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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A Besta do Apocalípes - Causos da Carsulina



Este é para matar a saudade da Carsulina.
Apolônio Lacerda ainda estava sendo criado, e neste causo, que resolvi manter, seu estilo era outro.

CADEIRAS NA VARANDA
Causos de tempo da Onça
Pacard
CAPÍTULO I
Tio Luca, Apolônio Lacerda e Carsulina

O porco

Apolônio Lacerda
Apolônio Lacerda era um indivíduo de meia idade, solitário, misterioso, muito religioso, beirando à beatitude em certas ocasiões. Não era má pessoa. Tinha bons sentimentos, era solidário nos infortúnios e sempre buscava uma palavra de conforto diante das adversidades. Mas era ranzinza. Do seu jeito ranzinza, levava a vida no vilarejo, buscando mais a companhia dos animais e da sua velha e surrada Bíblia, do que das pessoas em geral. Um homem cheio de mistérios, mas de boa paz. Deixavam-no quieto, pois tinham Apolônio na condição de um profeta, um conselheiro, cultivando por ele o mesmo respeito que tinham para com a primeira dama do Bassorão, Carsulina de Aragonés Fuentes Y Arrancatoco.

Certas ocasiões, Apolônio se punha em debates "tcholójecos" com o Frei  Uomo, sendo aparteado aqui e acolá por Carsulina, que se mijava de rir dos dois carolas, enquanto servia o mate da roda e fritava uns bolinhos pra mistura do café da tarde. Era um trio amistoso e bom de briga quando se tratava de temas ligados à natureza humana e seus deslizes. E um desses deslizes estava justamente com um certo Tio Luca que foi apanhado na tentativa de roubar um porco no curral da Carsulina. Tio Luca era bitata de nascença, trocava o S pelo V e  sibilava ao falar, principalmente quando ficava nervoso. Mas sempre tinha uma saída audaciosa para suas façanhas.

Carsulina ouviu um barulho que vinha de trás do rancho. As galinhas estavam asssutadas. O chumbregâncio, um cusco  brasino, feio como congestão de torresmo latia sem parar e se ouviu um guincho forte do porco no chiqueiro. Carsulina passou a mão na velha "espera um pouco", um trabuco de carregar pela boca do cano, um lampião, calçou as botinas e saiu porta afora com a mão no gatilho pronta pra peleia, e berrou:
- Quem é o maleva que tá percurando afiná a voz e tomá um tiro de sal na bunda?
Silêncio. Carsulina levanta o lampião e dá de cara com Tio Luca, com um enorme porco nas costas, olhos arregalados - ele e o porco, já trocando pernas com o peso do bicho.
- Bunito, né mêmo, Tio Luca? Roubando porco!!!
Tio Luca arregala ainda mais o olho vermelho de cachaça, olha por cima do ombro assustado e exclama:
-Porco? Que porco?
E com a mão batendo no ombro como se tirasse um gafanhoto, dá uns tapinhas no leitão e diz ligeiro:
Ih, tira esse bicho daí! Tira esse bicho daí!

Carsulina passa-lhe um pito, mas por ser uma boa alma, não o despede sem que entre no rancho e se abasteça com bolinho frito, chá de mate, um revirado de ovo com farinha de mandioca, o tal "Tio Bento Ruivo", e ainda mete-lhe uns trocados no bolso para que vá em paz.
No dia seguinte, o episódio caiu no esquecimento, pois logo cedo aparece Apolônio com uma moranga embaixo do braço, e um saco de milho verde nas costas, batendo no portão de Carsulina:
- Ó de casa, ermã! Leluia! Grória! A Paz, Carsulina! Prenda o dóga que venho em paz, ermã!
- A paz, ermão Polônho. Se acheque que o dóga é manso e foi capado, siô!
-Mas o meu medo é só que me morda ermã!
Carsulina dava gargalhada e já puxava um banco e acomodava o amigo para uma prosa matinal.

- O amigo me acumpanha num cuscuz com leite gordo?
-Apolônio ergue uma sobrancelha e esboça um sorriso pela metade, o que sendo quem era, equivalia uma gargalhada inteira!
O amigo me aperpare o fogo enquanto vou ali no galinheiro arrecoiê uns ôvo. Deixei o Indéz lá e as franga ponháro uns ovo pra nosso revirado. O leite ja tirei e o cumpadre só arrepare que não derrame, que já vorto.
Apolônio junta uns gravetos e sopra umas brasas que ficaram entre as cinzas do dia anterior, fazendo logo um fogo bicharedo para esperar o cuscuz da Carsulina, prato famoso no Bassorão e além fronteira.
Carsulina volta com uma cesta de ovos e passa na horta para catar uns temperos para o refestelo matinal na companhia do amigo. Faz um mexido de cuscuz com ovo e cebola frita, um café de chaleira à moda do campo e serve o amigo, que nem fala para não perder nenhuma colherada da delícia matinal.

Terminado o desjejum, Carsulina arruma a mesa, lava a louça, Apolônio busca lenha, deixam tudo em ordem, e sentam-se na varanda apreciando as coxilhas que emolduram o lugar ao som das cigarras e dos sabiás entre o arvoredo. Mergulham no silencio com olhar fixo no cenário, e Carsulina quebra o silêncio, dando início à prosa.

- O Cumpadre havera de me dizer alguma cousa, pois não?
-Vaticínios, ermã. vaticínios! Auguro que pecaminosos pensamentos devorteiam os lares nesta caminhada dos dias, prenunciando o apocalípes! Vigia, ermã! vigia!
Carsulina arregala os olhos e pergunta:
-Tão grave ancim, cumpadre? Cousa cabulosa deveras?
Apolônio balança a cabeça consentindo, sem tirar o olhar travado no horizonte.
-Vosmecê vaticinou antes ou dispois do trago, cumpadre?
-Sou abestêmeo, ermã! Sou crente! Não me entrego ao víuço nem às conjuminâncias!  Não compaquetuo e dou nome ao pecado (e abraça sua velha e surrada bíblia). Leio nas Sagradas Escrituras que cousas cabulosas hão de acontecer e tremo por medo de me perder, ermã.
Carsulina era debochada e caborteira. Mas não brincava com a  fé alheia nem fazia troça das coisas da Divindade, Isso lhe interessava sempre.
-E o cumpadre percurou o Frei Uomo?
Apolônio deu um pulo.
- Aquele embachadô do demo? Lacaio da besta?  E vosmecê não tem tenência de que  o chefe dele é a besta do apocalípes? ..Bão. Pois foi duma prosa com ele que resorvi percurá a ermã. Ele me rogou uma praga e me respingou água xuja nas venta falando umas cousa feia em ingrêis...

-Latim, cumpadre. latim! - emendou Carsulina.
-Também! Fui convertê ele mas o ome amuntô numa onça quando falei que ele era bidiente à besta do apocalípes, e me disse que besta era eu.

Carsulina fez silencio e matutou. Tinha ouvido falar da rivalidade entre crentes e católicos romanos, mas não sabia muito dos argumentos de um ou de outro lado. Contudo, tinha que acabar com aquela rivalidade pela paz do Bassorão, que era responsabilidade sua. Tanto Apolônio quanto o Frei eram seus amigos, e uma rixa não contribuía em nada com a tranquilidade do lugar. Matutou e falou com voz mansa ao amigo iracundo.

- Filho! Vosmecê há de cumprendê que rilijãm é como cuéca: cada um veste a sua pópria pra mor de não cheirar os traques alheios. Vosmecê ha de cumprendê que Frei Uomo tem respeito por todas as almas, memo que cheje invanjélico ou católco. O frei só cutuca com vara curta os pulitico, que muntos deles são chujo memo. E vou le contar um segredo que vaticinei certa noite nas minhas matutação: Eu sei quem é a besta da apocalípes!
-Apolônio deu um pulo, arregalou os olhos, ergueu os braços ao céu e exclamou:
-LELUIA!!! Grória! Diaga ermã, quem é?
-Bem, filho. Na verdade ele mora aqui no nosso país. Usa bigode, e senta num trono de chujêra ja fás uma quarentena ou mais de anos...é o tar que era, é e vortou a ser...bem do jeito que tá no apocalípes...
Apolônio baixou a cabeça e fez uma longa oração. Carsulina o acompanhou...

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