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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Gramado Nativa - As raízes esquecidas

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Tenho quase sessenta anos de idade. Nasci em Cazuza Ferreira, embora nunca tenha ido lá. Fui levado para Gramado, minha terra ancestral, com um ano de idade e por lá amarrei o pingo. E fiquei. Como vento pampeano, me desgarrei pelo mundo, mas minha estância do peito sempre foi e será Gramado. Ali engordei minhas primeiras lombrigas. Cacei de funda. Mijei na cama. Colhi Gavirova (a qual insistem em chamar de Guabiroba) e cereja, goiaba serrana e araçá pelos matos, e joguei "bulita" nos fins de tarde. 

Foi em Gramado que aprendi a cevar um mate, dançar " O pezinho", e cultivar o amor pelas coisas do Rio Grande do Sul. Cresci ouvindo Teixeirinha, e cheirando bosta de cavalo.  Aprendi a declamar, escrevia versos, e gostava de cantar "Negrinho do Pastoreio". Até presenciei uma cena, já contada em algum outro causo, onde o autor de "Negrinho", Barbosa Lessa, estava presente quando sua canção foi apresentada como "folclore", fato que muito irritou sua esposa e quase desceu a tamanca na orelha de quem dissera tal afronta. Isso tudo dentro do CTG.

Era péssimo dançarino, eu. Desconcentrado, sem ritmo, não conseguia dar dois passos sem errar três. Não segui carreira, e dançar "Chula" tornou-se um sonho distante. Dança dos facões, nem pensar. E assim, aos dezoito anos de idade, já metidinho na política, ocupava a elegante função de "Aspone-em-chefe" da Secretaria de Turismo, oficialmente denominado de "Chefe de Gabinete", função, aliás, que foi criada para me dar emprego. Meu passado é sujo. Mas tentei ao menos fazer jus ao cargo. Trabalhei muito. mesmo porque éramos três na Secretaria, para tudo. Festival de Cinema, Fearte, e todos os eventos de natureza cultural, que eu era encarregado. Um destes eventos, a FEARTE, tinha atividades culturais paralelas.  Sugeri então ao então Patrão do CTG Manotaço, Jorge Corrêa, ue montasse um acampamento nativista, e mais que isso, que organizasse uma "Missa Crioula", que, mesmo não sendo católico, eu achava linda a manifestação nativista que ela oferecia. O padre, um tal de Paulo  Aripe, contador de causos, principalmente se abastecido com uma costela gorda e uma guampa de canha, era divertido "pra mais de metro". Deste feito até fui convidado a ser sócio do CTG. Convidado de honra, acrescento. Sem ter que pagar "Jóia". Fiquei pouco  tempo. Inveja de quem sabia  dançar.

Apesar disso tudo, nunca havia vestido uma Bombacha. Achava muita grossura. Dizia que CTG era o resumo de "Cemo Tudo Grosso". Assim pensava eu das coisas da minha terra. Só fui tomar gosto e me aprofundar um pouco mais na alma de nossas raízes, com o movimento  telúrico que brotou dos festivais, da Califórnia da Canção de Uruguaiana, e fomentada diariamente pela qualidade e seleção musical da recém fundada Rádio Liberdade, de Viamão.

Os anos se foram. Gramado sofisticou-se. A música gaúcha se agigantou. Ganhou o Brasil e o mundo. O chimarrão deixou de ser deboche (exceto dos  cariocas, que são um belo modelo cultural e com essa bola toda, abusam das gracinhas contra os de bombacha), e o churrasco ganhou o glamour do mundo inteiro. Menos em Gramado.

Participei de uma reunião de cunho político, com os representantes da Cultura de Gramado, dentro de um restaurante muito semelhante aos outros sei lá, trezentos restaurantes, da cidade, com uma diferença agravante: no CTG. Não  era um restaurante típico  gaúcho. Era um restaurante dentro do espaço antes destinado ao ensino e ao cultivo das tradições gaúchas em Gramado. Nesta reunião vi alguns gaudérios tremendo o beiço ao  falar de seus sentimentos nativistas, e vistos como se fossem personagens que saltaram de um museu para uma vitrine de shopping em Nova Iorque.

Juntando a isso, vejo uma belíssima praça dedicada à memória das etnias que formaram Gramado desde sua primeira colonização. Belíssimo!  Tem lá inclusive uma pequenina casa denominada de "Casa Portuguesa", dedicada à etnia açoriana. Muito bem. Eu descendo de açorianos. Judeus açorianos, bem explicado. Tem também a casa italiana e a casa alemã. Ótimo. Certo mesmo. Foram estas as etnias que formaram Gramado e precisam resgatar suas origens, o que alemães e italianos não ficam devendo nada. Cumprem o  dever de casa. Italianos criaram um museu e uma belíssima senhorita recebe uma contribuição simbólica, e pacientemente acompanha o visitante contando passo a passo da historia que contaram á ela. A casa alemã não tem nada disso, mas tem coisa muito melhor: Vende comida gostosa. Nem precisa falar nada. Comer é uma aula de civilização. E a casa portuguesa...bem, a casa portuguesa...tem eventualmente algumas simpáticas pessoas que contam historias rebuscadas sobre os antigos açorianos que colonizaram Gramado, falam de suas festas típicas, mostram as roupas coloriras que usavam, e expõem fotografias das antigas casinhas coloridas típica da Ilha dos Açores. Você se sente dentro dos Açores mesmo...Opa..desculpe...isso é Florianópolis, Santo Antônio de Lisboa, Tapera, Barra da Lagoa, Laguna...mas Gramado? Olha: Minha avó era uma contadora de causos. E eu ouvi todos eles, Milhares de vezes. Minha avó nasceu em Gramado. Os pais dela  também nasceram. Meu tetravô fundou o povoado. Mas nunca ouvi  falar de nenhuma destas coisas que contam lá dentro.

Mas, não pare de ler aqui, para não pensar que que estou chamando os queridos zeladores daquele patrimônio adventício de mentirosos. Não estou. Eles realmente estão buscando bravamente isolados, desbravar a muralha que foi construída na separação das culturas, e sim, há muito da cultura portuguesa, espanhola, indígena e também açoriana nas velhas paredes das casas antigas já tombadas pelas lembranças, que edificaram Gramado. Mas não será pela boa vontade dos parcos recursos e membros de uma  casinha semi abandonada na imponência da bela arquitetura de Gramado, que este resgate será feito, e sim por uma política cultural que possa reunir aqueles valores nativos e nativistas do Rio Grande do  Sul, com a imponência e o reconhecimento que Gramado alcançou pelo mundo afora. Gramado  deve isso ao  Rio Grande. o  Rio Grande está quebrado, mas Gramado ainda não, e queira D's que jamais chegue a isso. O Rio Grande tem orgulho de Gramado, mas Gramado esconde o Rio  Grande atrás de vitrines cintilantes. o  Rio Grande é mais que boa música e bom churrasco, embora uma coisa chame outra, Gramado tem muito mate a oferecer a quem a visita, mas muito mais a servir aos que por lá se edificam. Ser gaúcho é bem mais que saber cantar o Hino Riograndense na Semana Farroupilha, e trabalhar pilchado acentuando a silaba tônica.

Penso que agora não há mais porque fazer promessas de campanha, mas há algo que o novo Prefeito e sua equipe (que ainda não disse qual será) possam fazer para resgatar este pulsar gaudério que construiu nossa historia. Penso que não seria desaprovado por ninguém, se o Centro de Cultura destinasse um espaço e uma diretoria que se dedicasse a restabelecer o gauchismo que foi perdido na mais bela cidade do Rio Grande, mas que poderá ser, se assim o desejar, a mais  gaúcha e hospitaleira querência do Brasil.




4 comentários:

Unknown disse...

Interessante saber sobre tua vida, teu passado e presente judeu açoriano, sobre o qual espero que nos detalhes com cuidado histórico e religioso numa outra crônica. Muito bom que, em Gramado, possamos todos ler, escrever (quase todos) e falar em português. Aqui o aspecto mais importante e firme da cultura que nos rodeia, que nos permeia e que instrumentaliza nossos pensamentos e expressões. É a língua com a qual tu e eu exteriorizamos nossas emoções, contamos nossas histórias e dizemos de nosso amor aos que queremos bem. Esse é um bem precioso, o que nos tira do atavismo selvagem e nos atira na civilização. Assim, a pequena Casa Portuguesa, na providencial Praça das Etnias (a qual deverá, sem qualquer dúvida, ser integrada pelas cores culturais dos negros e índios, os quais dariam integralidade a esse multicolorido étnico e racial que compõem a brasileira Gramado) é o farol pequeno, mas seguro, da base histórica da cidade. Falas muito bem quando chamas de "zeladores" os voluntários que dedicam gratuitamente horas de suas preciosas vidas a relatar a simplicidade da lógica da proveniência pioneira dos tropeiros de descendência açoriana que, tangidos junto com o gado que tropeavam, escolheram esta terra para colocar suas raízes e criar suas famílias, das quais os Cardoso, como a tua, juntamente com os Oliveira, os Moreira, os Moura, os Dutra, os Gil e tantas outras são exemplos edificantes e historicamente comprovados. Exatamente é sobre essa humanidade aqui presente que zelamos, pois me honra ser partícipe desse resgate e desse cuidado com a verdade, para a qual só muito recentemente, com o trabalho de pesquisa e levantamento levados a efeito por figuras importantes da cidade, como Marília Daros e Sebastião Fonseca, foi possível passar do conto para o registro documental, da estória para a história, da mentira adequada ao turismo ao relato adequado à verdade. A Casa Portuguesa, que claramente não representa a arquitetura tradicional da Gramado de madeira, que construiu suas casas com o recurso mais próximo e mais barato, a táboa da araucária, independente do sotaque e da cor dos olhos de seus moradores, é um monumento a essa proveniência pioneira, um pedaço da lembrança daqueles homens e mulheres que, no século XVIII, nas condições mais duras, deixaram suas ilhas no meio do Atlântico e espalharam-se pelas costas do que veio a ser o sul do Brasil. Aqui depositaram sua música, que influencia fortemente o folclore gaúcho (nos contas que dançavas o "pézinho", pois aí uma dança açoriana, como também o é a chimarrita e tantas outras que estão presentes de forma quase atávica em nossa maneira de expressar alegria e outros sentimentos). E os contos de velha tradição celta, e as benzedeiras, e os doces, e a devoção ao Espírito Santo, e as canções e jogos infantís. É a essa soma maravilhosa que zelamos e ajudamos a resgatar, com a seriedade e a felicidade de quem pode dedicar sua vida e seu tempo à integração de uma riqueza cultural que, mais do que nada, qualifica nossa cidade e a torna mais brasileira. Nossa, pois é tua também, Casa Portuguesa, é nesse sentido, o pequeno frasco que transporta o grande perfume. Um grande abraço, Paulo.
Yamil e Sousa Dutra
Em nome dos "zeladores"

Unknown disse...

Este septagenário, com os poucos neurônios que ainda funcionam, esqueceu de mencionar uma das famílias mais tradicionais desta terra que Deus nos deu, os Correia, que com os Oliveira, ajudaram a desenhar os limites do território gramadense.

Ille Vert disse...

Fico feliz com sua intervenção, amigo Yamil.
Escreva sempre e me corrija onde eu tropeçar. Vamos resgatar esta cultura em todos os seus ângulos.
Não sou empreendedor, mas às vezes gosto de pensar que sou motivador. Provocador. É isso que vou fazer neste espaço.
Um abração.

Ille Vert disse...

Há muitos outros nomes que engrandeceram esta terra. Não podemos nos ater apenas aos primeiros que chegaram. Outro dia fui agraciado com um livro do Sebastião Fonseca, que trata justamente disso.

O que faz a tua mão direita....

Evitem fazer alarde quando ajudarem alguém, não fiquem contando vantagem diante das pessoas, para  que sejam admirados e elogiados; aliás, s...