Bernardido dos Reis e Dorcelina da Rosa
Eu confesso que gostaria de publicar esta história em publicação à parte, mas perceberão que os personagens se conectam. Então, boa leitura.
Dorcelina passou a chamar-se Dorcelina Eufrásio dos Reis, eram naturais de Rolante, interior do Rio Grande do Sul. Mudaram para Gramado, por volta de 1950, onde foram trabalhar como caseiros em uma chácara da família Neugebauer, os fabricantes de chocolate, de Porto Alegre. Eram agricultores, e Bernardino foi trabalhar como madeireiro, com os Dinnebier, onde permaneceu até sua aposentadoria.
Dorcelina, conhecida como Dorça, era habilidosa na arte culinária, e Bernardino, quando não estava no trabalho da madeireira, lidava com suas reses, e tocavam a vida, dividida entre trabalho, e sua fé. Formaram as famílias precursoras da fundação do grupo religioso local, dos Adventistas do Sétimo Dia. O casal teve três filhos: Lenira, Cenira e Naor.
Recordar desta família corresponde a uma parte significativa de minha infância e juventude, porque fui criado neste meio religioso. Eu explico: Minha avó, Maria Elisa, de quem já contei algumas coisas, conheceu a fé Adventista do Sétimo Dia, em uma situação bastante curiosa. Foi assim: Foi batizada, ao nascer, na fé Católica, onde permaneceu até por volta dos dez anos de idade. Neste tempo, por influência do seu tio, José Francisco de Oliveira, vulgo "Zé Tristão" (olhe como são as coisas, pois "Zé Tristão", não foi ninguém, senão aquele que meteu uma carga de cacos de pregos, como munição da pistola, na cabeça do pai dela, Victor Pereira Dias, por conta de uma traição descoberta por "Zé Tristão", por façanha do concunhado, Victor sofreu a ira de um imenso par de guampas, e como consequência (esperada, naquele tempo e de acordo com a cultura local), serviu de alvo para a mira do ofendido chifrudo. Certo, sei que fui sarcástico com algo tão terrível, mas querem o que? Que eu fique guardando rancor, por algo que aconteceu em 1912, noventa e nove anos atrás? Não, eu não vou. Mas vamos em frente.
Lenira e Naor dos Reis. Ao fundo, DorcelinaMaria Elisa, sob intensos protestos do avô, Tristão de Oliveira, mudou de religião, e tornou-se, Luterana, e, ah, sim, estava esquecendo, que foi "Zé Tristão" quem levou esta denominação religiosa para Gramado e Canela. Isso mesmo, o assassino do pai. Que bom que ele se arrependeu. Mas, e o que isso tem a ver com o casal Reis, se nem existiam nesse tempo, e muito menos, moravam em Gramado?
Ah, é aqui sim que começa a segunda parte da narrativa, pois, lá pelos vinte e tantos anos de idade, seu irmão, João Victor Pereira Dias, ou doravante denominado "Tio João", conta à ela, quase em êxtase, que havia descoberto uma religião, lá por Rolante, Ou Taquara, cujos prosélitos, "guardavam o Sábado, e não comiam carne de porco!". Ora, isso era quase uma libertação para os irmãos, pois liam nas suas Bíblias que eram práticas destinada "unicamente aos judeus", segundo sabiam, mas que agora apareceu uma igreja, onde esse costume fazia parte das doutrinas, e pregavam que Jesus é O Messias, igualzinho era pregado nas igrejas Católica, e Luterana, de onde eram egressos. Então, tomaram ali mesmo a decisão de procurar pessoas que seguissem essa orientação religiosa, e as encontraram, em Gramado.
Casa de Amélia KraemerA princípio, localizaram a viúva Amélia Kraemer (fiquem tranquilos, a Casa da Amélia Kraemer também estará aqui neste blog, se D's permitir. Já foi desenhada até), e mais algumas pessoas, e por conta da existência deste pequeno grupo, Amélia cedeu um pedacinho de seu belíssimo terreno, no alto do morro, na estrada que terminava no protão do paradisíaco jardim de Oscar Knorr (Mais tarde, Parque Knorr e hoje, tem um empreendimento de turismo no local). Ali nasceu então a primeira Igreja Adventista de Gramado. Pouco tempo depois, chegam à Gramado, os agricultores Bernardino e Dorcelina, como já mencionado, oriundos exatamente do lugar de onde João Victor descobrira os guardadores do Sábado, e abstêmios de costelinha suína, mas que acreditavam em Jesus.
Minhas lembranças pessoais, são de um breve salto no tempo, pois nasci em 1957, e então meus registros mais prisco remontam o ano de 1960. E desde esse tempo, minha convivência religiosa foi com o filho do casal, Naor Reis, meu querido amigo até o dia de hoje.
Minha avó Maria Elisa tinha opiniões contundentes, e nessa condição, encontrava desafetos, e com eles travava embates, sempre ideológicos ou doutrinário. A religião instiga isso nas pessoas, a defesa de suas convicções com paixão. Assim, Bernardino e Maria Elisa, viviam às turras, um com o outro e outro com o um. Porém, vi certo dia, que tudo isso não passava de uma fina casca, onde prevalecia o respeito mútuo e uma amizade duradoura. Isso aconteceu no dia em que o grupo local, por razões administrativas, seria elevado à condição de igreja constituída, dentro dos padrões da organização Adventista, e nestes padrões, em sua administração local, existem certos cargos que demandam aprovação de uma assembleia, para a eleição dos cargos necessários ao funcionamento regular da congregação. O cargo mais importante, entre os membros leigos, é o de Ancião, seguido do Diácono. O primeiro ocupa-se das demandas de cunho espiritual, e dirige o funcionamento em geral, e o segundo, é o responsável pela manutenção do patrimônio físico e bom funcionamento dos cultos e serviços.
Lembro que uma comissão de pastores, provenientes da administração regional, visitou Maria Elisa, para ouvi-la, na sua condição de pioneira, sobre uma indicação dela à escolha dos candidatos aos cargos mencionados. Maria Elisa não hesitou ao responder:
-"Não vejo nenhum outro nome que preencha satisfatoriamente os requisitos para o ancionato, do que o Bernardino dos Reis!" E assim foi que foi. Bernardino tornou-se o primeiro Ancião da Igreja Adventista do Sétimo Dia de Gramado. Este fato, em seus pormenores, não está no livro de Atas da igreja, mas pode ser acrescentado quando alguém contar esta história.
Minhas lembranças deste tempo, vão até sua pequenina casa, aqui retratada, com o rigor da memória e sustentado por algumas fotografias, cedida por Naor. Eram caseiros da chácara e da casa maior, dos Neugebauer, quem tinha uma piscina, onde servia de tanque para os batismos por imersão, realizados pelos membros da igrejinha local. Eu e meu tio Samuel Isaac, fomos batizados neste local. Eu tinha dez anos de idade. A foto desse dia, deve estar na caixa de caminhas que minha mãe Ester, guarda fotos antigas. O pastor que me batizou, chamava-se Ivo Souza, que perdeu a vida em um trágico acidente de automóvel. Uma escola em Rolante, RS, tem o seu nome, em homenagem.
Passaram pela igrejinha de Gramados alguns nomes, que tentarei recordar: Darcy Trojan, Ivo Souza, Walkdemar Lietzke, Siegfrid Hoffman, entre outros.
Recordo, com muito carinho, das reuniões de jovens, organizadas no local, geralmente nos sábados à noite, que no jargão religioso dos adventistas de então, era chamado de "Sociais". Eram sociais mesmo, e cantava-se contavam-se histórias, ria-se muito, e confraternizava-se saboreando os petiscos e guloseimas que Dorcelina (Dorça) provia aos participantes. Recebiam ali, como era também de costume, pastores, aos quais acolhiam e hospedavam, assim como a obreiros (Colportores, dirigentes, estudantes e familiares vindos de longe), e cobravam deles apenas que oferecessem alguma "Variação", um tipo de exibição artística, sempre com temas de louvor. Ali encontravam-se Quartetos, muito afinados, corais, e eventualmente tais encontros ainda resultavam em namoros. Bons tempo, bons tempos.
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Bernardino era responsável pela madeireira dos irmãos Dinnebier, até sua aposentadoria. Doça, sempre tomou conta do lar, e a culinária era um de seus dotes sociais preferidos. Foi com ela que aprendi a fazer "Cuscuz de Aipim", que ela fazia, ralando o Aipim, e ainda fazendo polvilho pelo suco do Aipim.
Ganhei dela, ainda, um panelão de ferro fundido, que estava "largado" no jardim, sem utilidade. Teci rasgados elogios ao tal panelão e ela doou-o generosamente à minha pessoa, e para minha felicidade semi absoluta, ao mandar remover a ferrugem por meio de jato de areia, constatei que estava perfeito, intacto, sem nenhum furo, e que ainda poderia ser utilizada para cozinhar uma deliciosa polenta, ou um arroz carreteiro saboroso. Infelizmente, vendemos a casa, recém construída, e viemos morar longe da casa e da panela. Mas, não esqueci quem "ma" doou. Não mesmo.
Mas não para aí a lembrança de uma particular atividade de Dorça: Ela era responsável por manter a pequenina igreja, sempre acolhedora e receptiva, e essa qualidade sempre é melhor servida, se houver flores, muitas, perfumadas e belas flores. Foi assim, que Dorça cultivava em seu pequenino jardim (e que fiz questão de ilustrar), belíssima Dálias, enormes, coloridas, perfumadas. Foi o último presente que ganhei de Dorça, como compensação de meu abusado auto oferecimento para comer o Cuscuz de Aipim que só Dorça eu vi fazer.
Na igreja, Bernardino costumava ensinar as doutrinas bíblicas de sua fé. Em casa, era brincalhão e divertido, bem humorado. E ambos repousaram, no fim da carreira da fé, com os olhos do corpo fechados para o sono dos justos, e o outro, o da alma, perpetuado e fixos no infinito, de onde esperam ver Seu Messias, Jesus, chegando. O mesmo Jesus que, segundo, minha vó, Maria Elisa, tinha certeza de que O veria chegar ainda em vida. Bem. Maria Elisa sempre acertou na previsão do clima, e não será dessa vez que falhará sua experiência e fé. Bernardino e Dorça, sabiam disso.
O primeiro Pastor que perambulou por esta querência, foi José Amador dos Reis, que batizou Maria Elisa, minha avó, e Maria Francisca, minha bisavó, em 1942.
Amélia Kraemer
Mas é claro que eu poderia ter começado esta narrativa falando de Amélia Kraemer, afinal ela foi a primeira adventista da cidade, na época ainda um Distrito de Taquara, e também mantenedora e benfeitora, ao doar terreno para a construção da pequenina casa de madeira pintada com óleo queimado, que serviu de templo para a congregação que se formava.
De Amélia, recordo de suas visitas à minha avó, Maria Elisa, nunca ia de mãos vazias, e levava presentes de seu pomar e despensa, como biscoitos e frutas. Ela levava sempre uma sacolinha, e pedia que lhe fossem devolvidas as cascas das laranjas, pois as encaminhava ao Laboratório da família, o afamado Laboratório Kraemer, de Porto Alegre.
Este laboratório produzia, entre outros, o "Almanaque Iza", distribuído todos os anos, no final do ano, que continha, em suas poucas páginas, um conjunto de informações sobre saúde, clima, variedades, clima, plantio, e humor.
Amélia era de baixa estatura, miudinha, usava aquele óculos redondinho que toda vovozinha alemã usava, e era de agradável companhia nas prosas. As duas, permaneciam por várias horas conversando, e a religião era o tema predominante.
Amélia era mãe de Lúcia, que era esposa do Dr. Siegfrid Hofmann, médico e pastor adventista, um dos pioneiros da medicina e educação adventista no Brasil. Isso é contado no Year Book, dos anais da Organização Mundial Adventista.
A pequenina igreja, foi mudada para a Rua São Pedro, em 1972, para um templo maior, onde se encontra ainda hoje. Seus personagens pioneiros já descansam, todos dormem por um pouquinho de tempo ainda, porque confiaram que Aquele que há de vir, virá, não tardará.
O Quarteto Arautos do Rei era o cancioneiro oficial do programa de rádio "A Voz da Profecia", e acompanhava o Pastor Roberto Rabello, em programas semanais compartilhados por centenas de emissoras de rádio pelo Brasil.
2 comentários:
Paulo!!!! Voltei ao passado,vivi parte desta história junto Bernardino e a Dorca. Quando a igreja era ao lado do Hotel das Hortênsias,acompanhada de minha mãe Olivia Casagrande , Adventista, eu e meus irmãos íamos com nossa mãe e a irmã Jovina,se não me falha a memória era irmã do Bernardino..
Sim Jovina era irmão do Bernardino. Mãe do Milton,e do Gilmar, não lembro o nome da menina, irmã deles
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