AD SENSE

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Carsulina - Da Astrolojia à Pecicolojia




CAPÍTULO II
Da Astrolojia à Pecicolojia

Carsulina era crente. Cria em tudo. Mas ao mesmo tempo, desconfiava de tudo também. Homem na lua? Ouviu falar e não duvidava. Mas não do jeito que contavam. Foguete nada. Viagem decente tinha que ser em lombo de mula pra não arriar no meio do caminho. Daí, em sua imaginação, tinham achado um jeito de apinchar uma mula com gente montada numa hora em que a lua estivesse bem perto da terra, lá na linha do horizonte. Era um "upa" e estavam na lua. E pra voltar, a mesma coisa: enchia os jacás com queijo no rancho do são jorge. Tomavam umas cuias de mate e uma costela de dragão na brasa, e depois voltavam. Era simples. Cousa corriqueira. Era desse jeito que Carsulina explicava as coisas difíceis ao povo simplório do Cêrro do Bassorão.
Horóscopo. Esse era ainda mais fácil de explicar, pois já que achava tudo um amontoado de bobajada mesmo, Carsulina criou um jeito de formular seus próprios signos. Por exemplo: Touro, não era mais touro, pois por ser um aminal veiáco e pulador de cercas, foi capado e tornou-se boi. Manso e gordo. Dominava o pasto, mas era bom pra puxar carroça. Então, um bicho assim tão sem vontade, embora forte, como poderia orientar os destinos das pessoas nascidas sob o mesmo curral e na data que comemorava exatamente sua capação?
Da mesma forma, era com Áries. O nome era pomposo, mas o bicho, francamente, não passava de um bode. E todo bode fede. Daí Carsulina estabeleceu que todo fedorento, mesmo que nascido em outra data do calendário astral, ao qual chamava de "oroscopista", estava sob a regencia do bode, e como tal, ainda sujeito a outros atributos do bicho, que não convém comentar aqui, porque este causo também pode ser lido por menores.
Câncer. O nome feio Carsulina trocou por "Churrio". Que dava no mesmo, pois em anos passados, churrio matava mais do que infarto ou câncer mesmo. Então pressupunha cousa cabulosa, pessoa de gênio empertigado e que carecia de observância permanente.
Sagitário, era o mais divertido. Recebeu a alcunha de "Pocotó". Carsulina achava muito simpático aquele arqueiro metade homem, metade cavalo e metade outra coisa qualquer que não convém nominar.
Peixes, lá no Bassorão era "Lambari". O bão era comê-los fritos, bem torradinhos, com pão de mío.
Libra, Carsulina ensinava que era uma balancinha de medir a verdade, e era frequente pegar algum mentiroso contando lorota dizendo que era do signo da "balancinha de pegá veiáco". O sujeito perdia o rumo do que estava mentindo e logo travava.
Desta forma, Carsulina quebrou o costume do povo não dar um peido sem consultar os presságios, e ainda dar umas boas risadas quando surgia uma adversidade. Carsulina ensinou às pessoas que existem certas regras de bons procedimentos que devem nortear nossas ações, mas que não determinam nossos passos que são apenas nossos, e quem nenhuma estrela que desaparece atrás da primeira nuvem, será capaz de dizer que o sujeito é bom, mau, covarde, valente, altruita ou de outro jeito qualquer. 
Era uma velhota rude, mas não era ignorante. Usava a "pecicolojia" para endereitar de um modo divertido e maroto, o caráter de seus afilhados. E ainda dava boas risadas, pois era esse seu jeito de driblar infortunios.

CAPÍTULO III
Birruga

(Causo inspirado numa biografia não reconhecida aue meu amigo Marco Aurelio Brasil Lima fez de mim certa ocasião)
Sou Birruga. Conhecido por Birruga. Me chamam  de Birruga. Minha história é triste, mas deve ser contada de pai pra filho para testemunho da bravura das pessoas que forjaram com tenaz de ferro a grandeza do Cêrro do Bassorão.
Nasci no Cêrro do Bassorão. Mas não fiquei no lugar a vida toda. Não senhor. Não fiquei. Teria ficado se me deixassem, mas não me deixaram. Meu comportamento me fez sair de lá muito cedo. Eu lembro bem. Tinha dois anos de idade. Era um guri novo. Bem novo. Com  apenas dois. Dois anos de idade. Mijava na cama. Ainda mijo.
 Lembro bem. Eu estava tentando parar de beber. Frequentava um grupo de  dependência láctea,  o TETA (Trabalho Especializado de Transformação do Aleitamento). Aí fui expulso de lá. Carsulina não estava naqueles dias. Tinha viajado para o estrangeiro. E depois foi para fora do país. O Cêrro era uma terra sem lei. Os mais fortes batiam nos mais fracos. E houve uma confusão por conta dumas vadias no bolicho do Tuiuco. Eu havia bebido muito. Não lembro de nada. Só lembro que saíram dois esfaqueados. E botaram a culpa em mim. Fui preso. Condenado a dezoito anos de cadeia, cumpri todos, e aos cinco anos de idade, saí, por bom comportamento. Tomei outro rumo na vida e arrumei um trabalho. Ganhava pouco, mas era digno. Por onze anos, carregava sacos de batatas para um armazém, onde me deixavam dormir aos fins de semana. Tempos duros, mas na vida de um homem de verdade, dureza é sobremesa. Não posso me queixar. Eram bons comigo. Deixavam-me comer com o guri. Lado a lado. Depois, venderam o guri. Vou sentir saudade daquele burro.
O tempo passou. Voltei pro Cêrro com uns trocados no bolso. Um toco de canivete e um naco de fumo que troquei pelas botas. Uma bota, na verdade. A outra eu nunca encontrei. Mas servia para almoçar dentro dela.  Aí um dia passando pela igreja, ouvi um gemido nos fundos. Fui espiar. Sempre vou espiar quando ouço gemidos nos fundos da igreja.  Assim sou eu. Meu nome é "espião". Era uma velha mijando. Achei uma falta de respeito. Tive que bater na velha. Fui preso de novo. Mais doze anos em cana. Aquilo já estava ficando enjoado. Fiz um acordo com o delegado e ele entendeu minha situação e pouco mais de vinte anos depois, me soltou. Acredito no dom da palavra. Passei a lábia nele, eu sei.  Me sinto culpado por isso, mas eu era um guri. Tinha seis anos. Tinha que me virar. me virei e lá estava ela: com os cabelos soltos ao vento, vestido branco e barba por fazer. Olhou pra mim. Olhei pra ela. "Se olhêmo". E sem dizer nada, fomos embora. Saí dali desgostoso e voltei a beber.
Bebi por mais oito anos. bebia dia e noite sem parar. Estava na miséria total. Aí encarei a situação e decidi: vendi as garrafas do que havia bebido. Vendi todas. Fiquei rico. E voltei pro Bassorão.
Não conheci mais ninguém e ninguém mais me conheceu. Melhor assim. Aí não precisei pagar os vales que assinei no bolicho do Tuiuco. Nem o que saí devendo no jogo de truco pra Carsulina e pro Frei Uomo.
Montei meu negócio e toco em frente. Confio no negócio. O negócio nunca me deixou na mão. Me leva longe. Me traz de longe. bem, aprosa vai boa, mas é tarde e vai chover. Vou-me já que está pingando. Até a volta.
Upa! Upa! Bamo Negócio! Bamo mula! upa..upa...

..................




Nenhum comentário:

Bella Ciao e Modelo Econômico de Crescimento - Táticas e Estratégias que modelam o Pensamento Político

Imagem: Bing IA Pacard - Designer, Escritor, e Artista, que tem nojinho de políticos vaidosos* "E sucedeu que, estando Josué perto de J...