O lado bom de envelhecer é que pode-se dizer coisas que não dizemos na juventude. Falar da velhice, por exemplo! Quem pode falar daquilo que não conhece, exceto por teorias? Pois bem, eu agora posso, por duas razões: Primeiro, porque estou entrando hoje na Terceira Idade, a qual o politicamente correto é chamar de "Melhor Idade". Melhor idade, pra quem fatura em cima de velhos, isso sim. Quem inventou esse termo foram os empresários do ramo de entretenimento pra velhos, aos quais teimam em chamar de idosos, e eu mesmo, poderia ter sido duramente cirticado se usasse o termo "Velho" para definir um macróbio. Velho sim senhor! Eu sou velho portanto, esta é a primeira razão, então.
A segunda razão é que, como diz meu amigo Sebastião Fonseca de Oliveira, é que eu sou velho desde que nasci. A frase é dele, mas eu tomo emprestada para passar uma carraspana em quem tem vergonha de ser velho, ter um velho por perto, ou ter que tratar com velhos, não sendo esta a sua atividade de ganho, e ser velho desde que nasceu significa antecipar trejeitos próprios dos velhos, tais como ralhar por qualquer motivo, e agora descobri que não é por mau humor, não. É por diversão mesmo! Velho ralha pelo prazeroso sabor de ver a cara de quem está à sua frente, sem reação, segurando a mão para não descer um tabefe no debochado azedo que faz de propósito o que faz, só pra se divertir depois. Então eu nasci velho para aprimorar a técnica desde cedo na vida.
Mas pra quem acha que ser velho é esperar a morte, não senhor, ser velho é recordar da vida que passou e gastar todas as horas do dia planejando a vida que ainda tem. Mas sim, velho pensa na morte, e a tem como boa amiga, uma vez que já que é com ela que vai passar boa parte do tempo, é bom que se tratem como parceiros então. E assim, falar mal da morte é coisa de quem não sabe bem o que é viver. Então, não, não tenho nenhum medo da morte. Só tenho medo que chegue sem que eu esteja arrumado pra ocasião. Daí, descobri que o melhor traje para encontrá-la, é nu. Sim senhor, peladaço, com os aparatos balouçando, isso porque a morte é muito seria, e imaginar ter que passar um tempo da eternidade ao lado de quem não dá umas gargalhadas de vez em quando, isso sim me preocupa. Assim, o melhor negócio para garantir uma boa velhice, é rir, assim como, o pior negócio é esquecer como se ri.
Rir à toa deve ser tão importante quanto comer mingau de boca aberta, e se rir enquanto come mingau de boca aberta, e soltar um peidinho enquanto isso tudo acontece, é risada garantida, especialmente vendo a pobre pessoa que nos serve o mingau ter que sair fugida e tropeçando em tudo, com um prato de mingau quente numa mão, e com a outra tapando o nariz, equilibrando o prato e voando aos pulos pelos móveis (que misteriosamente foram parar no meio do caminho), para poder escapar do fedor.
Há muitas formas de rir na velhice, mas rir à toa, sim senhor, que coisa boa. Daí que é sempre bom ter netos pequenos por perto,pois eles possuem um dispositivo com sensor automático de tristeza, que liga sempre que detectar uma lágrima a caminho, e nos fazem rir, e rir muito, porque netos são equipados com muitos dispositivos que acionam os músculos de nossa face capacitando-nos à dar boas gargalhadas das barbaridades ingênuas que fazem e dizem na nossa frente. Fazem de propósito, eu sei, pois estão mancomunados com os anjos que tem esta missão na nossa reta final para a eternidade: Nos levar sorrindo para o repouso.
Ainda vou escrever muito sobre envelhecer, se lembrar. Se não lembrar, escrevo outra coisa qualquer, uma vez que uma coisa que velho pode fazer é escrever. pense em quantas lembranças temos e quantos sonhos não realizados podemos contar. Pense num compêndio de memórias que aconteceram e que nunca aconteceram, as quais contamos como causos, lorotas, bobajadas... Enfim, ainda quero escrever muito, mas hoje vou encerrar por aqui, porque acabei de chegar aos sessenta anos, e tenho muito que descobrir nessa nova idade de velho. Além disso, preciso soltar um peido, por isso vou localizar alguém para estar ao meu lado neste momento solene. Só uma coisa não eu acho que não vou acostumar a ouvir: ser chamado de "Senhorzinho!" Senhorzinho é a vó!
*Foto: Internet
PS* Nenhum velho rabugento foi maltratado mais que o necessário para escrever este texto.
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