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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A Felicidade e as Obrigações Sociais



Já contei aqui que Natal nunca me deixou feliz. A culpa não é do Natal, mas das circunstâncias em que a combinação da felicidade pela data não sincronizavam com meu estado de espírito e condições sociais, financeiras, ou familiares em que eu me encontrava, lá nos tempos da infância, quando a data, presumo, deveria ter mais importância social.

Outro prazer comum, que para mim é quase alienígena, é praia. Isso mesmo. Praia! Eu não gosto de praia, mesmo vivendo por quase duas décadas em uma ilha com quarenta e duas belíssimas e convidativas praias. Também já morei a uma quadra da praia por outras três oportunidades. Ali do ladinho, de ouvir o barulho do mar ao dormir. Pois bem. Mesmo assim, eu não gosto de praia. Não entendam errado, porque eu acho lindo isso tudo. Acho saudável gostar de praia. Acho prazeroso caminhar na praia e dar um ou dois mergulhos na água fresquinha, e sendo isso possível, também limpa e balneável.

O que eu não gosto, não é o ambiente em si, mas as circunstâncias, e isso está indefectivelmente associado também às circunstâncias de minha infância. Mas não pensem que minha infância tenha sido parva, sombria, soturna. Não. Não foi não. Foi maravilhosa. E uma infância maravilhosa não é aquela vivida num conto de fadas, dentro de um castelo perfumado, sendo servido por fadas e se empanturrando de arroz doce. Não é só isso que faz uma infância feliz, prazerosa, saudável, mas ainda assim, passível de desprazeres comuns. E praia é um destes desprazeres, talvez incomuns, enquanto desprazer, mas frustrante, enquanto prazer não consumado.

Praia está associada a outra efeméride social que mexe com meu capítulo entediado: o feriadão!É aqui que meu capítulo íntimo extrema meu egoísmo e minha extrema insensibilidade ao prazer e satisfação alheios, porque sei que noventa por cento das pessoas que dependem do dia a dia para sobreviver, que vivem longe do litoral, odeiam praia e feriadões prolongados, e dez por cento, mentem! Eu explico.

Feriadão é ótimo quando você tem um bom emprego; quando você é funcionário público (bom emprego também); quando você mora em uma casa bem grande no interior, e nestas datas, pode receber parentes queridos e amigos de lugares distantes, para matar a saudade, jogar conversa fora, e rir muito, comer muito, brincar muito, então sim, feriadões são um pedaço do céu antecipado.

Gostar de praia, gostar de festas com multidões, ser feliz em datas determinadas, isso nunca coube em minhas opções de felicidade. Ser feliz é um estado individual, e promover a felicidade de outras pessoa, é um estado social. Mas bem diferente de proporcionar felicidade, e impor alegria fácil de bebedices e gritos vazios em festas que não condizem com aquilo que desejamos ser naquele momento. 

Gostar de praia só porque outros gostam, deixa o mar muito salgado na alma,e não nos deixa felizes. Gostar de festivais iluminados, só porque convencionou-se entrarmos em Êxtase naquele momento, é mais vazio que esvaziar-se de mundo e preencher-se de Universo ao contemplar a noite estrelada. O estase é mais pleno que o êxtase, quando somos plenos de coisas a sonhar, quando somos repletos de planos e perguntas, e principalmente quando nos entregamos ao sono na mesma hora que nosso corpo nos solicita repouso. Assim então somos livres. Assim então podemos ser felizes.

Praia é ótima, quando você mora longe do litoral, na serra, que tem que suportar dez meses de frio intenso em sua casa, na Serra, mas tem sua vida organizada financeiramente, para que possa separar um mês com a família e alguns amigos dos filhos, e levá-los junto à sua casa de praia, confortável, arejada, pertinho do mar, e ali, à sombra de uma bela garagem aberta, comer melancia, tomar chimarrão, sua cervejinha (sua, e não minha, porque odeio bebida alcoólica), seu refresco (esse sim, faça um pra mim também)e depois de um lauto churrasco, com arroz doce de sobremesa, possa esticar-se numa rede embalada pela brisa do mar, e deixar-se levar pelo ócio prazeroso, chamado "Férias na praia".

Mas eu nunca tive nada disso. E a grande maioria das pessoas com quem cresci, também não tinham, porém, se assim fosse, estaria bem, porque os amigos não seriam segregados pela condição social, haja vista que dentro do grupo, sempre havia quem contava com brilho no olhar, de sua expectativa das férias,da casa de praia, dos amigos de outras cidades, enquanto os mais pobrezinhos ficavam de olhinhos tristes, olhando para o infinito, e imaginando se eles não poderiam ser os convidados da vez para este farnel de delícias veranescas.

Mas não pensem que tudo era tristeza, repito, não era não. Depois que os mais abastados já tinham ido embora, sobrava para nós, os mais pobres, a fartura das matas, as frutas silvestres, as guabirobas, araçás, cerejas, goiabas (cada uma a seu tempo e estação, para nos confortar do feriadão de época também), e outras delícias, como nadar nos açudes, correr da cachorrada enquanto apanhava frutas nos pomares alheios (pronto, descobriram que para ser feliz um menino pobre precisa ser meio ladrãozinho de frutas suculentas em pomares de vizinhos), cujos donos espiavam em segredo e riam à "tripa forra", aguardando o momento em que estávamos já fartos, para sair do esconderijo e dar-nos um "cagaço", vendo de longe a gurizada que respingava barranco acima, barranco abaixo, e deitava cabelo mundo afora para escapar do "tiro de sal na bunda".

Fui conhecer praia aos treze anos de idade. Nesse tempo, não se construiu em mim apego pela água salgada e areia grudenta, tão intenso quanto o cheiro da água do rio onde aprendi a pescar, ou do trinado de pássaros misteriosos pelas matas onde deitava sem medo à sombra de uma caneleira, e sonhava com fadas, princesas, Julie Andrews, e um pé de goiaba serrana bem carregado, só pra mim. Sim senhor. Dá pra ser feliz sem praia ou feriadão. Basta fechar os olhos à uma sombra de uma árvore frondosa, e construir castelos para conquistá-los, montado num alazão branco, levando na garupa uma princesinha de voz suave e braços macios. E eu encontrei a minha, quase assim. Quase ali, a poucos dias depois da infância. E nem precisei de casa na praia para ser feliz. Busquei a felicidade por puro interesse. E continuo interessado.



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