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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O carrinho do supermercado e a ética de todos nós



Não é meu interesse comentar assuntos de relevância nacional ou global. Já tem gente demais fazendo isso. Mas também não posso me furtar de fazer uma reflexão, no momento em que estes fatos atingem a porta da minha casa. E também da sua.

Não vou falar deste ou daquele corrupto notório e notável, ou ainda dos que pela corrupção tornam-se notícias. Saem da obscuridade para a notoriedade pelas notas policiais que abarrotam nossas manhãs, azedando nosso desjejum e despejando vinagre no nosso cafezinho. Não precisamos julgá-los, porque já estão condenados. Até pode ser que muitos não cheguem a usar algemas, tornozeleiras, ou aquele uniforme verde, laranja ou seja de que cor a direção penitenciária determine. Estão condenados pela sociedade, pela historia, pelos tribunais dos botecos, e por você ou por mim. Somos suficientes juízes, promotores e carcereiros para encerrá-los definitivamente no livro dos culpados. Assunto encerrado!

Só que não. Tem mais culpados pela frente. Culpados pela ética, culpados pela má educação, que pela nova chamada cartilha do politicamente correto,   criou o politicamente injusto. Ainda estão no nosso caminho os culpados por cuspirem na calçada, por não devolverem o carrinho do supermercado ou da feira ao depósito de carrinhos, pois é mais cômodo deixá-lo na vaga livre ao nosso lado, afinal, não precisamos mais dele e o supermercado que se vire em mandar recolher. 

Tem mais culpados, quando a caneta que tomamos emprestada não foi devolvida, pois afinal é só uma canetinha barata. Ainda existem culpados quando encontramos um amigo desavisado, e também desavergonhado, que por estar em posição privilegiada na fila, aceita nosso calhamaço de contas para pagar em nosso lugar, passando a frente de outros que chegaram antes e tem mais paciência e educação do que nós.

Tem mais culpados, quando votamos nos candidatos a quem devemos favor, porque sabem eles que mais favor ainda podem cometer estando no poder. Tem mais culpados quando estamos no poder e valendo-nos da caneta julgadora, sentenciamos aqueles que opinaram diferentes de nós, e os defenestramos como mostra de nossa autoridade, como hálito de nosso poder.

Tem mais culpados quando colhemos as frutas da árvore do vizinho, porque estão ao alcance de nossa mão, mas também tem mais culpados quando passamos a tesoura na nossa árvore, para que o vizinho não possa comer as frutas que estiverem do seu lado do terreno.

Tem mais culpados quando não reduzimos a velocidade em dia de chuva, e encharcamos os pedestres. Tem mais culpados quando dominamos o controle remoto da tevê, impondo nosso gosto a quem tem menos voz na família. Somos culpados quando tratamos com aspereza o cidadão, estando em nós a possibilidade de sermos gentis, seja na coisa pública ou nas atividades privadas. Tem mais culpados quando bebemos água no bico da garrafa e a devolvemos à geladeira.

Tem mais culpados quando o telefone toca e mandamos dizer que não estamos.
Tem mais culpados quando deixam a palavra solta ao vendo, passível de interpretações, e depois diz: Nada devo, porque nada prometi.
Tem mais culpados quando alimentam esperanças que não tem intenção de cumprir. E depois cobram dos eleitos que cumpram aquilo que deixaram de prometer.

Tem mais culpados quando descobrimos a senha do wifi do vizinho e economizamos nosso pacote de dados, gastando o dele. Tem mais culpados quando temos contas a pagar, e damos chá de banco em que tem que receber. Tem mais culpados quando copiamos modelos de coisas e as produzimos, sem ressarcir os direitos autorais de quem os criou. Tem mais culpados quando baixamos programas piratas, em lugar de buscar software livre, se for caso de não pagar pelos originais. Tem mais culpados quando rimos pelas costas dos defeitos alheios, mas passamos de cara virada diante do espelho para não vermos a nós mesmos.

Há muito mais culpados do que inocentes. Mesmo assim, continuamos a eleger a quem podemos culpar, porque sabemos que são caras de pau mesmo. Há muito mais culpados do que possa imaginar nossa vã consciência.

Ou não?




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