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terça-feira, 14 de novembro de 2017

O Salão de Festas do Condomínio e Capela Mortuária do Cemitério



Que relação pode haver entre uma coisa e outra? Aparentemente nenhuma,pois enquanto o  salão de festas é um lugar onde pessoas se reúnem para celebrar a vida, a capela mortuária é um espaço onde reina o quase silêncio para enganar a morte. Tanto é assim, que em todo regulamento de condomínio tem uma cláusula que proíbe terminantemente duas coisas: Culto religioso e velório!

Não vou entrar no  mérito dos direitos dos condôminos em submeterem-se aos ditames do mundo  e não se permitirem criarem suas próprias regras e costumes. Apenas analisar o efeito disso na vida das pessoas. Falar da vida e da morte de forma natural. E ambos os ambientes, ambas as circunstâncias, unem as pessoas. No prazer e na dor. Na alegria e nas perdas. Ambos os casos tem uma origem comum: A sala de visitas da casa! Eu explico.

Não sou  tão velho assim (nem tão novo), mas quando eu era ainda jovem, as pessoas eram recebidas e recebiam dentro de casa. A casa era muito mais que o espaço com portas e janelas que os protegiam da intempérie ou dos perigos oferecidos por outras pessoas, aquelas que não eram recebidas pela porta da frente, os bandidos. Era na sala que as visitas eram recebidas, e era na cozinha que os mais íntimos se encontravam. Falavam da vida e evitavam falar da morte. Mas era também na sala que a morte mostrava a cara, e ali eram velados os queridos, a partir de então chamados de "Entes". Da sala se despediam, ou eram despedidos,uma vez que nada mais viam nem ouviam, sem sequer pensavam, nem ao menos sentiam. Mas ainda estavam ali, de corpo presente e alma dispersa. 

Era na sala que à noite falava-se baixinho, ainda que o morto nada ouvisse, mas pela reverência, pelo respeito à dor da família e pela saudade do que ali esperava o último toque de quem o amasse. Da sala, saíam todos nesta ocasião, e era a sala a última testemunha da perda, e o vazio da mudança.

Era no entanto também na sala que as grandes alegrias da vida eram contadas. As canções eram cantadas e as festas vividas por quem motivo encontrasse. Era na sala que primeiro estavam os grandes receptores de rádio à válvula, que espargiam notícias e valsas para as famílias reunidas após o jantar e antes do adormecer. Era na sala que os aparelhos de televisão eram instalados e recebiam toda a vizinhança pobre para assistir e chorar nas telenovelas, ou encantar-se com seus artistas preferidos nos programas de auditório. Era enfim, nas salas que pessoas iam e vinham e a vida caminhava entre elas, como água que escorre por entre as mãos.

Capela Mortuária e Sala de Estar: dois lugares onde vida e morte coexistem. Só que a capela é a parte que foi retirada das salas para esconder e controlar a dor da perda. Na capela, e apenas dentro delas, as pessoas choram,pois lá  fora a vida é mais exigente e enquanto uns verificam suas contas pelo banco digital,outros fazem selfies e escrevem LUTO, para que se lhes dê alguns momentos de condolências, até mesmo por que nunca ouviu o bater do coração, ou desconhece seu tom de voz embargada. A capela tirou a sala de dentro das vidas e levou as vidas pelos corredores frios da modernidade, esfriando a alma e amortecendo a dor por criogenia voluntária. A sala de estar ficou mais vazia, porque os salões de festas dos condomínios adequaram um lugar perfeito para recebermos com frieza técnica aqueles que antes ocupavam nossas velhas e surradas poltronas em frente ao receptor de rádio para compartilhar nossas valsas e ouvis nossas histórias.

Nos salões de festas não se contam histórias,pois o tempo é compartilhado, então temos que gritar o máximo e ao máximo volume para que os vizinhos saibam o quanto estamos felizes e contentes, e que sintam o aroma da comida encomendada entregue em caixas de papelão, em lugar da panelada de sopa que as avós faziam e do arroz de forno que as mães ornamentavam com galhos de salsa para estimular o apetite e ouvirem elogios rasgados de seu talento culinário.

A vida moderna setorizou alegria e dor. Uma em um espaço, e a outra, bem longe, no outro. Não é politicamente correto suspirar por uma saudade no mesmo espaço onde cantamos uma tarantella ou o hino de nosso clube de futebol. O mundo setorizou o amor e a dor, e ambos não tem mais lugar dentro das casas. Salas de estar são  apenas espaços minimalistas onde emprestam paredes para as telas planas de LEDs e um quadro ininteligível ao fundo, expressando algo que jamais iremos compreender.

Salões de festa servem então para festas. Capelas mortuárias servem para dar fim às festas. E a sala de estar não serve mais para nada, porque aquilo que a TV de LED mostra, a telinha do smartphone mostra também. Debaixo das cobertas. Esperando a vez de usar a capela mortuária. O resto é o vazio. Porque um e outro expulsaram as pessoas de nossas vidas.

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