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domingo, 26 de novembro de 2017

A história das religiões de Gramado até os anos 90 - Católicos que eram judeus e não sabiam, Umbandistas, Luteranos e outros


Quero começar uma serie de histórias dentro da própria historia de Gramado, abrindo alguns parêntesis de certas particularidades que construíram Gramado até o presente momento, embora, por tratar de minha memória pessoal, sem me preocupar com a exatidão das datas ou nomes de todos os envolvidos, tratarei daqueles que conheci de perto e travei algum tipo de relacionamento com seus personagens.

Vou começar pela origem de Gramado, eminentemente católica, trazida pelos seus primeiros moradores, a saber, Tristão José de Oliveira  e sua esposa, Leonor Gabriel de Souza  (Gabriel é sobrenome), ambos descendentes de Cristãos Novos, que eram judeus convertidos ao catolicismo pela truculência da Inquisição, por meio de seus ancestrais, e que vestiram as sandálias do cristianismo católico até o fim da vida. 

Deles foi a doação do terreno onde hoje fica o Cemitério Católico, e seu jazigo é um dos primeiros próximos à entrada.Portanto este ramo da família chega Católico e assim, com a vinda da demais famílias (Benetti, Bertolucci, Corrêa, e outros), a fé católica tem suas raízes firmadas no lugar.

No final da década de 1920, missionários luteranos provenientes de São Sebastião do Caí, levam à Gramado os ensinos da Reforma Protestante, e desta forma obtém a conversão de um filho de Tristão, José Francisco de Oliveira, também conhecido com "Zé Tristão", por causa do pai, que torna-se incentivador da fé luterana, e por meio dele, nasce dentro da família , um grupo de sobrinhos de José Francisco, que são são convertidos à fé protestante, os filhos de Vítor Pereira Dias e Maria Francisca de Oliveira. Entre estes, estão minha avó, Maria Elisa Dias (Cardoso), seu irmão João Vitor Pereira Dias, e as irmãs Maria José Dias (Zezé), Lucinda Pereira Dias, Margarida Pereira Dias, Lina Pereira Dias e Leonor Pereira Dias. Todos eles, juntos, reuniam-se em casa para seus cultos, ainda que a contragosto de Tristão, que mantinha-se devoto ao catolicismo.

Era interessante que Tristão, devoto católico, cultivava, assim como sua família, dos costumes ancestrais do judaísmo. e tais costumes foram preservados pelos filhos. Querem ver? A grande maioria de seus descendentes casaram-se entre a própria família. No caso das netas aqui citadas, as mulheres que tinham "Pereira",não tinham "Maria" no nome, costume judeu de preservação em caso de prisão pelos inquisidores, e ainda que o "Santo Oficio" tenha sido oficialmente extinto em 1823, o medo perdura até hoje, pois perseguir judeus é quase um esporte de tempos em tempos, e todo cuidado era necessário. Mais que isso, a repetição de nomes, hospitalidade familiar, e outros tantos costumes que seguiram sem que as pessoas soubessem a razão.

Assim, João Vitor descobriu uma religião cristã que guardava o Sábado judaico, e junto com Maria Elisa, passaram a seguir este costume, após terem permanecido algum tempo na doutrina luterana.. Outras famílias que  chegaram mais tarde também seguiam esta crença, e assim, nasceu a Igreja Adventista em Gramado.

Mas, o restante das irmãs permanecia na fé luterana, ainda que sem uma igreja para praticarem seus cultos. Porém, neste tempo chegaram missionários metodistas que implantaram sua pequena comunidade e logo construíram um humilde templo para seus cultos, especialmente com as crianças, que necessitavam de uma escola, a qual chamavam de "Escola Dominical", e conquistaram a simpatia também dos luteranos, que enviavam seus filhos para esta escolinha, para que aprendessem o catecismo e as doutrinas bíblicas. Assim foi que na casa da família Moura, filhos de Maria José e Olídio Elias de Moura, os filhos todos tornaram-se metodistas até o presente momento, com algumas exceções, e a mãe, com parte dos filhos, permaneceu na fé luterana, iniciada por José Francisco, o "Zé Tristão".

Ainda na fé metodista havia as famílias Bertolucci, Benetti e Beux, que certamente poderão enriquecer este conteúdo com suas próprias lembranças.

Já que evoquei o velho "Zé Tristão" do passado, lembro que ele foi também o fundador, junto com sua irmã, Maria Virgínia de Oliveira, os precursores dos cultos africanos em Gramado. Maria Virgínia morou até o fim da vida, na mesma casa do pai, Tristão, e no porão desta casa, havia um Terreiro de Umbanda, de onde foi disseminado pelo município desde os anos 60 em diante.

Da mesma família Moura e também Corrêa, nasce a Sociedade Torre de Vigia, conhecidos os seus membros como Testemunhas de Jeová, levada à Gramado por Francisco Vaz Corrêa Filho, e sua prima em segundo grau e esposa (curioso costume judaico) Cândida de Moura, filha de Maria José (Zezé). Originalmente membros da fé metodista, Francisco um dia, segundo seu próprio relato, enre um mate e outro, recebeu um folhetim de alguém, à porta da igreja, e após lê-lo por várias vezes e atentamente, dirigiu-se ao Pastor, em momento de culto, com os livros pertinentes ao seu cargo na igreja, atravessou a nave sob os olhares da congregação, colocou-se em frente ao pastor, depositou os livros sobre o púlpito e disse: "A partir desse momento em diante não professo mais esta religião. Sou Testemunha de Jeová!". Virou as costas e foi-se embora, de braços com a esposa. Hoje, com mais de noventa anos de idade e ainda lúcido e estudioso, Francisco conta esta história, enquanto Cândida ri e faz seu crochê, acompanhada de uma cuida de chimarrão.

No alto do lugar chamado de "Morro dos Cabritos", no fim da rua, vivia um casal que não tivera filhos e por esta razão, adotaram um menino, a quem o educaram amorosamente na fé da Igreja Assembleia de Deus. Eram Arquimimo e Manoela , e o menino chamava-se Adão, moço educadíssimo e um virtuose de memória no conhecimento das sagradas Escrituras. Citava de cor capítulos e versículos com extrema naturalidade, ao recitar a Bíblia, e eu tive a honra de ter sido  colega de escola no primário, lá na Vila Moura, e ambos, alunos de minha mãe, Ester Cardoso (Fauth), que além de professora do ensino primário, era também nossa professora de religião na escola pública.

Falei da Igreja Luterana, mas convém que eu defina, pois há em Gramado duas correntes do luteranismo: A primeira, citada, era a IELB - Igreja Evangélica Luterana do Brasil, e mais tarde chegou sua prima, IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, sendo que uma seguia orientações de sua central norte americana em Missouri e a outra em Ohio. A primeira, é a igreja que ficava em frente (ou quase) ao Hospital de Caridade Santa Terezinha, na Avenida Borges de Medeiros, sentido norte, e a segunda, IECLB, é a belíssima igreja do relógio, no alto de um morro que outrora foi alcatifado por hortênsias, mas hoje está espremida entre prédios, hoteis e restaurantes.

A forte atuação da IELB, que é pouco proselitista, está na áera social, onde é a mantenedora do Instituto Santíssima Trindade, na Linha Moreira, um Lar que acolhe crianças e idosos da região.

Embora minha família tenha sua ascendência judaica, nunca praticou judaismo enquanto religião, senão pelos próprios costumes, e disso tenho conhecimento pelas longas (e saudosas) horas de conversa com minha avó, que as repetia e repetia e repetia, para que eu viesse a fazer o que estou fazendo hoje: registrando, para que não se percam e meus filhos e netos as possam um dia contar também. Não tenho nenhum compromisso cartorário coma exatidão dos fatos, uma vez que eu não sou historiador, mas um contador de histórias. Apenas conto o que sei e aquilo que me contaram, do jeito que foi contado. E como dizia o personagem "Chicó", da peça "O Auto da Compadecida", do saudoso Ariano Suassuna, o que eu conto, eu não sei porque é assim, só sei que é.

A partir dos anos 80 começaram a chegar novas congregações em Gramado. Com a construção do CTB  Centro de Treinamento Bíblico de Gramado - Janz Team, onde tive o privilégio de iniciar meus estudos de Grego Bíblico, e frequentar na condição de amigo e colega de alguns alunos, em outras áreas, tornei-me simpatizante do lugar e tenho até hoje, dali, grandes e queridos amigos.

Deste seminário, nasceram congregações como Cristianismo Decido, de uma linha evangélia ou Pentecostal, e outros Ministérios que se espalharam pela região, porque muitos pastores foram formados neste educandário da fé.

Hoje há um belo templo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, também conhecidos como Mórmons, e também da IURD - Igreja Universal do Reino de Deus, além de muitas filiais dos Adventistas e Assembleanos que se disseminaram pelos bairros e interior(De tudo que relatei, fixei como território apenas a parte urbana do Município).

Um fato bastante curioso e  que o gramadense, de maneira geral, é bastante conservador no tocante às religiões. Não há um grande número de conversões, e o crescimento dá-se por imigração, o por nascimentos. Um caso a ser estudado pela antropologia, ou de uma resposta talvez bastante simples: Todas as religiões e seus representantes são respeitados, e quando as coisas estão indo bem, ninguém muda de religião. As conversões em massa acontecem no campo do sofrimento e da miséria. Então não posso afirmar que haja certa mornidão religiosa em Gramado. Apenas que até o momento,não houve necessidade de migrações.Time que ganha não se muda.

Quando ao judaísmo, Gramado começou a receber as famílias judias, provenientes de Porto Alegre, que passavam temporadas de verão e inverno em suas casas no Bairro Planalto, mas nunca houve uma Sinagoga, nem movimentos de cunho religioso, nem mesmo sionista em Gramado, o que não significa que não haja manifestações desta cultura e religião na cidade. Apenas com discrição, entre encontros familiares e bastante  reservados.

A religião é o que administra o ânimo de uma comunidade, pois esta sempre começa e cresce à volta de uma igreja (ou Sinagoga, Mesquita, etc), e a partir de seus valores, sua comunidade arquiteta sua história. Esta é a minha. Talvez um dia eu conte também a sua.

Religião, fé, religiosidade são sentimentos muito pessoais, onde uns acomodam-se à fé dos pais, e outros buscam seu próprio caminho. Uns aceitam rótulos, e outros preferem enriquecer seu conteúdo. Perguntam-me se eu me "tornei judeu". Não, não me tornei judeu, porque eu sempre fui judeu. O que fez a diferença foi que depois de certo tempo, assumi esta identidade, e fui resgatar as minhas raízes. Isso nada tem a ver como minha crença doutrinária,uma vez que eu nunca busquei reconhecimento formal de judaísmo, pois não preciso de reconhecimento. Quero apenas conhecimento. Mesmo porque, se reconhecimento bastasse, eu deveria ser católico, pois fui batizado nesta religião por causa de meu pai, ao nascer, mas como fui criado na fé Adventista, aos dez anos de idade, fui reconhecido como tal, através do batismo. Porém, casei na Igreja Luterana (IECLB), em 1979. Assim, na visão de uns, tenho uma salada missionária, e na minha própria visão, sou hoje um "Dati", um estudioso das Escrituras, tentando conhecer melhor um pouquinho das maravilhas legadas pelo Criador, o D-s (Deus) de Abraão, Isaac (nome de meu tio e meu filho) e Jacó.


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