AD SENSE

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Prosa de fila



Fila de banco. Daquelas enormes como em dia de pagamento dos aposentados. Calorão lá fora, então todos se apinham em serpentear zigue-zague para ocupar os espaços vazios da agência, sob as benesses do ar condicionado temperado de mofo. Não importa, pelo menos é geladinho.

Resolve o calor, mas não resolve o tédio. Apelamos para o celular. Está bem, com isso nos rendemos à geração zumbi. Felizmente nem todos sabem usar um celular, principalmente os da minha geração, que falam com o aparelho deitado em frente à boca, direcionado ao infinito, como uma antena, imaginando que seja um antigo walkie-talkie, e que ao fim da fala tenha que apertar um botãozinho e berrar: "Câmbio e desligo, copiou?". Esta mesma geração (a minha), tecla com o indicardor, um por um. Minuciosamente, delicadamente. Atormenta o interlocutor no cansaço da espera enquanto aqueles tres pontinhos amarram a atenção, porque leem que o macróbio ainda está "digitando uma mensagem".

Esta geração, a do indicador com calo, não consegue imaginar como é que a mocidade é capaz de digitar com os polegares mais velozmente do que eles datilografavam, no tempo da Olivetti Lexicon. Chegam até a ensaiar alguns créditos à teoria da tal "Geração índigo" defenestrada de Alfa Centauro. Ou então é "Côsa do demônho mesmo".

Então, alijados da destreza ao smartphone, só resta puxar um dedo de prosa com outro semelhante, geralmente na mesma fila preferencial. Mas falar do que, com um estranho? Política?} Não, nem pensar. Política, religião e futebol não se discute em fila de banco. Carestia então? É uma alternativa para puxar assunto. Mas olhando a cara das pessoas, nem precisa falar em carestia. Está estampado na cara. 

O tédio continua, e a fila não anda. Ouve-se o "plim-plon" da senha, e de modo mecânico, examinamos o bilhetinho amarelo. Faltam vinte para chegar a nossa vez. Urgente precisamos puxar assunto, porque vinte na frente são pelo menos quarenta minutos.

Contamos já todos os ladrilhos do piso. As janelas, examinamos todas as pessoas, imaginamos o que estariam pensando, já reconstruímos historias de cada um, sem uma única palavra. Mas o tédio continua. Até que milagrosamente somos acordados de nossos devaneios por alguém que está passando pela mesma situação, mas foi mais corajosa e menos tímida. Um vencedor. Ousado, intrépido. Tomou a decisão por nós, e a prosa desata!

- A gente aqui penando e os políticos lá fazendo as coisas que fazem contra o povo. Olha esse Renan, que praga ruim!
- Grunf...

- Minha filha tá tentando uma consulta no ginecologista há mais de seis meses e nada...dá raiva até!
- Coitada..
- Esses bandidão, viu o que estão fazendo? Matando por nada! Outro dia mesmo atropelaram outro bandido na frente do postinho da polícia, e sumiram... ninguém viu nada..o povo nunca vê nada..
- É tá feia a coisa. Em minha rua também não está fácil sair à noite..

Ah, pra quê você foi mexer no assunto! Ah pra quê? Deu corda e aparecem três para dar detalhes..

- Ó..esse negócio aí de "istrupo" em escola". Eu sou contra!
- Tinha que capá" Tinha que tacá fogo!
-Grunf...
Tinha que mandá os "istrupador" pra Sibéria.
- É! Eu também não gosto de argentino. O "Tramp" falou que eles são tudo "istrupador", e que vao mandar construir um muro no México pra prender os istrupador que entram escondidos, vindo da Sibéria.
- O "Tramp" é muido doido. Mas era bom um "Tramp" aqui pra prender o Renan.
- É tinha que capá!
- O preço da passagem tá cada dia mais alto..
- Tinha que prender os donos dos ônibus e mandar pro México, pro "Tramp" prender na Sibéria.
- É tinha que capá!
- Grunf..

O sinal chama a sua vez. Glória! Chegou a sua vez! Você corre com avidez para o caixa, libertador, paga suas contas, verifica o saldo, faz umas contas e corre pro Magazine Luiza. Vai financiar um smartphone de última geração, e contratar um guri pra te ensinar a dedilhar o mistério do aparelhinho.



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