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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O dia em que faltou leite pro gatinho - Um conto quase absurdo

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Contava um sujeito que conheci, de um gatinho que teve quando era criança.  Gato esperto, daqueles raros, e muito exigente, também.  Gostava de beber leite, como todo gato gosta, e assim, mimadinho como ele só, ganhava todos os dias sua tigelinha transbordando do suquinho de vaca, para refestelar os longos bigodes, depois da lauta fartura, esparramando-se ao sol, pensando na vida.

Certa feita, o leite tornou-se escasso, e nem com reza de padre velho, encontrava-se um saquinho disponível no mercado. Nem no mercadinho, e nem no mercadão. O gato já andava subindo pelas paredes, de abstinência,e do nada, atirava-se contra as pessoas, num gritante pedido de socorro; Ele precisava de lactose. A situação estava tão crítica, que ele já enrolava casquinha de queijo num papelote, e fumava, desesperadamente, como se não houvesse amanhã.

Ninguém mais dormia na casa, diante dos desesperados miados do bichando, sentindo falta do leitinho diário. Até um milagre aconteceu, isto é, aconteceu pela metade. Mas não deixava de ser um milagre: alguém conseguiu contrabandear meio litro de leite. Mas tudo tinha que ficar em silêncio, afinal, outros poderiam também querer o tal leite, e não havia leite pra todo mundo. Sendo assim, meu amigo fez uma coisa: Meticulosamente calculado, ele dividiu o leite em cinco partes, uma para cada membro da família, que era composta de quatro pessoas. Isso mesmo:  o gato era a quinta pessoa daquela comunidade. Mas (sempre há um "mas"), meu amigo, precavido como era, não deu todo o leite num único dia. Misturou um tantico de leite com outro tanto de café. Não era leite puro, mas era leite; Café com leite, porém, leite também. E lá estava a cumbuquinha do gato cheia, transbordando, farta, de café com leite, tudo para o gatinho. Deixou no chão, chamou o bichano, e saiu de perto, para que o gato fruísse de sua intimidade com a substância. Era um momento muito pessoal, isto é, "gatal". O gato e seu potinho de leite.

Meu amigo, com o coração aliviado e a alma leve, ouvia, discretamente, detrás da porta, o "schlépt, schlépt" aimado do gatinho, que em poucos minutos, passou ao seu lado,de rabo erguido e acenando feliz, para o dono, indo recolher-se para a sua dignidade ensolarada. Ato seguinte, meu amigo corre para a cumbuquinha, e depara-se com uma surpresa digna de figurar nos anais da história da capacidade e genialidade que só os gatos possuem: O gato havia bebido apenas o leite, e deixado o café de ladinho.

Que lição eu tirei disso? Algumas. A primeira lição é que não pense que engana um gato. Gatos são sorrateiros, silenciosos, fazem as coisas sem deixar rastros. Diferente dos gambás, que são muito engraçadinhos, mas quando incomodados, liberam certas toxinas que, para outro gambá, pode ser até erótica, mas para o resto da bicharada, pode afastá-los da cumbuquinha de leite. 

Outra lição é  que um gato nunca será fiel ao humano que o serve,  mas apenas ao volume de leite servido na sua cumbuquinha. Não é por fome,pois gatos são hábeis caçadores. É pura vaidade mesmo. Para que possa mostrar-se aos demais gatos, que ele tem um humano apenas seu,  a seu serviço. Isso o torna uma autoridade. Seu ego é enaltecido, e sua despensa se enche com fartura. 

Porém, quando chega a hora de ter que dividir o leitinho com outros gatos, gambás, cachorrinhos, o gato não  aceita que o seu potinho baixe de qualidade, e torna-se audaz defensor dos fracos e oprimidos, no caso, elee mesmo, e luta até o último fio de bigode, para que sua canequinha se encha novamente de leite. Puro. Sem café.

Outra lição que posso tirar disso, é que, gato não morre de amores pala casa que o sustenta. Isso quem faz é o cão. Morre de fome, apanha, é chutado, e mesmo assim, lambe a mão do humano que o tratou mal. O gato não. Gato alia-se aos camundongos, ratos e ratazanas, e dispara em direção à fazenda onde as vacas ainda pastam gordas, e o leite está farto. E não encontra nenhuma dificuldade em reconciliar-se com os gatos dos vizinhos, porque onde há fartura de leite, as noitadas de agosto são bem mais animadas. E noitada de agosto nunca acontece na solidão.

Se eu fosse bicho, ia querer ser um gato.Mesmo que goste de café.



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