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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Liberdade criativa - Qual é o limite de ser livre?

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Conversando com um amigo, da área criativa, que recentemente ficou desempregado, falávamos sobre o "tempo livre", Sugeri à ele que use o tempo "livre" como um tempo especial, destinando-o ao andar criativo, buscar soluções.

Mas o que é um "andar criativo", e o que é a liberdade, no campo das ideias? Quais são os seus limites aceitáveis? É bom ser livre? Ou que é ser livre? O quando de liberdade contribui com nosso crescimento pessoal, ético ou profissional?

Não me entendam errado, pois não estou apregoando a servidão como ideal de vida, nem fazendo apologia à perda (alguns gostam de dizer "perca") de autonomia no processo criativo. Veja que nem na arte há uma liberdade absoluta, pois há um conjunto de regras do uso dos materiais, das técnicas, do conhecimento dos estilo, e a ideia principal, pois sem uma ideia não há arte.

Minha construção temática está no limite entre o excesso da liberdade, e o conjunto de vetores (ok, chame de regras) para aproveitamento criativo. Claro que você pode criar algo sem utilidade, completamente "non sense", e pode chamar de seu. Porém, se aceita a máxima de que tudo tem um propósito, a criatividade também tem o seu, e o propósito criativo do Criador, foi estabelecer um ambiente criativo e construir um "coautor" daquilo que ainda havia por ser criado. Assim, colocou D-s, O Homem num privilegiado posto avançado de natureza criativa, reativa, proativa, e por fim, muito viva. Porém..... Com parâmetros para que tal criatividade pudesse fluir sem limite de tempo e espaço.

Um rio que não tem margens, torna-se um charco. Até o mar, delimita o ir e vir de suas águas. Tudo está sujeito às normas, para que não perca seu rumo, seus objetivos. As normas, ainda que na liberdade da criatividade são a essência do direcionamento criativo. Sem regras, a própria essência criativa deixa de existir, porque se o que está estabelecido é o velho, o que há de ser criado, é o novo, então para que seja denominado novo, a regra diz que haja o parâmetro do antigo. Para que se caminhe, a regra ensina que é necessário o movimento, o deslocamento, contrário ao que está estático. Então, se houve quebra de ação pela reação, o novo é a regra de ação do velho.

Ser livre não algo ilimitado, nem estacionário, pois liberdade pressupõe movimento, ação, interação e modificação. Assim, ser livre é ser atrelado à regra de ação e reação, portanto até mesmo a liberdade tem limites e normas a seguir, para que se efetive como verdadeiramente livre.

Criar é o ato de acionar a liberdade de mudar, interagir, transformar. Agir é continuar a agir, reagir, interagir e resultar em transformação. Então, é verdadeiramente livre a criatividade?

 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Todas as Manhãs em Gramado - Os ilustres furões

Romeu Dutra e Horst Volk

Os ilustres “furões” (Penetras)


Isso aconteceu por ocasião de um Festival de Cinema, em Gramado, não estou certo se foi no quarto, ou quinto. Parece-me mais viável que tenha sida a quarta edição, o que também não importa quando, e sim, o que aconteceu.

Ocorre, que nesse tempo, o comando político da Prefeitura, havia mudado de corrente partidária, e dominava a turma do então MDB, que recém tomara o comando da ARENA, o partido do Governo militar.

Acontece, que durante estes eventos, os patrocinadores sempre faziam (acho que ainda fazem, não sei, há muitos anos que não sou mais convidado)festas memoráveis, os famosos “coquetéis” e “desfiles”. Empresas como uma tradicional joalheria da Capital, ou importantes lojas de confecção de renome, enfim, eram festas supimpas, de encher o bandulho e lamber os beiços, com muito barulho, música alta, e jovens atraentes balouçando as polpas e tudo o que seja possível balançar no andejar requebrado que praticavam nos corredores dos hotéis e dos salões de eventos.

Por ser aspone (assessor de porcaria nenhuma), eu era o “faz-tudo-e-mais-um-pouco”, e uma das minhas tarefas, era ficar junto à porta, observando quem chegava, para eventualmente liberar o acesso de algum convidado ilustre que esquecera o crachá.

E eu estava no lugar certo, e na hora certa, quando olhei lá for, pelas paredes de vidro do hotel, e vi duas figuras solitárias, de nariz colado ao vidro, olhando com timidez para o lado de dentro, parecendo com aqueles meninos que ficam espiando pela vitrine de um restaurante, enquanto comensais se abastecem de guloseimas.

Estes dois senhores eram, respectivamente, o Ex-Prefeito, e seu Ex-Secretário de Turismo, e também Presidente da comissão organizadora dos festivais anteriores, que assistiam o espetáculo, motivado e criado por eles, mas que não tinham mais o privilégio se estarem à primeira fila. Isto é, não tinham, por seu status de derrotados nas urnas, mas como eu nunca dei importância pra urna, não tive nenhuma dúvida: Fui lá fora conversar com eles, e perguntei:

- Por que os senhores não estão lá dentro?

- Porque não fomos convidados! Foi a resposta.

- Vamos corrigir isso imediatamente: Os senhores são MEUS convidados, e entrarão comigo, e tomarão seus assentos em lugar que merecem!

E assim foi feito.

Às vezes a gente pode ser um bostinha, mas saber dar o carteiraço na hora certa, tem o seu valor, e não há Mastercard que pague.

Eu era o bostinha convencido, metido, que não deixava ninguém ser humilhado, se fosse eu capaz de comprar a briga. E comprei. Tomei mijada do chefe. Azar. Eu fiz o que minha consciência mandou. E faria novamente.



Todas as manhãs em Gramado - Giuseppe Bardini, e a mesa de Cerejeira




Todas as manhãs em Gramado

Os nomes são fictícios, mas as histórias podem ser reais.

Pacard
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Giuseppe Bardini, e a mesa de Cerejeira

Giuseppe Bardini era um velho carpinteiro, daquele “das antigas”, que carregava consigo uma serra de arco, arco de púa, martelo de orelhas, daqueles quadrados, que nem se fazem mais, cuja cabeça amassada se esparramava sobre o aço puído pelo desgaste dos anos; um velho cutelo polido pelo uso, além de uma plaina com “corpo” de madeira, e pequenos acessórios que se juntavam à uma caixa de pregos, novos, ou reciclados, obtidos nas reformas das velhas casas, por onde passava para reformá-las.

Era um homem metódico, dócil, e cordato. Descendente de italianos, Giuseppe se ocupava da faina desde sua tenra infância, quando, ainda lá na “Colonha” (como era chamada a roça, e seus moradores, eram chamados, por uns, orgulhosamente, mas pelos moradores do Centro, por troça, deboche, “Colonos”), ajudava o pai e o avô, nas tarefas de manutenção das cercas, galpões, e casas da circunvizinhança. Deste princípio, deu andamento à atividade, e tornou-se um respeitado carpinteiro na sede do município, onde foi morar em definitivo.

Eu o conheci, quando deveria ter, pelos meus cálculos, uns sessenta anos. Eu trabalhava com projetos para interiores, que nesse tempo era chamado de “Decoração”, e mais tarde, passou a ser conhecido como “DI, ou Design de Interiores”. Dá no mesmo. O fato era que eu era contratado pelas pessoas para desenhar o interior e os móveis de suas casas, e como tal, também coordenava a execução dos trabalhos, contratando, ou supervisionando o trabalho destes especialistas. Giuseppe era um destes, que foi chamado pelo cliente, e apresentado a mim para que trabalhássemos juntos naquela obra.

Uma pessoa, como mencionei, cordata, doce, e manso no falar, educado, e respeitoso, Giuseppe me tratava por “senhor”, apesar de que eu tivesse cerca de trinta e poucos anos, a metade de sua idade. Mas ele não abria mão desse tipo de cortesia, o que, de certa forma, me constrangia, mas ao memo tempo me ensinava que cortesia vai muito além de saber montar uma mesa e puxar a cadeira para uma senhora (alguém ainda puxa a cadeira para uma senhora? Tenho que rever isso urgentemente, eu mesmo), ou bater à porta com delicadeza, ao visitar alguém. Pois Giuseppe era desse jeito: cortês!

Uma das peças a serem trabalhadas, era uma mesa de churrasco, de madeira maciça, com pranchas enormes, espessas, e de uma madeira muito bem preservada. Eram pranchas de “Cerejeira”, uma madeira já extinta, de cheiro forte e adocicado, de cor amarala e rajada com pintas escoras, como uma galinha carijó.

A mesa deveria ter cerca de três metros de comprimento, por um metro de largura, o que significava o uso de três pranchas inteiras para essa tarefa. Acontece que a madeira tem suas peculiaridades, e eu digo que, ainda que morta a árvore, a madeira tem “vida própria”, uma “segunda vida”, isto é, um comportamento físico que, quando exposto à variações de temperatura, tente a expandir-se, de forma desigual, por conta dos materiais dos quais é composta: Fibras e resinas. As fibras são porosas e possuem elasticidade aceitáveis, o que permite à árvore contorcer-se pela ação dos ventos, e variações climáticas, sem quebrar, ou romper-se durante seu ciclo de vida. O outro material, as resinas, são os fluidos que alimentam as células da árvore, e com a variação do tempo, se solidificam, e dão a solidez necessária à árvore, como se fosse o concreto, e as fibras, o ferro e o cascalho. É assim que a Natureza trabalha, no comum acordo de funções dos elementos.

O que acontece é que, ao interromper-se o ciclo vivo das árvores, os materiais, por razões físicas de sua formação celular e molecular, tendem a repetir “instintivamente” os movimentos que ocorriam, quando a árvore estava viva. Por exemplo: Quando uma madeira é colocada ainda “verde”, recém cortada, hidratada, numa estufa de secagem, o ambiente de elevada temperatura, vento, e umidade, forçam estes movimentos, e a madeira sai toda retorcida, o que é corrigido com engradamento, empilhamento espaçado por certo tempo (cada madeira tem suas regras), para que assuma a forma ereta desejada para seu uso industrial. Esse efeito é chamado de “Canostro”, do italiano “Canestra – Cesta”, porque forma uma “concha” na tábua afetada.

Outro modo de secagem, é o modo natural, chamado de “Air Dry”, isto é, secada ao vento, em um local protegido da luz solar e das intempéries. Leva mais tempo, mas obtém resultado satisfatório também. Porém, é sempre necessário respeitar os limites dos materiais, bem como prover recursos físico-mecânicos que deem estabilidade à madeira, no ambiente em que for utilizada.

O cliente solicitou que eu desenhasse uma mesa de churrasco, então, com as tais pranchas de Cerejeira, que estavam guardadas havia muito tempo, mais de três anos, em um depósito de uma velha marcenaria.

Orientei, no projeto, que as pranchas fossem seccionadas na parte de baixo, com um corte de serra transversalmente, de até metade da espessura da tábua, a cada cinquenta centímetros, para romper a resistência das fibras, e desta forma, evitar o empenamento das tábuas.

Desenhei, detalhei, expliquei, justifiquei, e passei o projeto ao velho e bom Giuseppe, que concordou com tudo, e pôs-se a fabricar a tal mesa. Passados alguns dias, voltei à obra, e lá estava ela, bela, majestosa, imponente e muito bem acabada, mesa de churrasco, em Cerejeira maciça.

Como fazia sempre, instintivamente passei a mão por baixo do tampo, para conferir a presença das fendas que projetei. Não estavam lá. Olhei, e as tábuas estavam lisinhas, sem nenhuma marca de serra. Não falei nada. Nem foi preciso, pois o meu querido parceiro percebeu minha preocupação, e falou, educadamente, como sempre:
- O senhor pode ficar tranquilo. O Francisco, contramestre da marcenaria disse que “agarante” a qualidade das madeiras, pois estavam guardadas secando, havia muito tempo, e que era besteira cortar as fendas que o senhor sugeriu!

- Bem! Disse eu: se o Francisco “agarante”, quem sou eu para duvidar. Parabenizei Giuseppe, e segui adiante.

Dois dias depois, voltei lá, e meus olhos correram automaticamente para os topos da mesa, e percebi que dos dois lados, haviam fendas de cerca de vinte a trinta centímetros, rachaduras mesmo. Não falei nada, apenas sorri (penso eu que com brandura, sem maldade), e nem foi preciso dizer nada, pois o velho Giuseppe, com olhos arregalados, começou a contar:

-Pois é, seu Paulo! Eu estava trabalhando aqui, e ouvi: “TUM!”...dali a pouco, ouvi novamente: “TUM!”...e foi “TUM TUM TUM!”, uma atrás do outro, e quando vi, todas as pontas estavam rachadas. Acho que foi o calor!

- Claro, seu Giuseppe! O calor faz coisas estranhas!

Mas não falei nada. Mais alguns dias, voltei lá, e a mesa estava reparada (ele era um exímio artista no trato com a madeira, apesar de ter confiado no contramestre que “agarantia”. Coisa da vida. Instintivamente passei a mão debaixo da mesa, e lá estavam as minhas ranhuras, meticulosamente seccionadas.

Naquele dia, eu aprendi uma lição: Humildade é tudo. Ele tinha por nós dois. Ele aprendeu algo que desconhecia e que na minha juventude, aprendi que quando chegasse à idade dele, gostaria de aprender muito dos jovens. Levei isso a serio e até hoje, os jovens são meus conselheiros. Cada um sabe o que sabe. Ninguém sabe tudo. E aprender é sempre bom.



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

A Ética e a óptica – Os desencontros da verdade



A Ética e a óptica – Os desencontros da verdade


Óptica é parte da Ciência que estuda os efeitos da luz sobre as coisas. Ética é a parte da filosofia que estuda os efeitos da elegância sobre as pessoas.


Ser ético é ser elegante sem que ninguém veja. A palavra provém do grego, e significa: “Proteção”.


A óptica é o resultado da percepção sob determinado ambiente. Na água, a visão pode ser distorcida, e aquilo que nos parece estar em determinado lugar, está noutro.


A óptica é enganosa, se não estiver acompanhada da métrica.


A ética jamais oferece versões antagônicas da verdade.


Ser ético significa jamais determinar uma verdade sob opinião pessoal, sob a óptica pessoal. Significa que, mesmo que determinada verdade contradiga minha vontade, eu serei fiel aos fatos, e não ao que penso sobre os fatos, ainda que os fatos desfavoreçam minha estima sobre determinada verdade.


A óptica constrói doutrinas. A ética, constrói liberdade para escolher doutrinas.


Ser ético é o domínio da razão sobre a emoção. A óptica é o ajuste da razão pela emoção.


Você é ético ou óptico?




Semana que vem, me procure



Procrastinação é a palavra da vez. “Veremos isso depois!”, é o que falam. Amanhã será sempre melhor.

Um sobrevivente dos campos nazistas, engaiolado no navio St. Louis, que os levou a Cuba, conta que a primeira palavra que aprendeu em espanhol, teria sido: “Amanhã!”. Tudo era deixado para “amanhã!”. Amanhã, é a palavra código para dizer: “Não vou te ajudar, não tenho a menor intenção de fazer nada por você, mas não tenho dignidade suficiente para dizer a verdade. Sou um mentiroso contumaz, uma baba viscosa de lesma vagarosa”, é a definição entalada na garganta de quem procrastina a solução das necessidades alheias, jogando a respostas ou a ação (que não tem nenhuma intenção que aconteça) para “amanhã”, para “a semana que vem”.

Procrastinação em estender a mão ao necessitado é uma atitude tão nojenta, que Jesus fez menção direta ao fato, declarando que aquele que procrastina auxílio, e o faz com meias palavras, é chamado de “filho do diabo”. “Sejam as tuas palavras “sim, sim, ou não, não”, pois o que passar disso, vem do maligno.
Conta ainda, O Mestre, uma metáfora de um homem que tinha dois filhos: um azedo, mal humorado, e outro saltitante e puxa saco. Ao receberem uma ordem do pai, o azedão resmunga, mas vai e cumpre. O outro bajula de todos os lados, e sai de fininho.O procrastinador social é igual ao bajulador, pois além de negar auxílio ao necessitado, ele o faz com um sorriso, com ar de compaixão, e vende ilusão, vende esperança falsa, e atrasa a vida do outro, que poderia buscar solução em outro lugar e de outro modo.

Ah, como passei, e ainda passo pela mão de procrastinadores, falsos, e cruéis indivíduos, que jamais tiveram intenção de estender a mão quando os procuro, e não guardo comigo a tristeza, porque sei que cada leitor passa continuadamente pela mão de pessoas desse mau caráter, adeptos da seita satânica de “embromação sem solução”.
Semana que vem, a gente vê o que pode fazer. Amanhã vou falar com meu chefe, pode confiar. Se você tem o hábito de repetir coisas assim, e ao final de semana vai ao seu encontro semanal com Jesus, na sua igreja, repense seus valores, ou sua religião, porque o Jesus que eu conheço, expressou, sem meias palavras, o nojo que sente por gente que faz coisas assim.

Sejam as tuas palavras “Sim, sim, ou Não, não”. O que passar disso, foi soprada no seu ouvido, e impregnada no seu coração, pelo diabo, pessoalmente! Quanto prestígio, ô!


terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Solidão e multidão - As revoluções para a nova realidade



Somos embaixadores de um Universo em revolução contínua. Nada é estático, e tampouco nós poderemos sê-lo. A imobilidade que nos atrai, é uma falsa sensação de segurança e felicidade etérea, sem corpo, enganosa, vazia. Assim, se o Universo que representamos, porquanto somos semelhantes em forma e função, não é estático, seria estranho que nós pudéssemos ser imutáveis.

Ao curso da história, pequenos movimentos iniciais fortaleceram grande revoluções. O próprio Big Bang, segundo as teorias aceitas por grande parte dos cientistas, começou do tamanho da cabeça de um alfinete. Uma explosão magnífica, violenta, brilhante, e ainda que o som não se propague no vácuo, penso que também foi um tanto ruidosa. Barulhenta. Escandalosa.

As grandes revoluções sociais nasceram de poucas palavras. A Revolução francesa foi sintetizada em três palavras: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade". Liberdade, porque estabelecia a ideia de que todo Ser Humano nasce livre, e deve permanecer nessa condição até que descanse das revoluções da vida. Igualdade, porque propunha que todos são iguais em direitos e deveres, e Fraternidade, porque além de livres e iguais, deveriam os Homens serem unidos, compartilharem suas riquezas e se ampararem em suas fraquezas.

Uma revolução nasce quando o desconforto da alma excede ao desconforto do corpo. Uma revolução termina quando outra revolução começa. Há revoluções que não terminam nunca, porque são contínuas. Há revoluções que nunca começam, porque falta determinação.

Revoluções podem ser atos solitários, ou solidários. Posso fazer revoluções por mim mesmo, ou posso comandar revoluções por outrem, ou outros, ainda, podem fazê-lo, por mim. 

As revoluções começam quando dói algo que excede a capacidade de assimilar, e podemos atribuir a culpa a alguém, porém, a verdadeira revolução começa quando a culpa bate è nossa porta, aí, é hora de agir, porque, ou mudamos, ou a mesmice nos abraça.

O mundo mudou. O que ainda não mudou foi a forma de aceitarmos isso. Ainda cuidamos de resolver novos problemas com, velhas soluções. Ainda nos ofuscamos com as novas tecnologias, quando ainda nem descobrimos a razão pela qual acordamos todas as manhãs. Não sabemos por que acordamos. Sabemos apenas, que quando o sono chega, nenhuma decisão pode ser tomada antes que despertemos novamente. O sono e a fome são péssimos conselheiros.

A nova realidade não vem de carro. Vem de comboio. Um trem abarrotado de mercadorias incompreensíveis demais para quem nasceu no século XX (Viu só? Já viramos o século, e a segunda década do terceiro milênio, mas ainda escrevemos os séculos com números romanos).

Viver neste século, década e milênio, é algo demais para quem gosta de Platers, Nilo Amaro e seus cantores de ébano, ou Bing Crosby. Sim, mas a tecnologia nos permite que ouçamos até mesmo Al Jolson , o branquelo lituano,  que se pintou de negro para abafar nos cabarés americanos. A tecnologia nos permite até bater papo com mortos (já estão testando a bagaça, com juntada de gravações, coisa e tal). E já implantam fígado de porco em gente. Logo, logo, implantam outros órgãos também, e: TÁ-DÁAA! O homem toicinho! Parece piada né. Pois de piada em piada, se elegem presidentes, se prendem presidentes, se idolatram presidentes, se xinga presidentes, e o mundo acelera sem que percebamos.

Enquanto gastamos nossas energias xingando quem xinga os xingadores, o mundo acelera e nós nem percebemos. Daí, corremos atrás do prejuízo, tentando redescobrir quem somos, quando nem fazíamos ideia de quem éramos, antes de nos perder na história.

Os caminhos para a aceitação da nova realidade passam pelo auto conhecimento de quem desejávamos ser antes do furacão. Hoje, buscamos nos escombros de nossas lembranças, o que restou dos sonhos de nossos desejos, para que coloquemos numa trouxa, amarremos na ponta duma vara, e prossigamos a caminhar, sem olhar pra  trás, sem ver o que tem pela frente.

Caminhamos na penumbra à noite e na neblina durante o dia.

Nossos caminhos dizem para onde vamos. Nós não temos como mudar isso, a não ser que rompamos obstáculos, aplanemos montes e nivelemos outeiros, e construamos nossas próprias novas estradas. Mas sozinhos, não somos capazes. Precisamos de braços e vontades junto conosco. Precisamos comovê-los a caminhar e abrir as sendas. Mas para isso, vamos precisar de uma revolução. Ou duas.







segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Onde estão todos? - O Apocalipse das nossas lembranças



Saudade é aquele lugarzinho perdido no tempo, onde todos os vazios nos abraçam.

Publiquei, em dois dias, quatro textos, em um desabafo em serie, que descreve meus sentimentos pelo abandono existencial que senti, ao passar duas semanas na minha terra do coração. Foram palavras amargas e cheias de raízes, à volta de um axioma comum, chamado Gramado.

Não deveria ter sido surpresa que, em poucas horas, dezenas de manifestos, de pessoas que tem o mesmo sentimento, indo, algumas delas, às lágrimas, ao ler os textos, por se  identificarem neste vazio de almas que sentimos, ao caminharmos pelos trechos, antes ladeados por janelas iluminadas e jardins floridos, hoje, por pedras, vidro, luminosos, e anúncios em inglês, de liquidações ou promoções comerciais.

Não é surpresa saber que há pessoas tímidas que tem medo de manifestar seus vazios, sob pena de represália e constrangimento, como se cuspisse no prato onde come. Não se trata disso. Não se trata de mágoa, ou revolta, mas apenas um vazio, um conjunto de ausências, um grito rouco que ecoa nas lembranças, as mesmas lembranças que produzem saudade, mas que nos passos que damos pelos caminhos que antes nos viram passar, resta apenas o vazio das passadas, ecoando um passado inerte e inexorável.

O Apocalipse, de um lado, é a palavra que prenuncia o fim de um tempo, por outro, traduz-se por "revelação" das coisas que hão de vir, ainda que conectadas com as coisas que já se foram. Da mesma forma, os tempos que deixamos escoar pelos dedos, como se fossem água ou |Mercúrio, são a esteira da vida que nos encaminham para o amanhã incerto, senão pela saudade que sentimos de nós próprios, uma auto comiseração, pena de nós mesmos, e em alguns, revolta.

Não se pode gerar revolta contra coisas, porque coisas são coisas, e ruas, casas, e até jardins, continuam sendo coisas. São, porém, as pessoas, as que largam coisas em nosso caminho, para que tropecemos nelas, e assim, de queda em queda, fortaleçamos nossas pernas, pelos calejados pés do Apocalipse de nossas lembranças.

Onde estão todos, é a pergunta. Eu os encontrei na virtual existência chamada Facebook. Mas continuam sendo figuras planas e sem perfume, senão pelas sensações que promovem ao encontro destas lembranças. Aqui estão todos. Aqui estamos todos. Virtuais, intangíveis, guardando palavras para que outros as repitam após a nossa morte.

O Apocalipse de nossas lembranças está ancorado no Gênesis de nossas esperanças. Um e outro fazem parte de nossa história, de nosso conteúdo, de nosso despertar e de nosso fenecer. O Gênesis de nossa saudade está abraçado com o Apocalipse de nossos sonhos, o entardecer dos prazeres que desacreditamos merecer. O derradeiro toque da trombeta que finaliza nossas alegrias.

Onde estão todos, perguntam os meus amigos. Onde estão vocês, pergunto eu, à eles. Onde estamos todos, que em lugar de levantarmos e caminharmos em direção aos abraços, nos esquivamos dos encontros, fugimos dos prazeres pequenos, como um café coado, um chá com limão, ou uma boa hora de prosa na varanda.



Gramado - A irreversível Paris do Rio Grande


O turista que vai à Paris, carrega consigo centenas de anos de românticas e edificantes histórias das façanhas que fizeram a nossa história. Nossa história, como, se não somos franceses, muito menos parisienses?
Sim, nossa história política está povoada de inserções do pensamento iluminista, do pensamento revolucionário de "Liberdade, Igualdade, e Fraternidade!", que ditos em francês, assumem um charme todo especial. Assim, Paris nos lembra velhos amigos de farras, rebeldes, aventureiros, desbocados ("aller à la merde", por exemplo), nos remete aos subterrâneos de nossa rebeldia, quando desejamos varrer os absolutismos, para mudar o mundo.

Gramado, tem o quê, a ver com esta Paris e seus mal humorados franceses, que ficam incomodados de responderem qualquer coisa, que não seja em seu impecável francês, cheio de "erres guturais", e biquinhos de chupar ovo de canudinho? Nada, por enquanto, e tudo, muito em breve. E não estou falando da revolução, nem da queda da bastilha. Aí é outra fritura, que não nos interessa por ora. Estou falando do crescente mau humor dos parisienses em suportar turistas, que por sua vez, acham, que os parisienses sejam peças de exposição pitoresca, e estão ali para servi-los (os turistas), para  falarem com sotaque, fazerem graça, fritarem escargots, e gritarem: "Uh-la-la", toda vez que passarem por um abestado, como se esta fosse a maior de suas glórias, agradar turistas.

Os turistas são, sim, a principal fonte de renda dos parisienses, e gostem, estes, ou não, tratando-os mal, ou não, os turistas continuarão a visitarem Paris por longos anos, ainda, e os azedos parisienses, confortavelmente, sentarão as patas nos turistas, e abocanharão seus dólares, Euros, e até Reais, em alguma casa brasileira que serve feijoada e oferece mulatas rebolando, ou músicos maconheiros dedilhando sons num canto lúgubre dos bares. Isso é Paris, e não, Gramado não pode permitir-se ao luxo de oferecer tais bizarrices, porque Paris é milenar, e Gramado, ainda nem nasceu enquanto modo de ser e viver de seus cidadãos. Eis a diferença então.

Paris tem dois atrativos arquitetônicos notáveis: Torre Eiffel, e Arco do Triunfo. Só isso. Claro, tem o Sena, e os cafés, com mesinhas românticas pelas calçadas, e tem os franceses: ah, os franceses, um espetáculo digno de ser admirado, mesmo sem tocar. Notável observar a elegante conversação de dois franceses, gesticulando, comendo, e falando sobre política, filosofia, gastronomia,  artes, letras e ciências, sem que seja necessário um simpósio ou feira. São corteses entre si, e são corteses com que os procura, contanto que aquele que os procura, saiba portar-se como um francês, e não tente domesticá-los ou domesticar-se aos seus costumes. Basta que sejam elegantes, um e outro, e Paris torna-se agradável, única, e com apenas a Torre Eiffel com símbolo se sua arquitetura gótica.

Gramado tem muito mais obras arquitetônicas enfileiradas para selfies, mas tem vergonha se mostrar os seus cidadãos. Tem vergonha de seus filósofos, de seus poetas, tem vergonha de seus artistas de rua. Gramado, a Gramado opulenta, que não é a Gramado contida pela timidez do tempo, está muito longe de chegar a ser uma Paris, porque faltam pessoas a se assentarem nas mesas das calçadas, e serem identificadas como gramadenses notáveis. Não que não os tenha, mas os esconde, porque ser notável em Gramado é ter um carro SUV na garagem, e uma mansão de seis zeros para ostentar. Assim, Paris tem os parisienses, chatos, azedos, e pitorescos, como cartão postal, e Gramado tem portas e muros que os escondem.

Ah, lá vem o pensador que pensa que pensa, pensar que pode dizer o que pensa à quem pensa que pode, por tratar-se de inveja santa e purificada, enrustida em palavras, para enfurecer os que abrem e fecham as portas pesadas, e iluminam as ruas e praças, que ofuscam olhares.

Digo com alma leve que não há inveja, senão pesar, por saber que pedras e cimento não alargam fronteiras, antes fecham e enclausuram pessoas, separando-as de outras pessoas, que somente usufruem de um dos sentidos, a visão externa das paredes bem pintadas, mas que se distanciam dos verdadeiros muros que aprisionam almas, as almas confusas entre o ter e o o ser, o poder  e o viver.

Gramado ainda não é  a irreversível Paris do Rio Grande, porque ainda não se mostraram as pessoas que tomam café nas mesas das calçadas, pois as que assim o fazem, nada tem a ver com Gramado, senão seus nomes nas fichas dos hotéis onde estão circunstancialmente hospedadas. O resto, são imagens efêmeras pelas redes sociais. Os quinze segundos de fama.

Quer conhecer a história das pessoas que moravam nas casas que não existem mais, em Gramado?
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De qual Gramado seus filhos sentirão saudade? Das obras ou das pessoas?

 

Foto: Germano Schürr

Gramado perdeu sua identidade romântica, pois romantismo é quietude e serenidade, mas quietude e serenidade são atributos distantes das multidões que se aglomeram pelas ruas, como formigas à volta de doces. Retomar a condição de romantismo, não é uma causa perdida. Basta saber se é desejada. Não há mais romantismo. O que existe é opulência, disputa de superioridade empreendedora. Só há vencedores. Não há mais a quem mostrar os louros e gabar a vitória. Correm todos na mesma raia e à mesma velocidade. Só os saudosistas estacionaram nas lembranças, e lá estão, a chorar pelos tempos que não voltam mais. Entre eles, eu.

Não se trata de um embate entre o poder econômico contra o idealismo saudosista, uma vez que o tempo só anda pra frente. O que é preciso, e bastante importante, é moldar o modo ao tempo que ainda não passou, para saber que tipo de lugar deseja deixar para os filhos do amanhã.

Ou resta a opção de que o amanhã motive seus filhos, a buscarem um novo lugar, pequeno, bucólico, romântico, e feliz.

Se disserem que o excessivo sucesso de Gramado promove felicidade, como efeito deste sucesso, digo que produz apenas insatisfação continuada, pois a felicidade é a manifestação luminosa do afeto, e afeto não precisa de brilho, apenas quietude de alma.

Gramado está, incondicionalmente dividida entre a saudade e a realidade, e somente aqueles que sabem o nome das pessoas que encontram fortuitamente pelas ruas, é capaz de entender esta alma que se sublima a casa dia, até que um dia chegue, onde nomes sejam apenas números, e obras importem mais que almas.

Muitos alardeiam aos quatro ventos, que amam Gramado. Mentira! Não amam. São apenas deslumbrados pelo brilho e opulência cenográfica, pare se afirmarem com o círculo a que pertencem. Para disseminar selfies pelas praças e relógios, passando uma impressão de intimidade com o lugar. Não tem intimidade nenhuma. Sequer sabem o nome do moço ou da moça que os registrou na portaria do hotel. Sequer lembram do nome do moço que carregou suas malas. Não fazem nem ideia do filho recém nascido que o garcon tinha na lembrança, ao servir o covert que os saciou no restaurante.

Quem ama, quer conhecer, saber, participar da vida do amado.

Você diz que ama Gramado. Não ama coisa nenhuma. Você ama seu confortável apartamento, ou casa, climatizados, entre paredes de materiais nobres e perfumados.

Ama Gramado, a mãe que levanta nas madrugadas frias, para aquecer o fogão de lenha, preparar o café 0ara a família, e envelopar os pés, com sacos plásticos entre dois pares de meia, para suportarem o frio das invernais manhãs, e isso faz, para que marido e filhos possam sentir-se acolhidos pelo afeto desta entrega e dedicação. Amar Gramado significa amar pessoas, amar os que erram, e louvar os que acertam, por perceber que são humanos, e como tais, imperfeitos.

Arquitetonicamente, Gramado atingiu a perfeição. Humanamente, distanciou-se dos sonhos dos que viram pessoas onde outros viam potencias investidores. Afetivamente deixou-nos confusos e desesperançados, pois, o que se espera ainda de Gramado, senão mais luxo, ostentação, e brilho, mais riquezas para todos, e mais vazios de relacionamentos, que antes chamávamos de saudade. Saudade só existe, quando há lembranças ligadas à pessoas, e mesmo lugares, contanto que houvessem ali pessoas, que dividiram prazeres. Isso é saudade.

Do que os seus filhos e netos sentirão saudade, muito em breve?


Leia também: A Gramado das Minhas Lembranças
             O Valor de nossos valores - O que realmente vale em Gramado?

Gramado, a irreversível Paris do Rio Grande



domingo, 31 de janeiro de 2021

O valor de nossos valores - O que realmente vale em Gramado?



Na sequência das análises dos sentimentos que expressamos, ao falar de nossa aldeia, parafraseio Tostoi, que aconselhou um jovem autor, que buscava notoriedade em seus textos, a que escrevesse sobre sua aldeia.

Vamos considerar que uma aldeia, ao tempo de Tostoi, na longínqua Iasnaia-Poliana, era bastante diferente de uma contemporânea Gramado, Las Vegas, Miami, ou outro povoado qualquer que, em razão de suas belezas e virtudes, tornaram-se  notáveis paixões de consumos e esplendor de seu tempo e lugar, onde vale os dizeres do autor de Ana Karenina, e Guerra e Paz: "Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira". Mas a lenha acabou. 

Nas duas semanas que estive aí "de corpo presente", como diz o Apolônio Lacerda, meu personagem, senti-me chutado de todas as direções, e quando olhava, para ver quem me chutava, descobri que não era "quem", mas "o que". Senti-me chutado pela opulência, pelo luxo, pelos excessos, pelo perfeccionismo, pelo vazio de pessoas, apesar das multidões de zumbis festivos que perambulam sem rumo pelas ruas, vaporizando vitrines com seus hálitos, e chupando os dedos, para não desperdiçar o doce das guloseimas hipnóticas servidas em taças de cristais e travessas de prata.

Sem nenhuma intenção de ofensa, senão apenas pela análise de comportamento e realidade, digo aos amigos que: "Gramado me oprime, e Canela me deprime!", cada um por suas razões específicas, ainda que eu tenha um carinho imenso por Canela, e grandes amigos nesta cidade, e minha história de vida em Gramado, de cujos ancestrais, fundadores da pequenina aldeia, em tempos imemoriais, eu descendo.

Sempre tive orgulho de sentir-me membro de gramado, apesar de não ser oficialmente Gramadense (sim, admito, eu não nasci em Gramado), mas tenho feito deste cantinho de mundo, perfumado por Hortênsias, Azaleias, Pinheiros, e matas, a minha fonte de inspiração contínua. Não tenho medo de ser exagerado, ao dizer que ninguém publicou mais obras, textos, imagens, e histórias de pessoas com tema de Gramado, do que este que vos tecla. E quero continuar a fazê-lo, apesar de não ter nenhum tipo de apoio ou mecenas que compreenda a importância do que faço, para que seus netos possam saber de onde vieram, e para onde poderão seguir, em se tratando de uma jornada humana, cultural, e viva.

Imediatamente após a publicação, hoje, do texto anterior, recebi muitos manifestos de pessoas queridas, de Gramado, gramadenses genuínos, concordando com a análise. É bom, mas é pouco. A mim pouco importam os elogios, mas importa (e muito), a percepção de que Gramado deve continuar a crescer economicamente, afinal, é sua vocação contínua, mas que junto, e no mesmo ritmo, cresça a consciência de saber que cada empreendedor, empresário, político, cidadão, estudante, agricultor, Dona de Casa, aposentado, criança e idoso, percebam que são muito mais do que números de votos ou estatísticas, e que cada um saiba que é um Ser Humano inteiro, multiplicado por muitos, para que seja deixado em segundo plano pela história.

Ser deixado pela história significa acreditar no que se diz que Gramado ainda tem muito que crescer. E tem. Mas eu pergunto: Crescer mais pra que? Pra quem? Quantas calorias cada pessoa é capaz de consumir durante o dia? Então, por que armazenar milhares de calorias que nunca serão consumidas? Por que investir em concreto, pedras e tijolos, e depois gastar em Rivotril, Escitalopram, Ritalina, ou bebidas alcoólicas, para dormir, afogar as tristezas, e completar os vazios que o excesso de sucesso e fortuna lhes trazem?

Pergunto ainda: Vale a pena, tanto esforço, para terminar numa caixa fechada dentro de um buraco de cimento, coberto por uma pedra de mármore? Vale a pena, ser dono de um palácio, e ter que visitar os filhos na prisão? Vale a pena acelerar o carro importado, para ser visitado em um asilo de luxo?
Vale à pena investir em arquitetura, quando sequer se sabe o nome do estilo das linhas que o arquiteto traçou para sua glória empresarial, quando não sabe sequer o nome de seus avós, e certamente seus netos pouco saberão de sua própria história, quando não foi capaz de escrever nenhuma, digna de ser contada, escrita ou lida?

Não precisamos de milagres. precisamos apenas não nos esquecer quem somos, quais nossas virtudes, e até mesmo nossos defeitos, para que possamos corrigir, enquanto ainda houver tempo, os caminhos que abriremos para aqueles que merecem saber que antes de si, não houveram apenas pessoas com contas milionárias, mas pessoas que foram capazes de se enternecerem por encontrar um pé de amoras brancas, goiaba serrana, quaresma, ou araçá, pelas matas, antes que as tivessem derrubado para plantar hotéis, rodovias, e praças. Praças sem crianças, sem pés de goiaba serrana, araçás, amoras, ou quaresmas.








A Gramado das minhas lembranças, e a Gramado que me intimida



Não, meus queridos leitores e minhas perfumadas leitoras. Não se trata de nenhum manifesto de mágoas, nem tampouco de críticas ao notável progresso alcançado pelo lugar, onde, geograficamente, tornou-se notável à minha própria existência e referência pessoal.

Não se trata também, de crítica social, política, econômica, ou existencial. Nada disso também.

Trata-se- tão somente de uma análise comportamental de uma sociedade que eclodiu de si própria, como uma borboleta se desvencilha de um casulo, onde sofreu sua transformação natural.

Gramado pode ser desenhada em três estágios, neste raciocínio.

Foto: Internet - Elisabeth Rosenfeld - Vivi dos 6 aos 12 anos neste lugar. Saudade

O primeiro estágio, é a formação do núcleo habitacional, social, e humano, a partir do conjunto de oportunidades de seus primeiros empreendedores, de seus hábeis negociadores, que perceberam o momento de oportunidades ao longo de sua história, desde os pioneiros, que começaram com o extrativismo da erva mate, da madeira, seguido pelo senso de oportunidade que lapidou as bases do turismo, com a habilidade de convencimento  e visão empreendedora dos pioneiros líderes locais, que levaram os veranistas da  capital, com suas famílias, de trem, para o quinto distrito de Taquara, oferecendo boa comida, lazer (por causa dos filhos dos veranistas, que praticavam equitação, foi construída a Carriére hípica), enfim, pela genialidade de homens e mulheres, como Leopoldo Rosenfeldt,  Oskar Knorr, e outros, dos quais ainda falaremos em outros capítulos.

Parque Knorr - Residência de Oskar Knorr

Nesse tempo, por perceber a oportunidade, gerada pela proibição de uso das praias gaúchas, que estavam sendo cenário de guerra, pelos ataques dos submarinos alemães aos navios mercantes brasileiros, Leopoldo Rosenfeldt, juntou-se aos poucos hotéis, que tinham restaurantes, no vilarejo, e aliou-se ao uso do trem, que já passava por Gramado, e motivou os porto alegrenses abastados a investirem suas férias de verão, com suas famílias. Também, por recomendação médica, muitos veranistas passavam vários meses em seus chalés, ao que, em sequência, formou hábito de veraneio, cada vez mais frequente da "Cidade Jardim das Hortênsias". Este foi o primeiro estágio.

O segundo estágio, veio com Elisabeth Rosenfeld (não era parente de Leopoldo, que era Rosenfeldt), judia, fugitiva da guerra, e instalou um pequeno atelier de cerâmica, pintura, e madeira, que evoluiu para tapeçaria, e deste hobby de uma artista plástica, nasceu o mote que deu à Gramado a fama de cidade artesã, criativa, empreendedora.

Rótulos de Bebidas Balzaretti - Gosto de nossa infância

O terceiro estágio de Gramado, veio com a proliferação de eventos, seguido de gastronomia, hotelaria, chocolates, e por fim, dos parques temáticos. Tudo isso promoveu continuamente a cidade, a tal ponto em que nada menos que o "perfeito" é permitido e aceitável aos novos padrões. Gramado tornou-se a cidade dos sonhos de todos os empreendedores, antes pequenos, hoje de corporações, e qualquer investimento neste complexo, começa a rodada falando em dezenas de milhões de Reais ou Dólares. Gramado estabeleceu o cacife para as apostas, em valores de cinco zeros, ou mais. Em Gramado, tudo é superlativo, tudo é qualificado como excelente, tudo é exigido como o melhor.

Foi neste ambiente, que fiz um passei minucioso por algumas semanas, recentemente, e ainda que levasse à tiracolo meu portfolio com muitas páginas, e meu Currículo, também volumoso, senti-me completamente despreparado, inepto, para servir aos novos padrões que Gramado exige, considerando que eu qualificava minhas aptidões como um expert em uma Gramado que encerrou seus dias no tempo em que vim morar em outro lugar. Isso comprova que de certo modo, meu saudosismo emperrava Gramado (estou brincando, não tenho tal poder). O fato é que o mundo gira, e o planeta não é formado de uma rocha sólida e única, mas é uma bolsa efervescente, contida por placas tectônicas, que tem movimentação e determinação próprias em seus deslocamentos, e cada uma destas placas, dá personalidade aos que nela se apoiam. É evidente que eu disse uma metáfora, mas de certo modo é mesmo assim: Cada lugar recebe novas pessoas, que modificam o modo de ser, agir, e pensar, e constroem, ao seu modo, o lugar onde investem seu trabalho, dinheiro, e sonhos, e edificam suas próprias histórias de vida.

Chego à esta conclusão ao compreender que a Gramado da qual eu lembro, escrevo, e desenho minhas histórias, torna-se agora uma Gramado de fábulas e lendas, talvez crendices, e um passado desnecessário, uma vez que o passado de um povo, de uma família, de uma terra, só importam àqueles que brotaram de tais raízes, que cultivaram tais costumes, e que cultuaram certas tradições e crenças.

Gramado prescinde de tais recordações, e a Gramado que encontrei, não é mais a minha Gramado das lembranças que carrego, e quando descrevo tais recordações, soam como fábulas aos que olham para aquele ponto da rua que menciono, e em lugar da casa de madeira, pintada cor de alumínio, com janelas marrons, deu lugar à suntuosa loja de artigos de luxo, ou um elegante restaurante, ou hotel, ou outro atrativo comercial qualquer. Certo. É o tempo desta geração e destes empreendedores. Apenas uma coisa será diferente, para os que vierem, anos mais tarde: Não haverá mais poesia a recitar, nem perfumes por lembrar, nem o sotaque local das pessoas, a imitar, porque não vejo mais rostos, e sim chips, espalhados pelas ruas. Não se para para cumprimentar o transeunte, e falar sobre o clima, ou a dor nas costas da noite anterior, pois as redes sociais já comunicaram isso, junto com o estudo científico que apontou soluções, bulas de medicamentos, e o escore de visualizações daquela comunicação de dor nas costas da noite anterior.

Gramado é um perfeito exemplo do que o sucesso pode oferecer: Vazio de alma! Vazio de lembranças! Vazio de vidas. Milhares de pessoas se esbarram, e não se tocam. Se olham, mas não se veem. Falam, mas não se comunicam. Gramado deixou de ser um conjunto de lugares lindos para desfrutar, mas um composto mecânico de produtos para "selfies" (até uma loja com esse apelo eu encontrei). Gramado é a cidade mais linda do Brasil. Mas sufocantemente triste, vazia de almas, e plena de vazios existenciais.

Caminhando pelas ruas e avenidas por onde passava diariamente no trecho de minha casa até o centro, não encontro mais nenhuma casa de habitação. Vejo apenas lojas imponentes, calçamentos luxuosos, e até as flores competem com a suntuosidade da arquitetura. Gramado é uma pobre cidade rica, ricamente semeada de pobreza espiritual.

Procurei as pessoas em Gramado, e encontrei pessoas se procurando, diminutas entre as portas de vidro e as paredes brilhantes. Procurei almas, e não encontrei nem corpos. Eu sou Gramado, e nos espelhos vi a Gramado que fui, em busca da Gramado que não serei jamais. E muito amor gera muito sofrimento, assim, o amor que sinto pela Gramado da qual eu lembro, transformou-se em vazio, ao encontrar a Gramado que somente será lembrada pelos arqueólogos, jamais pelos historiadores. 

Procurei uma Gramado de gente e encontrei uma Gramado de pedra, empilhada por gente, cujos nomes nunca saberei dizer. A Igreja de Pedra, foi construída por Aquilino Libardi. Então, quem sabe dizer o nome dos construtores de todas as demais edificações? Durante muitos anos, eu fui o designer que serviu às marcenarias e fábricas de Gramado, mas pergunte à algum dos remanescentes, se sabe quem criou este ou aquele móvel, que já foi fabricado por eles? 

Pergunte à qualquer pessoa, de idade inferior à 40 anos, se sabe quem foi a última rainha da Festa das Hortênsias. Pergunte se sabe como eram os carros alegóricos enfeitados de hortênsias. Pergunte se sabem onde ficava o Grupo Escolar Santos Dumont na década de 1960. Pergunte se sabem que aquela ululante velhinha de 99 anos de idade, que recebeu a primeira vacina contra a COVID-19, foi diretora desta escola. Pergunte o nome dos cinemas anteriores de Gramado. Pergunte quem foram os primeiros médicos, os primeiros prefeitos, os primeiros professores, e obterão risos de estupefação e incredulidade pela "inutilidade da pergunta". Mas, pergunte de quantos milhões será o próximo empreendimento, quanto foi investido nos recentes parques e atrativos da região, ou quantos carros excessivamente caros são disponibilizados para aluguel de ostentação nas lojas especializadas da cidade, isso saberão dizer. E por fim, pergunte: Qual a sua denominação religiosa, e se a pessoa sabe explicar as razões teológicas pelas quais é praticante desta religião, que as palavras se contorcerão novamente no palato, e tropeçarão ao pronunciarem o próprio nome de família.

Para arrematar a tortura, pergunte o nome de seus bisavós, paternos e maternos. Apenas isso. Se souberem os nomes dos avós, estarão no lucro. Logo, logo, os nomes dos pais serão substituídos por emojis, até que um dia, o próprio nome, será um meme, ou avatar. Apenas isso. 

Quem não sabe de onde vem, tanto faz para onde vai.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

As nossas pegadas

 



As nossas pegadas

Pacard

O que são caminhos, senão lugares ao longo de uma terra usados para unir pessoas de outros espaços? O que são as pegadas senão os passos repetidos gravados no chão que se torna mais firme a cada pisada que recebe? O que são ainda os caminhos senão trajetos usados por muitos anônimos, que transitam ali com seus pensamentos e seus objetivos, e que em tudo pensam durante o trajeto, exceto no próprio caminho? O que são caminhos então, senão o lugar onde nos tornamos vivos e móveis, porquanto não fomos criados com raízes e sim com pés e pernas para que nos levem onde nossa vontade ou necessidade ordenarem?

Somos como caminhos. As pegadas sobre nós são os passos que alguém deu sobre nossos próprios passos. Nos pisaram, porque nos encontraram em seus próprios caminhos e não souberam contornar, optando pelo trajeto mais econômico: passar por cima. Somos como pegadas de alguém sobre o barro, que nos tornam mais firmes cada vez mais e quanto mais nos pisarem, mais rijos estaremos para os passos que virão depois de nós. Somos como a terra que se compacta porque sobre ela levam os homens e animais as cargas, cujo dorso final são muitas vezes nossos ombros. Somos como os caminhos que saem de lugares e levam outros a outros lugares. Uns são largos e carregam fama. Outros são estreitos e levam o necessário. muitos são intrincados, como também somos intrincados. Outros são largos e vazios, e há ainda aqueles que se emaranham entre outros caminhos, pisam sobre outras pegadas, vão e voltam, e não chegam a lugar algum. Apenas pisam, enrijecem vidas, abrem sulcos de tantos caminhares, e cauem no vazio.

Somos pegadas de nossas pegadas. Passos de nossos passos e sendas de nossas sendas. Os estreitos e os amplos. uns levam à vida. Outros levam á morte. Uns caminham solenes. Outros caminham serenos. Uns espargem flores por onde passam, e ao voltarem, inspiram perfumes. outros semeiam espinhos, e deixam dores por onde passam. Mas todos somos caminhos. Passos e pegadas. Em linha reta ou emaranhandos, somos caminhos e caminhantes. Caminhamos sós ou nos permitimos caminhar juntos. A chegada nunca acontece antes do fim, mas sempre caminhamos rumo ao fim, embora nossa vontade seja de caminhar de volta ao começo. A isso chamamos “saudade”. Caminhos atrás de nós por onde não sabemos mais voltar.


terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O preço e o valor da arte

COVID-19, Pacard, 2020

"Artista é tudo louco!", diz a crença popular. Arte é coisa de desocupado, e o preço duma obra de arte é caro, ainda que seja de graça. "Artista, tendo dinheiro pra cachaça, fica satisfeito!"

Parece deboche, mas é uma das realidades que se encontra no árduo caminho do campo as expressões por meio de manifestações artísticas, pelo qual atravessa diariamente o artista que não se ocupa de transformar suas habilidades em dinheiro, até porque quem faz essa parte são os marchantes, os negociantes, que em geral entendem de negócios com arte, mas são incapazes de manipular um pincel, um formão, cinzel, ou até mesmo um lápis. E nem precisam, pois monetizar o imaterial é uma arte tão arte quanto qualquer outra. Cada um na sua competência. Porém, infelizmente, nem todo artista tem a grata ventura de andar à tiracolo de um mercador de fantasias, e por vezes precisa fazer o trabalho sujo de ganhar cliente. Aí mora a encrenca da coisa, porque nem todo comprador de arte tem sensibilidade para ler as entrelinhas da obra, e avalia apenas o aspecto estético. Outros, veem apenas o intangível, e ao comprar uma peça, a expõe ao lado de peças de estilos opostos, levando o espectador a traçar desnecessários comparativos ao trabalho de artistas que nem sabiam, um, da existência do outro. Seria mais ou menos como expor, lado a lado, um talentoso jogador de futebol, e um filósofo. 

Daí, certo dia, saí a visitar empresários com a firme intenção de mostrar e vender uma das minhas obras, o que seria, para mim, uma fortuna, para eles, troco de charuto cubano, e dos baratos. Fui recebido por um destes robustos endinheirados (eu sei que era, porque eles fazem questão de demonstrar pelos cordões de ouro e relógios suíços), que olhou com certo desdém para meu trabalho, e saiu da sala por uns instantes, voltando com um rolo de telas (acrílico, penso eu), clássicas, nítidas reproduções feitas por alunos de escolas de arte, principiantes, e bem educados no uso das cores e traços, e perguntou-me:
- O que tu achas disso?
- Legal! - Foi só o que achei para responder.

Com um garbo à vista plena, exclamou:

- Isso sim, que é arte. Comprei na China. Paguei 500 dólares cada um!

Fingi que ia ao toilette, e saí à francesa. Vai que pega uma doença dessas...



Michelangelo

Antoni Tapies

Joan Miró

Guernica - Pablo Picasso


Conheça meus trabalhos






domingo, 17 de janeiro de 2021

Clusters turísticos e culturais - Vetores para turismo equilibrado



A cultura é o perfume que convoca os insetos à polinização das flores. Sob esse prisma, classificamos as flores, como o atrativo visual, sustentadas pelo caule, protegida pelas folhas, e suportada pelas raízes.
Jamais a raiz, o caule e as folhas de uma rosa, produzirão goiabas. Talvez, se um paciente jardineiro japonês determinar-se a faze-lo, não seria eu a duvidar que isso fosse capaz. Mas naturalmente não é assim que acontece. 
Por esta leitura, faço-me saber que Cultura e Turismo são partes do mesmo corpo cidadão, sendo que a cultura trata do comportamento das pessoas, e o turismo é a ação de trazer outras pessoas para que usufruam deste comportamento e ação. Simples assim.

Há dois tipos de ambiente para o desenvolvimento do turismo regional:
1 - Polo Âncora
2 - Região satélite
O polo âncora, geralmente, é pioneiro em determinada oferta, e com o passar dos anos, e o crescimento do âncora, a região do entorno passa a usufruir, de forma periférica, dos transeuntes, cujo destino é o âncora.
Há, no entanto, um conjunto de oportunidades visíveis, que viabilizam um crescimento paralelo, e em determinado tempo, a oportunidade de firmar esteios em propostas de sustentação regional, tanto das localidades satélites, quanto do próprio âncora, que a esse tempo, já multiplicou sua oferta hospedeira e gastronômica, e principalmente comercial, e que necessita de suporte estratégico da circunvizinhança, para fortalecer sua economia, sedimentar seus eventos, e magnificar seu marketing regional nacional, e internacional.

Ambas as diretrizes, possuem limitadores ao crescimento, se não houver um planejamento de crescimento e mutações graduais, onde sua ausência, testemunhará de possíveis gargalos existenciais e político, com o passar dos anos, e o somatório do crescimento econômico, demográfico, políticos, e comportamental destes localizadores geográficos.

Desequilíbrio ambiental, crescimento demográfico e urbano, demanda maior que oferta de fatores de subsistência energéticos, hídricos, de saneamento, de mobilidade urbana e rural, e de desequilíbrio humano, com consequentes mudanças de paradigmas sociais, familiares, educacionais, e jurídicos.

Todo crescimento é inevitável. Todo crescimento oferece dores, e toda dor busca diferentes recursos de lenitivo (alívio). As dores comportamentais, brotam no seio familiar, em parte, motivados pelo desequilíbrio da oferta generosa de enriquecimento econômico, com o inevitável desdém e descuido da plataforma familiar.

Depois das dores familiares, começam as dores educacionais, com a crescente demanda de novas tecnologias para atender às variáveis pedagógicas, principalmente depois do processo pandêmico, que contribuiu significativamente para as mudanças aceleradas em todos os parâmetros da biosfera humana desta demanda.

As mudanças pedagógicas acentuam as diferenças estruturais da família anterior, e da família sobrevivente, não apenas à pandemia, mas ao conjunto de transformações, que determinaram, não apenas mudanças, mas também, novas variáveis, novos algoritmos, e novas estruturas de ação, reação, e pensamento.

Começamos a construir a nova sociedade, a nova ordem mundial, tão temida, tão preconizada pelos canais de conspiração, e que surge, voraz diante de nossa porta, cuja chave é digital.

Aqui entram os valores culturais e as opções do turismo como refúgio para estes paradigmas famintos. E nestes refúgios, é de fundamental importância a descentralização do turismo, considerando que todo excesso tende à má qualidade do que propõe.
Não quero com isso dizer que uma cidade que enriquece dia após dia, não ofereça qualidade, muito pelo contrário, a sofisticação à olhos vistos oferta o que há de melhor no mundo do lazer, em condições individuais. Eu explico:

Um excelente restaurante é um excelente restaurante, e quem dele servir-se, será tratado como uma majestade, enquanto dentro daquele excelente restaurante. Porém, quando em uma rua, com milhares de excelentes restaurantes, que se digladiam pelo acolhimento de um cliente, naturalmente, com grande oferta, há grande disputa, e tanto preço quanto condições tornam-se mais e mais favoráveis ao cliente. Porém, o conjunto de milhares e milhares de restaurantes, necessita atrair centenas de milhares de clientes, e que necessitam de milhares de hotéis e pousadas para se acomodarem, e ruas, e sinais de trânsito, e infraestrutura urbanística, fiscalização, estacionamento, pago ou de cortesia, segurança, porque onde há muito mel, virão também muitas abelhas, e algumas possuem ferroadas, enfim, o excesso e a concentração, apagam o plano inicial de repouso e contemplação, conhecimento da cultura local, pelo estresse da busca por vagas e mais vagas. 

Este é o cenário para formação dos clusters do turismo satélite, periférico, que usufruem do potencial do âncora, canalizando meios para que o mesmo cliente distribua sua carga de expectativa de lazer, com ofertas menos pomposas, porém mais adequadas à real necessidade do turista, de modo geral, que é repouso, alívio de estresse, e naturalmente, turismo de aventura e contemplação.

Enquanto o âncora multiplica suas ofertas gastronômicas, internacionalizando seus cardápios, os satélites oferecem gastronômicos cultural, pratos típicos locais, menos variados, mas originais e com sabor associado à paisagem e à arquitetura étnica local.

Há muitos anos atrás, minhas esposa e eu, fomos contratados por uma rede de hotéis, em uma pequenina cidade servida por mananciais hidrotermais, e nossa tarefa foi estabelecer um setor de eventos.
Por não conhecermos a região, organizamos um trabalho de reconhecimento dos municípios vizinhos, e seu provável comportamento diante de uma demanda regional, que não estava em seu planejamento local. O trabalho foi bem sucedido, e hoje, aquele município é um polo regional de referência turística, e de lá partem grupos diários para pontos turísticos regionais, que tiverem seu crescimento proporcionado por este compartilhamento.

Regionalizar clusters no turismo e na cultura é uma forma de manter o crescimento, compartilhando oportunidades, e permitindo ao visitante uma maior permanência em sua rede hoteleira.

O tempo do individualismo teve seu limite antes da pandemia. Agora é pensar e fazer diferente. Fazer mais, gastando menos, e obtendo o melhor.





A Parede Branca - Conto

  A Parede Branca Pacard Um dia fui à procura de D-s. Encontrei uma grande galeria de arte religiosa, com uma placa que dizia: D-s está aqui...