Passei por uma experiência, nos últimos dias, que, em outros tempos, teriam me colocado aos prantos, subindo pelas paredes, e em completo desespero: Um AVC, que é uma caixa de Pandora, cujas surpresas se despejam sempre com amargor.
Um lesionado cerebral, é completamente imprevisível, pois dependendo de onde a lesão acontece, lá dentro da massa encefálica, o indivíduo, tanto pode cair morto no mesmo instante, quanto perder completamente os movimentos, e os sentidos, quanto mudar sua identidade, gosto por comida, e infinitas alterações de comportamento e ação. Esse é o cérebro, o que nunca foi totalmente usado, e já começa a causar rebuliço na vida das pessoas, não apenas a que foi afetada, mas as que a cercam e dela dependem, fazendo inverter os papéis, e quem era marido, se torna filho, quem era filho, se torna pai.
Durante o período crítico das incertezas de minhas lesões, eu só tive uma certeza: nunca consigo deixar de me surpreender comigo mesmo diante da adversidade, e também multiplico-me entre as pessoas que acompanham minhas publicações, que surpreendem-me sobremodo, com empatia e sensibilidade.
Fui religioso a vida toda, mas sempre tive vergonha de manifestar isso, por razões diversas, e ao fim de cada sábado (eu sou sabatista), sentia-me culpado, porque naquela semana, e naquele dia, eu não fui missionário o suficiente para "resgatar almas para Jesus", e ao entrar a semana, os afazeres da vida aplacavam minha angústia, até que chegasse novamente o glorioso sábado, para encontrar-me com D-s, na minha igreja, com seus cultos muito bem organizados, pessoas perfumadas, aparentemente felizes, e o culto era um momento de consagração, especialmente no convite coletivo para os abraços, e o chamado à frente para as orações. Assim era minha religião. E assim eu me sentia também, durante os apelos evangelísticos para distribuição de folhetinhos, na ânsia de que cada folheto entregue seria a última e única esperança de salvação da pessoa que os recebesse. Sentia-me grato e abençoado quando alguém batia a porta na minha cara, pois lembrava que os santos do passado foram até mesmo queimados vivos, pelo amor ao evangelho que pregavam. Ah, como eu invejava os santos do passado, mas ao mesmo como era grato porque hoje não queimam mais santos vivos nas praças, pelo menos não no lugar onde eu moro. Mas eu continuava incompleto, infeliz, distante de D-s.
O tempo passou, e passei a lembrar das histórias que minha avó contava sobre nossas origens judaicas, e recomendava que eu não devesse comentar isso, pois poderia ser perseguido, como foram perseguidos os nossos antepassados, e durante minha turbulenta juventude, trocando de emprego, tomando calote, e fazendo trapalhadas, ela atribuía isso, não à minha juventude eufórica, mas à certeza de que eu era perseguido. Dizia ela: "Eu não tenho alcance (sou ignorante), mas quando tu tiveres alcance, busque conhecer mais sobre a tua história). O tempo passou. A vida continuou. Ela descansou. E eu fui buscar saber mais sobre mim e meu povo.
Não mudei de religião, nem tampouco me desliguei da igreja que frequentei a vida toda, embora tivesse pensado muito sobre isso, mas finalmente aquietei o ímpeto de rebeldia, e concluí que minha igreja não estava errada, assim como as outras também estejam certas, na leitura que conseguem compreender sobre a relação do Eterno com o Ser Humano. Desta forma, parei de implicar com a religião dos outros, e como eu não professava mais nenhuma religião, isto é, não me investia de apologética (defesa da doutrina), e aquietei-me em refletir sobre meu próprio relacionamento com D-s, e o fiz, buscando conhecimento das Escrituras em quem escreveu elas: o povo judeu! Poético e irônico até, que os judeus escreveram a Bíblia, e apareceram os romanos, os alemães, os americanos, para tentar ensinar-lhes a interpretá-la. Assim, por coerência, não me converti ao judaísmo, mas passei a ver com olhos mais tolerantes a cultura, assim como consegui, aos poucos, compreender a tênue linha que me separava, por meio da religião, da compreensão do pensamento de D-s para o Homem, por uma leitura ampla e perspicaz das sutilezas da língua e dos costumes, da tradição.
Os meus sábados se tornaram leves desde então, e fui deixado pela angústia que me abraçava, porque não era suficientemente competente para o campo missionário, porque parei de contar "estrelas para minha coroa no céu, por almas resgatadas", e passei a contar apenas as horas que faltavam para que chegasse a noite, ou a minha soneca do meio dia, momento em que eu deitava (sim, D-s me ouve deitado também), e relaxado, conseguia conversar longos minutos com O Eterno, naturalmente pedindo desculpas por ter dormido entre um e outro "amém".
Sem a tabelinha de perguntas e respostas acerca da fé, programadas para serem preenchidas corretamente, a cada pergunta, encontrei muitos espaços em branco, sem respostas, ou sem perguntas adequadas, e que a partir destes vazios, fui procurar, não as respostas, mas as perguntas, para as respostas que eu tinha, e que eram insuficientes para aquietar meu coração pecador.
A primeira e mais importante coisa que descobri foi o paradoxo sobre o Espírito Santo, ou, como se diz em hebraico, que faz mais sentido, o "Ruah Hacodesh"- Sopro Divino, que é manifesto no Ser Humano, unicamente, pois sempre foi incutido em mim que O ES seria como uma porção de água, que preenche uma esponja, isto é, que sem isso, seríamos vazios completamente, como no vácuo que existe em uma lâmpada de bulbo. Então, fiz diversas leituras até, e a lâmpada de bulbo, poderia ser uma delas, com algum resquício de convicção, considerando que somos vazios, mas a luz divina, sendo manifesta em nós, nos faz brilhar. Bom isso, mas faltava algo, embora eu nunca tivesse dúvida da existência de D-s, ficava estranho pensar que haveria certa formulação verbal ou emocional que "atraísse" O ES para meu corpo, como aquela máquina do filme "os caça-fantasmas", que capturam espíritos em um aspirador de pó. Não! D-s, o D-s Criador do Universo ou dos Multiversos, do Átomo e de suas infinitesimais partículas, não era isso, e não haviam matrizes de captura do amor de D-s nem de Sua manifestação em mim, como se eu fosse aquela esponja vazia. Foi aí que mergulhei no estudo, na busca do entendimento, e como diz a linguagem bíblica, na busca da sabedoria. Foi nessa condição, de esvaziamento dos preconceitos, que entrelacei o que sabia de minha fé, com a fé de meus ancestrais, e foi assim que entendi uma coisa, de uma vez por todas: D-s não existe! D-s É! Simples assim.
Existir tem um antônimo, que é inexistir, e aquilo que inexiste, pode vir a existir. D-s nunca inexistiu, portanto também não existe, mas É, porque Ser não tem antônimo, Ser é absoluto, e sendo absoluto, também eu não posso me esvaziar de D-s, para que Seu Espírito me preencha, e assim, nasce um vazio, e mais uma pergunta: Então, como posso saber que D-s habita em mim, se sou criatura e não recipiente?
Vamos ao mar. Lá tem um peixe, e o ambiente de existência do peixe é a água. A água não está no peixe, a não ser que ele respire, deixe que entre em seu corpo, porque para o peixe, água é vida. Mas o peixe também é em grande parte também formado de moléculas de água. Assim, o peixe é formado de água, mas não é água, e vive na água, e necessita dela para continuar vivo. D-s É assim. D´s não está em nós,. Nós é que estamos n'Ele, mas Ele emana em nós, manifesta-se em nós, quando respiramos o Seu Ser, quando permitimos que nos preencha com Sua Centelha Divina. E isso não contradiz as Escritura, pois como Jesus disse que: "Eu e O Pai Somos Um", e em sua oração, pede que seus discípulos sejam UM n'Ele, assim como Ele e O Pai são Um, da mesma forma a Unidade de D-s em nós é essa compleição onde somente nos sentimos plenos quando percebemos que essa "Água Viva", viva em nós e nos preencha, e tal como o peixe, somente quando inspiramos, isto é, desejamos Sua manifestação, é que nos tornamos plenos com O Pai. Simples assim.
Ora, se D-s habita em mim, e eu n'Ele, torna-se partícipe o sofrimento de meu corpo, mas quando nos deixamos preencher por essa Centelha, o corpo ainda sofre, mas nosso sono é mais leve.
D-s não é uma caixa de desejos, onde com fórmulas e recitações mágicas, ou "orações fortes", possamos controlar Sua vontade em nos servir. D-s É quem sabe de nossas aflições, e nos fortalece para a eternidade, o nosso destino maior. D-s não fica atrás de uma montanha espiando os nossos passos para nos julgar, mas habitando em nós, sobe conosco a montanha, para nos elevar aos céus.
Nosso mundo chegou ao fim, como um elástico que estica até arrebentar, e estamos agarrados nele, porém não chegamos ao fim do mundo, e sim ao começo da eternidade, onde será nosso definitivo lugar. E a eternidade é um lugar indescritível, um tempo absoluto sem o passar das horas, e as distâncias não serão maiores do que um passo, porque estaremos mais plenos da essência divina quando lá chegarmos. Eu não tenho medo. Eu tenho esperança!
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