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Tenho quase sessenta anos de idade. Nasci em Cazuza Ferreira, embora nunca tenha ido lá. Fui levado para Gramado, minha terra ancestral, com um ano de idade e por lá amarrei o pingo. E fiquei. Como vento pampeano, me desgarrei pelo mundo, mas minha estância do peito sempre foi e será Gramado. Ali engordei minhas primeiras lombrigas. Cacei de funda. Mijei na cama. Colhi Gavirova (a qual insistem em chamar de Guabiroba) e cereja, goiaba serrana e araçá pelos matos, e joguei "bulita" nos fins de tarde.
Foi em Gramado que aprendi a cevar um mate, dançar " O pezinho", e cultivar o amor pelas coisas do Rio Grande do Sul. Cresci ouvindo Teixeirinha, e cheirando bosta de cavalo. Aprendi a declamar, escrevia versos, e gostava de cantar "Negrinho do Pastoreio". Até presenciei uma cena, já contada em algum outro causo, onde o autor de "Negrinho", Barbosa Lessa, estava presente quando sua canção foi apresentada como "folclore", fato que muito irritou sua esposa e quase desceu a tamanca na orelha de quem dissera tal afronta. Isso tudo dentro do CTG.
Era péssimo dançarino, eu. Desconcentrado, sem ritmo, não conseguia dar dois passos sem errar três. Não segui carreira, e dançar "Chula" tornou-se um sonho distante. Dança dos facões, nem pensar. E assim, aos dezoito anos de idade, já metidinho na política, ocupava a elegante função de "Aspone-em-chefe" da Secretaria de Turismo, oficialmente denominado de "Chefe de Gabinete", função, aliás, que foi criada para me dar emprego. Meu passado é sujo. Mas tentei ao menos fazer jus ao cargo. Trabalhei muito. mesmo porque éramos três na Secretaria, para tudo. Festival de Cinema, Fearte, e todos os eventos de natureza cultural, que eu era encarregado. Um destes eventos, a FEARTE, tinha atividades culturais paralelas. Sugeri então ao então Patrão do CTG Manotaço, Jorge Corrêa, ue montasse um acampamento nativista, e mais que isso, que organizasse uma "Missa Crioula", que, mesmo não sendo católico, eu achava linda a manifestação nativista que ela oferecia. O padre, um tal de Paulo Aripe, contador de causos, principalmente se abastecido com uma costela gorda e uma guampa de canha, era divertido "pra mais de metro". Deste feito até fui convidado a ser sócio do CTG. Convidado de honra, acrescento. Sem ter que pagar "Jóia". Fiquei pouco tempo. Inveja de quem sabia dançar.
Apesar disso tudo, nunca havia vestido uma Bombacha. Achava muita grossura. Dizia que CTG era o resumo de "Cemo Tudo Grosso". Assim pensava eu das coisas da minha terra. Só fui tomar gosto e me aprofundar um pouco mais na alma de nossas raízes, com o movimento telúrico que brotou dos festivais, da Califórnia da Canção de Uruguaiana, e fomentada diariamente pela qualidade e seleção musical da recém fundada Rádio Liberdade, de Viamão.
Os anos se foram. Gramado sofisticou-se. A música gaúcha se agigantou. Ganhou o Brasil e o mundo. O chimarrão deixou de ser deboche (exceto dos cariocas, que são um belo modelo cultural e com essa bola toda, abusam das gracinhas contra os de bombacha), e o churrasco ganhou o glamour do mundo inteiro. Menos em Gramado.
Participei de uma reunião de cunho político, com os representantes da Cultura de Gramado, dentro de um restaurante muito semelhante aos outros sei lá, trezentos restaurantes, da cidade, com uma diferença agravante: no CTG. Não era um restaurante típico gaúcho. Era um restaurante dentro do espaço antes destinado ao ensino e ao cultivo das tradições gaúchas em Gramado. Nesta reunião vi alguns gaudérios tremendo o beiço ao falar de seus sentimentos nativistas, e vistos como se fossem personagens que saltaram de um museu para uma vitrine de shopping em Nova Iorque.
Juntando a isso, vejo uma belíssima praça dedicada à memória das etnias que formaram Gramado desde sua primeira colonização. Belíssimo! Tem lá inclusive uma pequenina casa denominada de "Casa Portuguesa", dedicada à etnia açoriana. Muito bem. Eu descendo de açorianos. Judeus açorianos, bem explicado. Tem também a casa italiana e a casa alemã. Ótimo. Certo mesmo. Foram estas as etnias que formaram Gramado e precisam resgatar suas origens, o que alemães e italianos não ficam devendo nada. Cumprem o dever de casa. Italianos criaram um museu e uma belíssima senhorita recebe uma contribuição simbólica, e pacientemente acompanha o visitante contando passo a passo da historia que contaram á ela. A casa alemã não tem nada disso, mas tem coisa muito melhor: Vende comida gostosa. Nem precisa falar nada. Comer é uma aula de civilização. E a casa portuguesa...bem, a casa portuguesa...tem eventualmente algumas simpáticas pessoas que contam historias rebuscadas sobre os antigos açorianos que colonizaram Gramado, falam de suas festas típicas, mostram as roupas coloriras que usavam, e expõem fotografias das antigas casinhas coloridas típica da Ilha dos Açores. Você se sente dentro dos Açores mesmo...Opa..desculpe...isso é Florianópolis, Santo Antônio de Lisboa, Tapera, Barra da Lagoa, Laguna...mas Gramado? Olha: Minha avó era uma contadora de causos. E eu ouvi todos eles, Milhares de vezes. Minha avó nasceu em Gramado. Os pais dela também nasceram. Meu tetravô fundou o povoado. Mas nunca ouvi falar de nenhuma destas coisas que contam lá dentro.
Mas, não pare de ler aqui, para não pensar que que estou chamando os queridos zeladores daquele patrimônio adventício de mentirosos. Não estou. Eles realmente estão buscando bravamente isolados, desbravar a muralha que foi construída na separação das culturas, e sim, há muito da cultura portuguesa, espanhola, indígena e também açoriana nas velhas paredes das casas antigas já tombadas pelas lembranças, que edificaram Gramado. Mas não será pela boa vontade dos parcos recursos e membros de uma casinha semi abandonada na imponência da bela arquitetura de Gramado, que este resgate será feito, e sim por uma política cultural que possa reunir aqueles valores nativos e nativistas do Rio Grande do Sul, com a imponência e o reconhecimento que Gramado alcançou pelo mundo afora. Gramado deve isso ao Rio Grande. o Rio Grande está quebrado, mas Gramado ainda não, e queira D's que jamais chegue a isso. O Rio Grande tem orgulho de Gramado, mas Gramado esconde o Rio Grande atrás de vitrines cintilantes. o Rio Grande é mais que boa música e bom churrasco, embora uma coisa chame outra, Gramado tem muito mate a oferecer a quem a visita, mas muito mais a servir aos que por lá se edificam. Ser gaúcho é bem mais que saber cantar o Hino Riograndense na Semana Farroupilha, e trabalhar pilchado acentuando a silaba tônica.
Penso que agora não há mais porque fazer promessas de campanha, mas há algo que o novo Prefeito e sua equipe (que ainda não disse qual será) possam fazer para resgatar este pulsar gaudério que construiu nossa historia. Penso que não seria desaprovado por ninguém, se o Centro de Cultura destinasse um espaço e uma diretoria que se dedicasse a restabelecer o gauchismo que foi perdido na mais bela cidade do Rio Grande, mas que poderá ser, se assim o desejar, a mais gaúcha e hospitaleira querência do Brasil.