Foto: O Pitoresco escriba deste blog, aos 8 anos de idade, no tempo em que assoviava para provocar o Chico macuco
O que é uma rua, senão o estreitamento do tempo de jornada entre pessoas? O que são casas senão espaços onde se dorme, come, e se confraterniza com nossos amigos e familiares? O que são lojas e indústrias, senão lugares onde trocamos bens por valores e valores por bens, para nosso consumo e bem estar? O que é uma cidade, senão a soma destes encontros, valores e lugares, onde nascemos, e fazemos nascer, morremos, e choramos pelos que morrem, enquanto não chega a nossa vez?
Gramado é isso tudo,agregada pela beleza das ruas, pelo perfume dos jardins, pelo ar gelado das noite, e pelo esplendor do amanhecer no Vale do Quilombo. Gramado é o conjunto das lembranças de pessoas que passaram por nossas vidas, e não fora a audácia impertinente de um e outro historiador, nossos amanhãs seriam tão vazios quanto vazias seriam nossas lembranças destas ruas, lugares ou pessoas. Então, faço minha parte para que não haja vazios na minha Gramado da saudade, dores e vivências.
Pinguinho
Pinguinho foi um destes personagens que nunca encontrará o leitor nos anais de relevância política para louvar seus feitos nos púlpitos ornados de flores e platéia perfumada e galante. Pinguinho era um velhinho, acho que da família Wingert, que perambulava pelas ruas centrais de Gramado, fumando seu velho cachimbo de madeira e fumo em rolo, envolto em um capote de lã, e usando um chapeuzinho surrado de priscas eras. Magrinho, de nariz aquilino saliente, sem dentes, Pinguinho sorria sempre e acenava com reverência a quem o cumprimentasse. Pinguinho descia até à antiga Estação Rodiviária, tomava seu traguinho, e ia embora, silencioso, do mesmo modo que chegara. Não discutia política, nem falava mal do governo. Apenas tomava seu "martelinho de pinga", e deslizava pela tarde, rumo ao ranchinho onde morava na Vila Piratini. Pinguinho desapareceu, assim como apareceu. Silenciosamente sozinho.
Valdecir
Não sei o sobrenome dele. Talvez nem ele mesmo soubesse. talvez alguém saiba, mas esse alguém, não sou eu. Era apenas Valdecir. Perambulava pelas ruas centrais, e aportava sempre na Estação Rodoviária, onde confraternizada com os transeuntes, e educadamente cumprimentava uma a uma das pessoas, e sorria. Não era difícil de ser notado, porque tinha uma aparência incomum, um queixo avantajado, como o queixo do Rei Carlos V, da França. Não, Valdecir nunca foi rei, e nem sabia o que era um rei, muito menos, desejar ser um. Valdecir apenas queria sentir-se bem no lugar, e ser importante, diante dos políticos que também frequentavam o lugar. às vezes, Valdecir até lia um jornal, ou fingia que lia, pois era comum posar com o jornal virado pra baixo. mas se até ex-presidentes fazem isso com livros, por que o valdecir não poderia fazer? E fez.
Zé Maria
Tadinho do Zé Maria. Um manino, um rapazote, de sensível retardo mental, que perambulava pelas ruas, com um saco nas costas, pedindo esmolas e andando pra lá e pra cá. Mas foi notável em seu tempo, porque todos conheciam o Zé Maria. De fala enrolada, dicção e articulação infantil, fazia-se feliz com pouco, com bananas vez ou outra. Certa ocasião, assentado á porta de alguma casa comercial despachando uma penca de bananas de uma só vez, com a boca cheia de pasta mascada de banana, dizia, sorrindo:
- "Mânana! Cumendo mãnana! Maliga ceia de mânana! Eta, cumê mânana!"
Zé Maria era abusado pelos malvados da cidade, e não escondia isso, o pobre. Quando perguntado, por deboche como era o abuso, apenas dizia, com a voz embargada:
- "Arde que nem pimenta!" E chorava.
Taquinho
Taquinho era uma figurinha ímpar. Caminhava com jeitão de malandro, jogando ombros e cabeça de um lado a outro, calçando sapatos com dois números maiores que seus pés. Tinha um jeitão sempre sorridente, e era o "mascote" dos debochados que frequentavam o Café Cacique. Não fazia mal à uma mosca sequer, e não falava mal de ninguém. Nem tinha porque, pois daquele jeitinho manso e malandro, conquistava pessoas, e os debochados, pensando serem malandros, atiçavam as palhaçadas do pimpolho, em troca de guloseimas do lugar, que não eram de se desprezar. Assim, Taquinho era protegido deles, e ainda que dormisse em carros velhos á noite, na manhã seguinte, à hora do cafezinho, lá estava o taquinho, pronto para fazer alguém rir, e receber em paga os sonhos e café do Clávio Braun. Taquinho sublimou-se no esquecimento, mas não na minha memória. Eis o Taquinho entao.
Angelim Miraguaia
Os Miraguaias eram um clã de irmãos, filhos da Dona Leonora, que moravam lá pelos lados das terras dos Abraão, entre a Vila Moura e o Mato Queimado. Mulatos, mestiços, não sei ao certo, eram uns bugres fortes e despachados para o trabalho braçal. E também pra cachaça. Dóceis, afáveis e amáveis, educados, tinham estilo e linguagem própria em seus momentos etílicos. Angelim, creio que era aposentado por alguma coisa, e tinha uma rotina quase diária, de ir na bodega comprar mantimentos, que os carregava em uma "mala de garupa", um saco de duas bocas, levado ao ombro, cujas bocas distribuíam o peso entre uma e outra. E ao fim das compras, tomava um tragoléu bagual, para costurar pelo caminho, pegar pinto, andar em ziquezague, cantando bravatas com a voz embargada pelo timbre alcoólico contumaz deste costume etílico. Reza a lenda, que ao chegar em casa, metia o pé na porta e berrava:
- "Mamãim! Eu te quebro os córno!"
Nunca quebrou nada. Eram amigos, Bebiam juntos e se emborrachavam um do lado do outro.
Chico Macuco
O velho Chico Macuco era miudinho, usava um bigodão preto, cabelo liso, à moda índio, sobrancelhas fechadas, e sempre sisudo. Era carrancudo, severo, e não tinha paciência com a gurizada, que se escondia nas mitas e assoviava quando ele passava, imitando um "Macuco", um passarinho, que creditou-lhe o apelido. Ele odiava este apelido, e saía com seu porrete atrás dos guris, doido pra ensebar o camboim no lombo dos piás malevas. Eu devo, pelo bem da minha integridade moral, confessar, que assoviei só uma vez pra ele. Ainda bem que eu corria muito rápido, senão achoque taria algumas costelas tortas hoje em dia. Mas foi uma vez só. Nunca mais eu fiz. Não com o Chico Macuco.
Minha avó mantinha a firme crença de que Óleo da Capivara curava anemia, e sempre que ele passava, encomendava a ele um litro do tal óleo. Pro bem das capivaras, ele nunca entregou nada.
Míntia
Míntia era um sorridente andarilho que perambulava pelos botecos e pelas casas, em busca de um biscate para comprar seus tragos e comprar alguma boia nas vendas. Vivia com a mãe, num casebre lá na Avenida Central, mas seu roteiro era o centro e vilas (na época não eram chamados de bairros ainda). Caminhava parecido com o Taquinho, maneando a cabeça de um lado a outro e jogando o corpo na direção da cabeça. Tenho que admitir, que o rapaz era dedicado à cachaça, e tragoléu era seu dia a dia. Mas era uma boa pessoa, querido pelas crianças, nunca fez mal à uma mosca seques, e teve um triste fim: Morreu queimado, em um incêndio em uma casinha anexa ao pavilhão da Prefeitura. Muitos estudantes foram ao seu velório. Notável. E ele era bem pobre. Notável mesmo.
Lino e Landa
Eles eram irmãos. unidos demais. Perambulavam pela cidade, indo do Lago negro ao Mato Queimado, e voltavam para a Vila Moura, onde moravam. Eram filhos da Dona Chinoca, sobrinhos da Dona Chiquinha. Dona Chinoca (eu não sei o nome, nunca soube) era uma velhinha benzedeira. Benzia todo mundo (menos eu, que era de outra crença). Maioria dos meus vizinhos e amigos já sentaram á sua frente e a viram costurando um paninho, rezando suas rezas, esfregando o pano nas orelhas do benzido, e deixando o trapinho atrás da porta, para que quem o visse, tirasse dali e o levasse embora, porque estaria levando consigo, o mal que afligia a pessoa. Não sei se funcionava, mas era assim que ela fazia. Lino e Landa eram especiais, tinham a mente de crianças, e caminhavam em fila indiana. Ele uns dez metros à frente, e ela, com sua sacola de donativos recebidos, atrás. Lino sorrindo, e Landa se queixando, atrás dele. Chamava á todos de "Pai" e "Mãe". Quando fui aprendiz de enfermagem, eles iam no Posto de saúde queixar-se de algumas doenças, imaginárias na maioria, e que por sadismo, recebia uma sacola de injeções, e eram encaminhados ao hospital, onde eu trabalhava, para que recebessem as aplicações daquelas injeções. Era costume de algumas enfermeiras maldosas, aplicarem de modo que doesse muito, na coutada da landa, e ela chorava muito. Quando comecei a trabalhar, recebi a atribuição, e passei a aplicar as injeções. Eram injeções de óleo, muito doloridas. Eu aplicava com cuidado, pois eu tinha um pouquinho de consciência sobre a dor, especialmente a dor alheia, e mais ainda, a dor de um indefeso. Depois disso, quando nos víamos pela rua, ela apontava o dedo, sorria, e gritava bem alto:"Pai! Pai!". Eu ria. Era só o que podia fazer, além de não maltratá-la. Landa morreu há alguns anos, e o Lino, da última vez que o vi, estava ainda sorridente, muito bem vestido, totalmente grisalho, e morando no mesmo lugar. Que bom.
Seu Portela
Eu já escrevi sobre este personagem, mas vale juntá-lo aos pitorescos neste ensaio. Portela era um velhinho, quando o conheci, arcadinho, com apenas dois dentes inferiores, e acho que uns dois superiores, isso não lembro bem. Andava com uma calça de lã, com uma perna arregaçada acima da outra, levando uma malinha de garupa, e um cajado, para acelerar o passo, Reza a lenda, contada pelos meus primos, que o velho era bom de adaga, pois fora marinheiro em alguma das embrenhadas da Marinha brasileira, eu não sei dizer qual, pois também conta-se que ele morreu aos 105 anos de idade. Quando o conheci, estava perto dos cem anos, e era muito ágil. Comia escondido, envergonhado por comer muito rápido, costume que aprendera na vida militar. Não sei se verdade, ou por pagodeira, contavam que ele tinha uma xaxim, ao que dera o nome de "Catirina",e de vez em quando chegava borracho em casa, e metia a faca espicaçando o xaxim. Mas eu acho que era só deboche da gurizada pra troçar do velho. Eu gostava muito dele, pois era orgulhoso e esperto. Passava em nossa casa, pois sabia que minha velha avó, de sangue e alma judia, sempre tinha um prato de sustânça pra quem chegasse á sua porta, com fome. Mas ele não ia de mãos vazias; Levava sempre no "borço", uma balita pros guris, meu tio Samuel Issac e eu. Seu Portela deixou saudade.
Outro dia eu conto mais.
O que é uma rua, senão o estreitamento do tempo de jornada entre pessoas? O que são casas senão espaços onde se dorme, come, e se confraterniza com nossos amigos e familiares? O que são lojas e indústrias, senão lugares onde trocamos bens por valores e valores por bens, para nosso consumo e bem estar? O que é uma cidade, senão a soma destes encontros, valores e lugares, onde nascemos, e fazemos nascer, morremos, e choramos pelos que morrem, enquanto não chega a nossa vez?
Gramado é isso tudo,agregada pela beleza das ruas, pelo perfume dos jardins, pelo ar gelado das noite, e pelo esplendor do amanhecer no Vale do Quilombo. Gramado é o conjunto das lembranças de pessoas que passaram por nossas vidas, e não fora a audácia impertinente de um e outro historiador, nossos amanhãs seriam tão vazios quanto vazias seriam nossas lembranças destas ruas, lugares ou pessoas. Então, faço minha parte para que não haja vazios na minha Gramado da saudade, dores e vivências.
Pinguinho
Pinguinho foi um destes personagens que nunca encontrará o leitor nos anais de relevância política para louvar seus feitos nos púlpitos ornados de flores e platéia perfumada e galante. Pinguinho era um velhinho, acho que da família Wingert, que perambulava pelas ruas centrais de Gramado, fumando seu velho cachimbo de madeira e fumo em rolo, envolto em um capote de lã, e usando um chapeuzinho surrado de priscas eras. Magrinho, de nariz aquilino saliente, sem dentes, Pinguinho sorria sempre e acenava com reverência a quem o cumprimentasse. Pinguinho descia até à antiga Estação Rodiviária, tomava seu traguinho, e ia embora, silencioso, do mesmo modo que chegara. Não discutia política, nem falava mal do governo. Apenas tomava seu "martelinho de pinga", e deslizava pela tarde, rumo ao ranchinho onde morava na Vila Piratini. Pinguinho desapareceu, assim como apareceu. Silenciosamente sozinho.
Valdecir
Não sei o sobrenome dele. Talvez nem ele mesmo soubesse. talvez alguém saiba, mas esse alguém, não sou eu. Era apenas Valdecir. Perambulava pelas ruas centrais, e aportava sempre na Estação Rodoviária, onde confraternizada com os transeuntes, e educadamente cumprimentava uma a uma das pessoas, e sorria. Não era difícil de ser notado, porque tinha uma aparência incomum, um queixo avantajado, como o queixo do Rei Carlos V, da França. Não, Valdecir nunca foi rei, e nem sabia o que era um rei, muito menos, desejar ser um. Valdecir apenas queria sentir-se bem no lugar, e ser importante, diante dos políticos que também frequentavam o lugar. às vezes, Valdecir até lia um jornal, ou fingia que lia, pois era comum posar com o jornal virado pra baixo. mas se até ex-presidentes fazem isso com livros, por que o valdecir não poderia fazer? E fez.
Zé Maria
Tadinho do Zé Maria. Um manino, um rapazote, de sensível retardo mental, que perambulava pelas ruas, com um saco nas costas, pedindo esmolas e andando pra lá e pra cá. Mas foi notável em seu tempo, porque todos conheciam o Zé Maria. De fala enrolada, dicção e articulação infantil, fazia-se feliz com pouco, com bananas vez ou outra. Certa ocasião, assentado á porta de alguma casa comercial despachando uma penca de bananas de uma só vez, com a boca cheia de pasta mascada de banana, dizia, sorrindo:
- "Mânana! Cumendo mãnana! Maliga ceia de mânana! Eta, cumê mânana!"
Zé Maria era abusado pelos malvados da cidade, e não escondia isso, o pobre. Quando perguntado, por deboche como era o abuso, apenas dizia, com a voz embargada:
- "Arde que nem pimenta!" E chorava.
Taquinho
Taquinho era uma figurinha ímpar. Caminhava com jeitão de malandro, jogando ombros e cabeça de um lado a outro, calçando sapatos com dois números maiores que seus pés. Tinha um jeitão sempre sorridente, e era o "mascote" dos debochados que frequentavam o Café Cacique. Não fazia mal à uma mosca sequer, e não falava mal de ninguém. Nem tinha porque, pois daquele jeitinho manso e malandro, conquistava pessoas, e os debochados, pensando serem malandros, atiçavam as palhaçadas do pimpolho, em troca de guloseimas do lugar, que não eram de se desprezar. Assim, Taquinho era protegido deles, e ainda que dormisse em carros velhos á noite, na manhã seguinte, à hora do cafezinho, lá estava o taquinho, pronto para fazer alguém rir, e receber em paga os sonhos e café do Clávio Braun. Taquinho sublimou-se no esquecimento, mas não na minha memória. Eis o Taquinho entao.
Angelim Miraguaia
Os Miraguaias eram um clã de irmãos, filhos da Dona Leonora, que moravam lá pelos lados das terras dos Abraão, entre a Vila Moura e o Mato Queimado. Mulatos, mestiços, não sei ao certo, eram uns bugres fortes e despachados para o trabalho braçal. E também pra cachaça. Dóceis, afáveis e amáveis, educados, tinham estilo e linguagem própria em seus momentos etílicos. Angelim, creio que era aposentado por alguma coisa, e tinha uma rotina quase diária, de ir na bodega comprar mantimentos, que os carregava em uma "mala de garupa", um saco de duas bocas, levado ao ombro, cujas bocas distribuíam o peso entre uma e outra. E ao fim das compras, tomava um tragoléu bagual, para costurar pelo caminho, pegar pinto, andar em ziquezague, cantando bravatas com a voz embargada pelo timbre alcoólico contumaz deste costume etílico. Reza a lenda, que ao chegar em casa, metia o pé na porta e berrava:
- "Mamãim! Eu te quebro os córno!"
Nunca quebrou nada. Eram amigos, Bebiam juntos e se emborrachavam um do lado do outro.
Chico Macuco
O velho Chico Macuco era miudinho, usava um bigodão preto, cabelo liso, à moda índio, sobrancelhas fechadas, e sempre sisudo. Era carrancudo, severo, e não tinha paciência com a gurizada, que se escondia nas mitas e assoviava quando ele passava, imitando um "Macuco", um passarinho, que creditou-lhe o apelido. Ele odiava este apelido, e saía com seu porrete atrás dos guris, doido pra ensebar o camboim no lombo dos piás malevas. Eu devo, pelo bem da minha integridade moral, confessar, que assoviei só uma vez pra ele. Ainda bem que eu corria muito rápido, senão achoque taria algumas costelas tortas hoje em dia. Mas foi uma vez só. Nunca mais eu fiz. Não com o Chico Macuco.
Minha avó mantinha a firme crença de que Óleo da Capivara curava anemia, e sempre que ele passava, encomendava a ele um litro do tal óleo. Pro bem das capivaras, ele nunca entregou nada.
Míntia
Míntia era um sorridente andarilho que perambulava pelos botecos e pelas casas, em busca de um biscate para comprar seus tragos e comprar alguma boia nas vendas. Vivia com a mãe, num casebre lá na Avenida Central, mas seu roteiro era o centro e vilas (na época não eram chamados de bairros ainda). Caminhava parecido com o Taquinho, maneando a cabeça de um lado a outro e jogando o corpo na direção da cabeça. Tenho que admitir, que o rapaz era dedicado à cachaça, e tragoléu era seu dia a dia. Mas era uma boa pessoa, querido pelas crianças, nunca fez mal à uma mosca seques, e teve um triste fim: Morreu queimado, em um incêndio em uma casinha anexa ao pavilhão da Prefeitura. Muitos estudantes foram ao seu velório. Notável. E ele era bem pobre. Notável mesmo.
Lino e Landa
Eles eram irmãos. unidos demais. Perambulavam pela cidade, indo do Lago negro ao Mato Queimado, e voltavam para a Vila Moura, onde moravam. Eram filhos da Dona Chinoca, sobrinhos da Dona Chiquinha. Dona Chinoca (eu não sei o nome, nunca soube) era uma velhinha benzedeira. Benzia todo mundo (menos eu, que era de outra crença). Maioria dos meus vizinhos e amigos já sentaram á sua frente e a viram costurando um paninho, rezando suas rezas, esfregando o pano nas orelhas do benzido, e deixando o trapinho atrás da porta, para que quem o visse, tirasse dali e o levasse embora, porque estaria levando consigo, o mal que afligia a pessoa. Não sei se funcionava, mas era assim que ela fazia. Lino e Landa eram especiais, tinham a mente de crianças, e caminhavam em fila indiana. Ele uns dez metros à frente, e ela, com sua sacola de donativos recebidos, atrás. Lino sorrindo, e Landa se queixando, atrás dele. Chamava á todos de "Pai" e "Mãe". Quando fui aprendiz de enfermagem, eles iam no Posto de saúde queixar-se de algumas doenças, imaginárias na maioria, e que por sadismo, recebia uma sacola de injeções, e eram encaminhados ao hospital, onde eu trabalhava, para que recebessem as aplicações daquelas injeções. Era costume de algumas enfermeiras maldosas, aplicarem de modo que doesse muito, na coutada da landa, e ela chorava muito. Quando comecei a trabalhar, recebi a atribuição, e passei a aplicar as injeções. Eram injeções de óleo, muito doloridas. Eu aplicava com cuidado, pois eu tinha um pouquinho de consciência sobre a dor, especialmente a dor alheia, e mais ainda, a dor de um indefeso. Depois disso, quando nos víamos pela rua, ela apontava o dedo, sorria, e gritava bem alto:"Pai! Pai!". Eu ria. Era só o que podia fazer, além de não maltratá-la. Landa morreu há alguns anos, e o Lino, da última vez que o vi, estava ainda sorridente, muito bem vestido, totalmente grisalho, e morando no mesmo lugar. Que bom.
Seu Portela
Eu já escrevi sobre este personagem, mas vale juntá-lo aos pitorescos neste ensaio. Portela era um velhinho, quando o conheci, arcadinho, com apenas dois dentes inferiores, e acho que uns dois superiores, isso não lembro bem. Andava com uma calça de lã, com uma perna arregaçada acima da outra, levando uma malinha de garupa, e um cajado, para acelerar o passo, Reza a lenda, contada pelos meus primos, que o velho era bom de adaga, pois fora marinheiro em alguma das embrenhadas da Marinha brasileira, eu não sei dizer qual, pois também conta-se que ele morreu aos 105 anos de idade. Quando o conheci, estava perto dos cem anos, e era muito ágil. Comia escondido, envergonhado por comer muito rápido, costume que aprendera na vida militar. Não sei se verdade, ou por pagodeira, contavam que ele tinha uma xaxim, ao que dera o nome de "Catirina",e de vez em quando chegava borracho em casa, e metia a faca espicaçando o xaxim. Mas eu acho que era só deboche da gurizada pra troçar do velho. Eu gostava muito dele, pois era orgulhoso e esperto. Passava em nossa casa, pois sabia que minha velha avó, de sangue e alma judia, sempre tinha um prato de sustânça pra quem chegasse á sua porta, com fome. Mas ele não ia de mãos vazias; Levava sempre no "borço", uma balita pros guris, meu tio Samuel Issac e eu. Seu Portela deixou saudade.
Outro dia eu conto mais.
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