AD SENSE

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Pra não dizer que não lembrei dos loucos





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Erasmo de Roterdã, escreveu, em homenagem ao amigo Thomas Morus (autor de "Utopia"), um livrinho com apenas 78 páginas, contando com o prefácio, onde faz uma bem humorada e inteligente crítica à Igreja católica, mas de forma tão bem feita, que até o Papa Leão X achou a obra divertida. Esta mesma obra foi um dos gatilhos para o surgimento do Protestantismo.

O livro começa com um aspecto satírico para depois tomar um aspecto mais sombrio, em uma série de orações, já que a loucura aprecia a auto-depreciação, e passa então a uma apreciação satírica dos abusos supersticiosos da doutrina católica e das práticas corruptas da Igreja Católica Romana. O ensaio termina com um testamento claro e por vezes emocionante dos ideais cristãos.

Então, o que parece ser uma elegia satírica, torna-se um preâmbulo para o próximo capítulo do pensamento ocidental. Mas o tema central é a Loucura, uma personagem, que trago para minhas reflexões, e direciono como um obelisco imaterial, que mostra o fálico torpor do louco que habita pelas vielas de todo lugar por onde passamos. Atrás de casa esquina, à sombra de cada poste á noite, um ser quase irreal contorce-se com angustiante certeza, anunciando, ora o fim do mundo, ora a existência de um corrupto no seu sanduíche, e ao final de tudo, dá uma sonora gargalhada e cospe do café do freguês de um bar, que fica paralisado, não reage, ou reage com medo do louco. E o louco é louco, mas não é burro, e solta outra gargalhada e cospe de novo. No prato do outro freguês, que ria do primeiro.

Todo lugar tem um louco. O louco que quer ser rei, para sentar-se ao trono e bolinar as cortesãs. Ou quer ser o Primeiro-Ministro de um reino distante, para mudar a ordem das coisas. Anarquizar, talvez, esculhambar a sociedade estabelecida e fundar o caos. Todo lugar tem um louco. Não, não estou falando do perturbado mental, do esquizofrênico, daquele que sofre algum distúrbio de comportamento, não senhor. Estes são apenas pessoas enfermas. O louco não é assim, porque se finge de normal. Finge ser louco para que pensem que sua loucura é sua fraqueza, sem que percebam que são os loucos quem mandam no mundo (obrigado por emprestar-me a frase, amigo Professor Pachecão). Mandam sim, só que não são apanhados, porque disfarçam muito bem. Frequentam reuniões públicas, assembleias de condomínios, usam a tribuna do povo nas câmaras e assembleias, usam o poder esmagador de minoria confusa, e acabam constrangendo os demais a que se submetam aos seus "siricuticos e chiliques", quando são contrariados. Vociferam seu coitadismo e constrangem seus pares, e quando tudo termina, sorriem e arrumam a gola ao saírem, como se nada tivesse acontecido. Atrás de si, um cenário de tsunami mental. Pessoas com olhos esbugalhados, catalépticas, tremendo e enroscadas em posição fetal aos frouxos de riso ou choro, não definem bem o que seja. O louco passou por ali. Saiu à francesa para acorrentar-se na praça, em penitência pelos pecados alheios. Claro, se receber um óbulo por sua dor, a canequinha agradece.

Há os loucos humildes, mas também os pavões. À sua frente vão seus lacaios ( fico impressionado, como os loucos ainda arregimentam seguidores fiéis, tão fiéis?)tocando trombeta em uma bota de borracha jogada fora. Não se joga bota velha fora! - diz o louco, de dedo em riste, do alto de um pedestal de caixa de feira. E e entrega com solene piedade à um seguidor mais jovem, que sente-se profundamente honrado em receber de seu mestre tamanha deferência. E o lacaio toca novamente sua trombeta, no ouvido de um passageiro que espera pelo ônibus. O louco passa e todos se curvam, até quem não o conhece, pois curva-se porque todos se curvam, e ninguém quer ser diferente. Ninguém ousa mudar os marcos antigos da tradição, ainda que a tradição mande seguir um louco. O louco que inventou tal tradição. Cuidado que lá vem o louco, beijar a loucura, e dançar com a insanidade. Cuidado com o louco, berra outro louco. É sempre bom tomar cuidado. Especialmente com o louco, E pior ainda se ele não for louco, e só se faça de louco pra defecar no meio da sala? Que os faça, na casa dele, mas não na casa do povo. Senão, louco é quem escolheu o louco. Além de louco, quem faz isso, é também, burro.






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