão de lembrar.

Geremias era apolítico, e estimado por todos, inclusive os políticos. Tive a infelicidade, mas também a honra de acompanhar seus últimos dias, em 1983, mesmo moribundo, ainda brincalhão e risonho, cercado de irmãos e amigos. Chorei o quanto foi preciso chorar a minha perda, mas guardei tanta e tão boas lembranças que o mínimo que devo à ele, pelo carinho que teve por mim, é contar sua história, como espero que um dia, talvez dentro de uns 40 anos após o meu descanso, alguém também conte a minha, que nem é tão interessante assim.






sexta-feira, 19 de julho de 2019

O diabo se vestia de preto - Causos e coisas de minhas memórias

A imagem pode conter: 2 pessoas, pessoas em pé, sapatos, criança e atividades ao ar livre
Foto: Cilo Beux (Eu e meu primo Decio, lá pelos idos de 1961 ou 62)

Pra quem não acredita no diabo, pois saibam que ele existe, é mau, e faz "bem feito" seu trabalho, quando quer, e como sempre quer, então, sobram os respingos da infância roubada de muitas crianças pelo mundo afora. No tempo em que se fala de violência doméstica, dizendo que é um "sinal dos tempos", o que eu também acho que seja, mas estes tempos já começaram há bem mais tempo que parece. O que mudou, é que hoje a imprensa, as ideologias, que se beneficiam da desgraça para buscarem prosélitos pelo ódio e não pela esperança, fazem proliferar pelas redes sociais as histórias escabrosas, pérfidas, satânicas, das coisas que acontecem.

Pois o caso deu-se quando, após uma tragédia em família, lá nos cafundós onde eu nasci, minha avó voltou para sua terra natal, Gramado, levando junto os filhos: Minha mãe, e seus dois irmãos, e o traste que vos tecla, então, com cerca de um ano de idade. Pois nesse ínterim, entre a tragédia (que irei poupá-los de conhecer, por ora), e a construção de um ranchinho de tábuas velhas em terreno emprestado de parentes, minha mãe precisou deixar-me aos cuidados do demônio, disfarçado de tia de minha mãe. Vou tentar descrever um pouco do mau caráter do toco seco com duas pernas finas e um nariz afilado e longo, amparado por um olhar ruim, e uma voz angustiante, cuja expressão favorita era, em tom de espanto: "Mistério!". repetia isso a cada coisa que se dizia. Tudo era mistério, pavor, espanto. A Tia Margarida, a quem as ciganas chamavam de "Tia Margurita", para provocá-la. A mesma que anos mais tarde, ofereceu-me melancia, e dizendo que eu havia tomado leite, tirou da minha boca o pedaço guardou no armário para que eu não comesse. Mas o causo começa bem antes. Vou contar-lhes o que sei.

Quando ainda jovem, recém casada, com o Arcílio, conhecido por Alcides, ela encheu a barriga, por baixo do vestido preto que sempre usava, com trapos, dando a impressão de uma gravidez, que nunca aconteceu, para que o marido não fosse convocado a servir o Exército, em tempos de revolução (lá por 1923). Pois o traste tanto infernizou a vida de meus avós, que eram proprietários de terras, onde hoje se localiza a Expo Gramado, e todo aquele morro, num total de 50 hectares, que, acompanhados de minha bisavó, venderam sua parte na herança, e foram embora. Como nêmades, passaram por várias terras (Canastra, onde tinham armazém e moinho, destruido por uma inundação), Barragem do Salto, onte também tinham armazém que vendia fiado aos contrutores da barragem, cuja empresa faliu, e com isso, arrastou meus avós a buscarem outras terras lá por São Fancisco de Paula, e finalizaram onde nasci, na costa do Rio das Antas, um lugarejo chamado "Serra do Pinhão", nas proximidades de Cazuza Ferreira.

Pois lá, após a tragédia de que falei, uma carreta de mulas transportou as tábuas do rancho e suas matolotagens (pertences sem valor0, junto com a família destroçada, e o escriba do presente causo. E assim, minha mãe precisou deixar-me aos cuidados de alguém, para auxiliar a família nas arrumações da nova vida. E a escolhida foi a tal Tia Margarida, que de imediato pegou afeição pelo pacotinho que mijava nas fraldas, e enquanto minha mãe estava ausente, a velha se desmanchava em alegria. Até meu nome foi trocado, pois pela minha certidão de batismo católico (sim senhor, já me fizeram católico por conta de meu pai que seguia essa tradição), era chamado de "Paulo Calso Cardoso Borges dos Reis". A velha, porém não gostou do nome, e deu-me o nome de "Hugo Luís da Silva". Levou-me ao médico, o saudoso Dr. Erico Albrecht, e deu este nome na ficha de pacientes. (Anos mais tarde, quando trabalhei por duas vezes no hospital, contei a história, e perguntei ao Dr Erico, se ainda existia tal ficha. Ele riu, e disse que sabia quem era minha família, eram amigos, e conhecia a história, pois meu avô Assis Brasil, falecera sob seus cuidados, naquele mesmo hospital dias antes, e não deu bola pra velha maluca).

Alguns dias mais tarde, minha mãe foi visitar-me, e nesta ocasião, a velha recebia outras pessoas também. Serviu à todos, um lauto café com mistura, acompanhado de um queijo serrano, comum à época. Todos comiam e conversavam, felizes, e o futuro escriba engatinhava pelo chão, próximo à mãe. A velha, então, descasca o queijo para as visitas, e atira ao chão as casquinhas para que eu comesse. Minha mãe, ao ver aquilo, recolheu as cascas, e trocou pelo queijo servido à ela, comendo em meu lugar as casquinhas. A velha Margarida, contrariada, disse que não deveria fazer aquilo, porque o guri precisava aprender, ao que minha mãe a contradisse, dizendo que ela não permitiria que seu menino comesse cascas de queijo, enquanto ela comesse o miolo da iguaria. Suas palavras foram:
- "Meu filho não precisa comer isso. Deixe que eu como, Belzebu, digo, Tia Margarida" (Aditivo maligno acrescentado por minha conta).
- "Meu filho?" - Esbravejou a velha. Tu disse "meu filho? Pois se é "teu filho", leva essa sarna daqui!". E ela levou mesmo.


Poucos anos se passaram, e a velha, que não deixou de remoer o podio por aquela desfeita, tratou de resolver a situação, e adotou um lindo menino (o garboso da foto, com chapeuzinho), para mostrar à minha família, "como é que se criava uma criança".

Anos mais se passaram, e minha mãe, professora de nós dois na Escola Olidio Moura, certo dia, recebeu o menino, atrasado, cabisbaixo, e meio choroso, que entrou e foi assentar-se no fundo da sala, sozinho. Minha mãe, percebeu que havia algo errado, e o chamou para fora, pois percebeu manchas na sua camisa branca, tipo "Volta ao Mundo" (quem tem mais de 60 anos saberá o que eram), e pediu que ele tirasse a camisa e mostrasse as costas. Estavam lanhadas de marcas de cinta, de tanto apanhar.

Para bater nele, a velha fazia assim: segurava o menino, enquanto o velho Arcílio, já entrevado,assentado em uma cadeira de palha, batia com uma cinta, um pedaço de pau, uma vara, ou o que estivesse ao seu alcance.

Minha mãe tomou alguma providência, junto à família e um primo, Elias Francisco, assumiu a tutoria da criança, pois era o inventariante e auxiliava os velhos, o que o fez até que tivesse ido se preparar para o juízo final. Depois deu ao moço, anos mais tarde, sua parte na herança, e nunca mais ouvi falar dele. Uma pena, Um grande amigo e primo, que penou as penas cuja única culpa eram da velha diaba que vestia de preto.

No dia que morreu, o traste, os pertences foram inventariados, segundo seu desejo, e lá para minha casa, foi enviado um belíssimo relógio de parede, ao qual minha avó mandou ser devolvido imediatamente, pois só o ouvir das batidas das horas lembrava cada ato de maldade da velha. Fiquei meio triste, porque eu tinha planos de desmontar o relógio, para ver como funcionava. Paciência. É dura, mas esta é a história que vale a pena ser lembrada, pois aquela descgraça serviu para que minha família  fosse unida. Pelo menos por algum tempo. Mas foram bons tempos. Livres do feixe de urtigas vestido de preto, com um lenço também preto, amarrado á cabeça. Cabeça que só serviu para imaginar maldades, e depois dizer: "Mistério!"




quarta-feira, 17 de julho de 2019

Uma prosa pra ser contada (Poema)



Uma prosa pra ser contada
Paulo Cardoso


No frio  inverno do tempo,
me tapei de solidão
vesti um manto de aurora,
me enrodilhei na geada
prendi saudades no laço
fiz das esperança uma estrada.

No frio minuano da sorte
vi que a morte já é lembrada
ainda que venha tarde
chegando devagarito,
sorrateira, sem alarde,
é o doce amargo que arde
a acidez do limão
o beijo com gosto de adeus,
o frio aperto de mão.

Atravessei madrugadas
conversando com as estrelas
mateei com primaveras
eram chinocas faceiras
enfeitadas de quimeras.

Bebi orvalho na guampa
redesenhando a estampa
do tempo que lá ficou.

No bornal eu levo os sonhos
nos braços, a prenda amada
no peito carrego, dentro
uma paixão esquecida
um amor correspondido
e uma dor, que é quase nada.

Branqueiam os campos  da história
nas melenas invernais
tempos que se abraçaram no vento
coisas que não voltam mais.
Brandindo a adaga da sorte
eu me recolho no pala
que é rancho de quem  se foi
bebo a água da sanga
durmo da relva sagrada
a Santa Ceia do boi.


Aqui me guardo pra história
e me visto de verdade
o meu canto é de saudade
dos velhos tempos de glória.
Vivencio aquilo que lembro
e invento o que não sei mais
pero ainda sou capaz
de retomar uma prosa
como um moço que se declara
à sua prenda formosa.

Aqui deixo meu epitáfio
que vou carregar muito em vida
sou valente e não covarde
porque o mesmo aço que arde
no tilintar da peleia
é o ferro que depois corta
a terra que dá a ceia
e como aço e ferro batido
mesmo que ainda ferido
hei de lutar com bravura
se for chamado pra justa
pois a única coisa que me assusta
é morrer sem ter vivido.




domingo, 14 de julho de 2019

O Risca-faca da Rua do Pau-pega, e o Salão do Bate-Parma

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Os trejeitos povoeiros sempre foram um tema de interesse de minhas buscas para inspiração literária, e volta e meia, ouço algum destes, muitos dos quais me fazem embarcar em uma viagem ao passado, onde ouvi todo tipo de gíria (ou não), considerada vulgar, mas que ao cabo de tempos, consegui associar à linguagem matriz dos pioneiros de nossas terras. Somos ricos em vernáculo, e pobres em memória, não esta memória do que tomamos no desjejum, mas da memória que construiu nossa cultura. Não alimentamos estas memórias, antes buscamos desesperadamente aprender e assimilar novas gírias cibernéticas, para que não sejamos tomados por antiquados, amorfos, alienados desta nova civilização que está sendo formatada pelas mãos e não pela mente.

Mas o objetivo aqui não é criticar os novos tempos, e sim transitar pelos ditos que nos fazem rir, resgatados de priscas eras. Expressões entre prosas de varanda ao sabor do mate um de um caneco de café com mistura. Assim, começo pelo título deste ensaio, onde menciono o tal "Risca-faca da Rua do pau-pega", que ouvi recentemente aqui em Caldas da Imperatriz, acerca de um sujeito que recebe esta alcunha, e mora na rua supra mencionada, lugar que, presumo eu, deva ter histórias bastante pitorescas para recolher, e quando der coragem, vou procurar conhecer  tal rua, porque o "Risca-faca", segundo sei, já recolheu os pertences e foi repousar entre os justos, e os nomes ouvi justamente quando alguém contava a outrem, que o "Risca-faca" morreu.

Em Gramado, havia, lá nos tempos do Almanaque Kraemer, um pequenino salão de eventos dançantes, situado no porão de uma residência, a quem chamavam de "Salão Fumaça", ou "Salão do bate-Parma". Fumaça, porque à época, não era proibido fumar em lugares fechados, e "Bate-Parma", porque era costume no interior, que as moças ficassem de pé, recostadas à parede, e os cavalheiros, ao convidá-las para dançar, postavam-se à frente deles, e batiam palmas. Caso estivessem de duas, o afortunado deveria levar junto um companheiro, pois era indigno deixar uma senhorita de pé, sozinha. Bater palmas era um gesto elegante e um código social de boa educação. Pelo menos nestes bailes de interior. Eu mesmo, ainda  no despontar da puberdade, fui a bailes de interior, e seguindo o costume, postava-me à frente das mocinhas tímidas, e batia palmas. Funcionava. Conseguia o meu par para dançar. Pobres moças! Pisoteava-as todas. Mas ia-me embora feliz, gabola, e certo de que havia arrasado corações. Elas, com a certeza que tinham feito mais um de bobo. Enfim, saíamos todos felizes.

Não quero estar enganado, e se estiver, corrijam-me, que em canela (a pronúncia oficial de antanho era: "No Canela", assim como "No Gramado", etc), havia o tal "Salão-do-pau-do-meio", devido à uma rudimentar coluna que sustentava a parte superior da casa de madeira, também ambientando  festivas e galanteios, sabe-se lá de que modo. Eram, dizia-se, revistados, os cavalheiros, e caso não tivessem nenhuma arma de fogo, lhes era dado uma, para que "empareiassem" numa justa de bala. Falácia, mas muito bem descrevia o ambiente deveras hostil após certa hora, porque a cachaça encorajava alguns sujeitos a demonstrarem ali e naquela hora, o valor de um terciar de ferro, ou de um assovio de bala varando rente o chapéu do taura.

Eu mesmo, aos cinco ou seis anos de idade, em uma inocente festa de escola, num domingo ensolarado, vi um sujeito atravessar o salão, em direção a um bêbado, e enfiar-lhe uma carneadeira no bucho, deitando-o para a eternidade ali mesmo, na frente de todos. Aí encerrou a festa, e todos, em comitiva silenciosa, deixaram a escola e rumaram para suas casa. Eu junto. Só ficou lá, o morto, esperando que o Delegado o liberasse para o enterro. Mas isso não foi no Risca-faca e nem no Bate-Parma. Foi lá pelos lados da Linha São Paulo, interior do Canela. Tempos duras aqueles, como no Velho Oeste, sim senhor.

Levar um buléu, eu aposto que nove entre dez leitores, não saberão o que seja, embora já devam ter tomado muitos buléus na vida. Pois na linguagem mais povoeira, campeira, um buléu é um tombo, uma queda, um estabaco, e outros adjetivos próprios à época e ao lugar de onde acontece o tombo, mas eu gosto mesmo é de ouvir a palavra "Buléu", porque remonta minha infância, e a parentada que falava deste modo.

A casa mais falada, da qual desconheço uma viva alma que a tenha visitado, é a da senhora Joana, mãe de alguém, a quem também nunca conheci, mas ao que parece era uma pessoa muito cordata e de certo modo desleixada, porque qualquer ambiente desorganizado, ou sem o cumprimento das devidas regras de boa conduta, era imediatamente atribuído como similar à casa desta mãe, a tal Joana, e acho que até havia um certo clube de mães, porque muito ouvi dizer de um lugar quase escondido, porque nunca fui visitar, foi a tal casa da mãe do badanho. Ah, o Badanho, o cara que todo mundo sabia quem era a mãe e indicava a tal casa como destino de coisas às quais não saim dizer onde estavam. Pois se não sabiam onde estavam, certo é que deveriam estar num só lugar: a Casa da Mãe do Badanho. Pobre Badanho.

Mas badanho não era o único. Vivia lá pelas terras por onde andei, um sujeito de pouca estatura, que andava de cabeça baixa, boné enfiado sobre as sobrancelhas, muito bom companheiro de prosa chimarrão, contador de causos, e que falava meio que, como estivesse falando num canudo, esticando o bico, e com grave entonação, voz grossa mesmo, fazendo bico quando falava. Não sei o nome, e mesmo que soubesse, não diria, mas o apelido do varão era: "Fióudaputa". Pronunciava assim mesmo, pois era como ele pronunciava a expressão, a quem chamava à todos, daí retornar a si o apelido. E apelidos haviam muitos. Um deles é o "Mínti", um descendente germânico, que morava lá pelas redondezas de outro lugar por onde passei. Pois a mãe do "Mínti" era muito severa, braba mesmo, por assim dizer. Andava ligeiro, elétrica, de um lado a outro, cuidando das lidas do rancho, enquanto a piazada brincava do lado de fora. Mas lá pelas tantas, ela ouvia alguns gritos, próprios de onde tem gurizada jogando barrucha, e enfiando a cara na janela, berrava pro filho, com voz autoritária:

- "Mínti! Passa pra dentro!"
Minti, só levantava a cabeça e respondia:
- "Ah, Vai tomá no cu da senhora!"
Respeito é respeito. E o jogo seguia firme.




sábado, 13 de julho de 2019

O Bom Mau Humor de nossos antigos - Maria Elisa, minha avó divertida, que sonhava com merda



Pois nem só de política vive este blog. Aliás, nem sei se vive, mas pelo menos, volta e meia, eu inflo meu ego e escrevo umas poucas e mal traçadas linhas com imenso prazer, para que outros as leiam e tenham o desprazer de chegar até o fim da leitura, para descobrirem que eu não disse nada de novo. C'est la vie, diziam os mongóis!

Assim, resolvi puxar pela memória, que dizem alguns, ser de alguma serventia, e relatar aqui, para a historia, algumas pérolas do bom mau humor de personagens dos tempos de antanho, e o faço dentro do mais absoluto respeito à dignidade destes, haja vista que alguns são de minha própria massa genética, começando por minha avó, Maria Elisa, que era meio pessimista com as coisas, apesar de ser muito divertida, então às vezes eu chegava e dizia:
- Que dia tão lindo, não acha?
E ela lascava à queima-roupa:
- Lindo até que chova!  O céu tá muito baixo e muito azul! Grunf...
Ô boca aquela. pois não é que logo chovia mesmo, e chovia à cântaros? Pra que fui perguntar? isso me adicionava culpa pela chuva que chegava mais cedo só pra confirmar algum acordo feito com Maria "Ilizia", e dar-lhe credibilidade.

Maria Elisa (a quem a parentada e vizinhança, e também o resto da aldeia, insistia em tratá-la por "Tia Ilizia". Vá que seja então) tinha umas tiradas dignas de almanaque. Uma memorável era quando estava com a serotonina no vermelho, pedindo reabastecimento, e o humor ficava insuportável. Ela sabia desses dias, e tinha a civilidade de avisar com antecedência, para evitar algum desastre, e sua marca de mau humor anunciado era:
- Não fale comigo hoje! Sonhei com merda!
Era o sinal para procurar uma funda, passar a mão, se houvesse tempo, em um naco de pão, e sumir pelo mato e, de preferencia, passar lá o dia, se fosse possível, os próximos dias., porque o aguaceiro era cabuloso, sinistros mesmo. Ela cuspia fogo pelas ventas, e amaldiçoava o mundo. Depois passava, e o sinal eram as canções que ela cantava para acalmar a dor da vida. Cantava hinos, muitos hinos. Sabia quase todos do velho hinário. Cantava apenas hinos. Não aceitava que se cantasse musica profana em casa. Tá bem. Quem pode manda, quem tem juízo, obedece. E também nem me fazia muita falta cantar coisa alguma, porque minha voz é esganiçada, desafinada, fora de compasso, e absolutamente dispensável a qualquer coro que precise de cantores. Outros, sim, eu não. Pois a voz de Maria "Ilizia" era daí pra pior, mas que importância tinha isso, não é verdade?

Maria Elisa cantava sentimentos que nasciam na pleura e saíam com cheiro de fígado. Era sua catarse de dores, seu lenitivo pós crise, e sua esperança na breve vinda do Messias. Ah, sim, ela orava, rezava muito. Muito mesmo. Fielmente, de joelhos, por cerca de meia hora, duas vezes ao dia. Pela manhã, urdindo tranças, que ao final da reza balbuciada, enrolava como uma coroa à cabeça, e assim, começava o dia. Já à noite, orava novamente, desmanchando as tranças do cabelo que jamais fora cortado. Coisa de judia velha cristianizada e devota à fidelidade de suas memórias, que aliás, acho que é genético, pois isso, e apenas isso, além do olho caído, eu herdei dela. Ah, o sarcasmo também.  Ô véia sarcástica, misericórdia. Pra debochar de alguém, não pagava imposto. Ou Talvez pagasse, e por isso éramos tão pobres. ia tudo pro governo. Imposto de debochada.

Certa tarde sabadal, estava eu, feliz como ganso em taipa de açude, debaixo de oito cobertas, quando ela chamou-me para ver a neve que caía lá fora. Mandei-a catar coquinhos. Ah pra que fiz aquilo: Pra que? Alguém me responda! Pois ela deu ordens expressas ao meu tio Isaac, tão ou mais debochado que ela, o imprestável, e lá foram os dois, rindo de mim, arrancaram as cobertas e me juntaram de "cadeirinha" até à cozinha, para que visse a desgraçada da neve. Eu vi. Vi mesmo. Vi tudo. E eles ganharam o dia, rindo da minha cara. os dois imprestáveis.

Maria Elisa era mais "Maria Ilizia" do que Maria Elisa. Apenas quando convinha, ela saía do armário  e deitava o vassorão com uma empáfia assustadora. Era capaz de conversar e sintonizar seu modo de falar com o interlocutor. Por exemplo: Quando ela falava com alguma pessoa mais rude, campeira, ela tornava-se praticamente um "Zé Buscapé":
- Sialembra, Ilizia?
- Sialembrooo, Hortência!
Mas, caso ela não gostasse da pessoa, na maioria gente mais da cola fina, metida a grã-fina, ela olhava em diagonal, postura ereta, cerrava em 50% o olhar (era cega de um olho, o que facilitava na mira), e lascava, como se tivesse lambido o veráculo, e perguntava em tom ameaçador:
- Como vaissssss? - Acentuando os "S" e os "R".  Estás bem, menina?

Ai, meus sais! Se ela chamasse alguém de "menina", ou "rapaz", era encrenca da braba. A pessoa estava claramente em maus lençóis, e às vezes, discretamente eu fazia gesto com a mão para que a pessoa visse, insinuando que ela devia "passar fora", "vazar", escafeder-se dali o quanto antes, porque senão o castigo chegaria de caminhão, e o castigo era..bem, antes que conte qual era o castigo, devo esclarecer que tanto o castigo quanto as boas vindas, eram idênticas: Assentar-se à mesa e comer bolinho frito com chá de mate! O segredo era que, enquanto ela preparava a massa, fritava os bolinho, fazia o chá de mate, tinha tempo para fazer uma CPI da vida da pessoa, escarafunchar tudo, o passado dos antepassados, o presente, a situação financeira, conjugal, cor da ceroula usada pela bisavó da pessoa, tudo, tudo. Então, e só então, tratando amigo ou inimigo, com a mesma cortesia e hospitalidade, ela dava-se por satisfeita, pois tinha mais uma história para contar aos netos (à época era apenas eu. Só muitos anos depois veio o meu único primo, por parte dela, que usufruiu da fase mais idosa da anciã, mas que pode dar boas risadas também. Dela, e com ela.

Igrejeira, ela não faltava um único sábado ao culto, e chegava quando já havia começado o serviço religioso. isso não fazia diferença, porque ela passava pelo corredor, dando um saudável tabefe na orelha dos rapazes, e um sorriso para as moças.  Era um passo e um tapa: Tablaft! Outro passo e mais um tapa: Tabléft! E não adiantava encolher-se, porque ela estacava diante da vítima e dizia: Venha cá, guri!
À hora do estudo bíblico, ai de quem tentasse discutir bíblia com ela. A desgramada da anciã já leu mais de CEM vezes as sagradas Escrituras. E isso não foi uma hipérbole. Leu mesmo. Sabia tudo de cor e salteado. Já vi pastor enfiar a viola na sacolinha e cantar fininho com ela.

Este temperamento e comportamento eram sua marca registrada, e tornou-a querida até mesmo anos após a morte, aos noventa e cinco anos, sorridente, e segurando a mão do filho mais novo, seu bebê (o tal bosta que me tirou da cama e me fez a neve), levando consigo para o descanso a paz que empregou sob a perene hospitalidade, fator que carimbou sua identidade judaica guardada no fundo do armário.

Certa noite, acordei com o barulho dela tentando abrir a porta de meu quarto com uma faca (a casa não tinha fechaduras internas, e sim tramelas), para buscar uma coberta, porque havia acolhido um mendigo, e ele iria dormir lá em casa. Fazia isso com frequência. Nossa casa era cheia de mendigos, seja para que ela investigasse suas vidas e os alimentasse, ou para que mesmo dormissem lá por uma ou duas noites. Teve um caso de uma família que foi hospedada lá em casa, por algumas semanas. Era assim que Maria Elisa tratava as pessoas. Em hebraico isso se chama "Tsedacá" - Justiça Social. Ela não considerava isso uma caridade, porque dizia que eram filhos de D-s, portanto nossos irmãos, e tinham que ser acolhidos daquela maneira. Tenho que confessar que sinto inveja disso, mesmo. Sinto vergonha de mim por não ter aprendido tantas lições de cortesia, bondade, hospitalidade. Claro que o que aprendi a foi a ser debochado, e sinceramente, eu também ás vezes sonho com merda. Isso me possibilita largar as patas em quem me incomodar. A propósito, você está rindo do que? Diz na minha cara! Hoje eu sonhei com merda!

sexta-feira, 12 de julho de 2019

O Apocalipse do Bem e do Mal de nossos dias




Quando eu era pequeno, ou melhor dito, desde quando eu era pequeno, fui ensinado a estudar profecias, especialmente profecias apocalípticas, embora o adjetivo não defina exatamente a expressão, e em geral as pessoas  tratem do tema do livro de Apocalipse (Revelação), com certo espanto, e algumas com muito pavor mesmo, ao ponto de tornar a palavra maldita, evitada, e deixada guardada no fim da Bíblia, apenas para os loucos, os melancólicos, e os eruditos.

Houve tempo, e não faz muito, que ouvia dizer que quem lê este livro, morre louco. Eu confirmo isso. Já morri louco umas cinco vezes, doido de atar em poste, mas ainda assim, fiz do livro minha fonte de perguntas para as respostas que já tinha prontas.

E por que eu começo uma reflexão política, citando um livro da Bíblia? Exatamente porque não há melhor definição para o que está acontecendo no mundo, do que um cenário apocalíptico, onde mentir descaradamente tornou-se um "mal necessário" para implementação das ideias obstinadas de quem quer mudar a ordem do mundo e das coisas de qualquer modo, a qualquer custo, e sob qualquer pretexto.

Não há melhor lugar para encontrar paralelos acerca da ganância, da inveja, da falácia, da disseminação de desconfiança, da mentira deslavada, do mal se mostrando como mal, ainda que diga que seja bem, do que nas Sagradas escrituras, onde citações como:  "Ai daqueles que arrastam a correção com as cordas da indisciplina, e a pena do pecado como com os tirantes de um carro!
Isaías 5:18", ou: "Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!"
Isaías 5:20: Ou ainda: "Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!
Ai daqueles que são sábios aos próprios olhos, e prudentes em seu próprio juízo!"

Isaías 5:20,21: "{ai} daqueles que, por uma dádiva, absolvem o culpado, e negam justiça àquele que tem o direito a seu lado!"
Isaías 5:23Por isso o furor do Senhor se inflama contra seu povo, apodera-se dele e o castiga; os montes tremem, seus cadáveres, como carniça, jazem nas ruas. Entretanto, sua cólera não se aplacou, e sua mão está prestes a precipitar-se.Isaías 5:25

E ainda há quem ache que o D-s (Deus)do Antigo testamento seja rude, mau, sem amor, no que eu discordo completamente, porque vejo apenas Homens ímpios, maus, mentirosos, estúpidos, que recebem a paga de seus crimes e sentem o frio e o fio da espada que faz justiça. Ou acaso serão tidos por inocentes aqueles que fazem conspirações pelos cantos com intenção de pisotear o justo? Acaso serão tomados por inocentes no dia do ajuste de contas com O Todo Poderoso? Não! Será um dia de remorso, sem arrependimento. será um dia frio e coberto de cinzas, porque em tempo algum haverá perdão para aqueles que fazem da mentira e do engano o seu abrigo e modo de andar entre as pessoas.

Pasmamos e perplexos ficamos cada dia mais, diante das descabidas ofensas à verdade e ao bom senso que fazem tais pessoas, e nossas mãos parecem amordaçadas, e nossos lábios entorpecidos, que apenas desejamos que brotem heróis para que nos salvem. Não brotará nenhum herói se não brotarmos nosso desejo e determinada ação em fortalecer a verdade, fortalecer a justiça, e sobretudo, fortalecer a nação, pois fortalecendo a Nação, fortaleceremos o Estado. fortalecendo o Estado, fortaleceremos a nossa aldeia, e fortalecendo a aldeia, daremos força à família, lugar onde cada indivíduo é o mais importante de todos, e pelo qual todos se unem em protegê-lo, até de si mesmo, quando necessário.

Pareço pessimista e descrente, e não fiz nenhuma piada neste ensaio, mas é justamente porque ainda posso refletir e pensar livremente, que escolho a verdade, e por escolher a verdade,  muitas vezes, recebo como troco a injustiça. Trago à mim a reflexão, mas creio ser extensiva à muitos, não todos. Trago o alerta para que meditem sobre o que está sendo dito pelos parlamentares, pelos terroristas que começam falando em democracia e terminam proibindo de se falar em democracia. A mesma democracia que serve a que sejam ouvidos, servirá para que sejamos por eles, calados, se vencerem esta batalha.

Eu escolho pensar que não há mais solução estritamente humana, mas que  será por mãos humanas e corações ainda mais humanos, que todas as escolhas serão feitas. Escolho pensar que se investíssemos mais nosso tempo em sonhar com dias melhores do que remoer os piores dias de nossas lembranças, ao menos teremos um lugar de paz para repousar nossa esperança, ainda que escondido em algum lugar limpo de nossos corações.

Minha "quase esposa" do Tadjiquistão

Pois parece um pesadelo doido, mas o fato deu-se como verdadeiro. Eis o causo: No cotidiano da faina, lá pelos idos de 2012, recebo pelo mes...