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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A cobrança do Apolônio Lacerda



Parafuso solto é um eufemismo para destrambelhado, sem noção ou amalucado. Não que Apolônio Lacerda fosse isso tudo,mas ele tinha métodos, digamos, pouco convencionais para cobrar um devedor, e quando o fazia, era em público mesmo para constranger a pessoa, e como deram a ele um emprego de cobrador, tinha que se virar feito bolacha em boca de véia pra cobrar os cabortêro.

O grande problema é que Apolônio tinha uma péssima memória visual e confundia as pessoas, levando ambos a constrangimento desnecessário, mas que saía-se muito bem, tenho que admitir. o Matuto era ligeiro no tirocínio.

Certa ocasião, conta ele próprio, que entrou num restaurante da cidade grande, e caminhou em direção a um casal muito elegante, sentado próximo ao balcão, e de longe, erguendo o dedão, berra:

- Mãs chê! Tu me morre tão cedo (acentuando o "tão", viu? Tou te percurando!(Acentuando também o "viu?")! Tava memo te percurando, veiáco cachorro! Jaguara desmamado!


Todos param, arregalam os olhos assustados, olhando aquela figura com os cabelos lambidos de banha e bigodes imensos caídos pelo queixo, e faz-se silêncio total á espera de uma reação do ofendido. Não houve. Ficou tão pasmo e inerte quanto assustado e desinformado.

-Mas e continua me oiando a plasta, como se não tivesse nada pra me dizêri, animáli (acetuando o "animáli")! Tu é um animáli, jaguara!
- Desculpe, senhor, mas está falando comigo?
- Não, veiáco! Tou falando co garrão da bota que vou te enfiá nas venta! Mas a vontade que me dá d te metê o relho e um soco nos beiço, que é pra tu aprendê a não sê veiáco!
- Agora o senhor já está passando dos limites! O que tem contra mim? Nem lhe conheço!
- Pous não conhece memo, mãs, chê! A minha ermã tu conhece bem, e fais seis meis que tu não paga a pensão do guri, nem a prestaçã da  geladêra dela, coitada! E o guri, que sente tanto a falta do pai (aqui Apolônio chega às lágrimas de tanta ternura). Ele prigunta: Cadêle meu páaaai? Mas cadêle meu paaai? Taí! Se escondendo das conta, se escondendo do mundo, trocô até de cara. Era cabiludo e agora tá careca! Era barbudo e tá aí com essa cara de bunda de piazote! Andava de bombacha e guaiaca e agora anda só de cola fina, gravata!
- Senhor, penso estar me confundindo, eu nunca....(nem terminou a frase e de canto de olho olhou pra esposa, que já ajeitava a mão num sapato pra meter nas fuças do adúltero). Eu nunca usei barba comprida, nunca usei bombacha, pois nem gaúcho eu sou...
- Mâns chê(falou de modo mais paternal agora)! Tu pensa! Quantas veis tu chegô lá e ele mandava simbora os outro só pra te fazê bilu? Quantas vêis tu saiu de lá borracho cas cerôla dela na cabeça no lugári do chapéu, e ela foi atrais ajeitá, pra módi tu não passá verguenza em casa ?  Tu devia honrá o nome do teu pai, o teu nome, Guajarino! 
- Guajarino? Mas que guajarino? Meu nome é Leopoldo!!!!
- Ah la fresca! Mãns chê! Inté de nome tu trocô também, patife? NUNCA MAIS dirija a palavra à mim, maleva!
 (Dito isso, tal como entrou, misteriosamente, virou as costas e se retirou do lugar, deixando o pobre Leopoldo procurando um lugarzinho pra se enfiar, uma toca de rato, um buraco qualquer, enquanto todos o olhavam com olhar B-52 carregado até o bico).

Lá fora, apolônio olha para o lugar que entrou e observa o número do prédio: 69!

- Mãns chê! O bietinho dizia 96! Ah la fresca! Nunca mais eu boto as fuça aqui por perto.....

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