AD SENSE

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O escândalo do Porco de vento - Causos verdadeiros acontecidos em Gramado

Pois às vezes, cavouco na lembrança, um causo de priscas eras, mas verdadeiro, sempre verdadeiro, apesar do pitoresco que o embala, e não é dessa vez que serei falto com a verdade, ao relatar-lhes, tal como aconteceu, o causo do porco de vento, onde fui protagonista conivente para com o feito. Eis o relato.

Corria o ano da graça de N. S. Jesus Cristo, de 1984, se não há de faltar-me a memória, onde, em situação tal, de "fritar esterco para comer bolinho", bicudos tempos, dividia eu uma sala de trabalho, com dois outros comparsas, um engenheiro, e outro afeito à nobre arte da arquitetura, e eu, este humilde escriba, que desenhava desenhos para suprir os legumes da sopinha de meus pequeninos rebentos à casa.

Eram tempos bicudos, enfarruscados mesmo, porém, não envidarei esforços para louvar tais situações e tempos, porquanto avivam nossa imaginação, uns para coisas boas e outros, para feitos nem tão louváveis quanto os bons modos o exigem.

Eis que, no dito ambiente, havia certa movimentação em um bailado de entra-e-sai de indivíduos que ali compareciam com o real intento de fazer negócios, ou de encomendar nossas habilidades em antever suas edificações sobre papéis, repletos de linhas e números, ao que denominávamos: "projetos".

Então, segundo o preâmbulo anunciado, contarei o fato.

Corria o dia, e o arquiteto, encomendou-me minha especialidade, que era o desenvolvimento de épuras, vulgarmente conhecido como: "Perspectiva", uma apresentação gráfica de um plano, onde distingue-se com certa habilidade visual, a terceira dimensão dos elementos, hoje tão facilmente encontrada em aplicativos nestas máquinas que seriam queimadas durante os tempos sombrios, como se obras de bruxaria ou coisa ainda mais malévola, intitulada de "computador". Porém, por excelente misericórdia divina, eram minhas habilidosas mãos, conectadas à um lápis, e uma delicada pena de aço, suprida à tinta indelével proveniente do Oriente, denominada de: "Nanquim", quem preenchíam os vazios do papel, e devolvíamos em forma de retrato de uma casa, ou um ambiente de interior.

Pois, na negociação pela justa paga de meus serviços, acertado foi deste modo:

Tanto em espécie (dinheiro), mais um porco, pelo restante!

Ora! Mas como é que um judeu convicto poderia comer um porco, se minha religião abomina tal iguaria. e se não fosse comê-lo, por que matá-lo, mas se não fizesse dele toicinho e banha, como conservá-lo, uma vez que minha senhora, bastante conservadora quanto a certas práticas, não permitiria que eu levasse o animalzinho para tê-lo como companheirinho de leitura, ou brincadeiras com os miúdos, a quem sempre tive orgulho de chamar de filhos? Não! Certamente o porco não iria para meu lar. Porém, pelos termos do negócio, o porco já era meu.

O cálculo do porco era avaliado pelo seu peso, ou provável peso, no momento do negócio. O detalhe, porém, é que eu não vi o tal porco, uma vez que negociávamos como em uma bolsa de valores: na confiança do vendedor. Calculamos meu leitãozinho então com cerca de uns vinte quilos mais ou menos.

Passados alguns dias, fechei negocio com outro arquiteto, e passei o leitão nos cobres, naturalmente, reservando uma parte em dinheiro, pelo meu trabalho, e também adicionando um pequeno ágio de uns três quilos ao porco. Saiu da sala, então, um feliz proprietário de um leitão. Mas como disse, o leitão estava em um sitio, lá em Três Coroas, aos cuidados de um sócio de quem me vendeu o porco.

Como sempre gosto de dar atenção ao pós venda, tomei conhecimento que o arquiteto vendeu o porco, com um certo ágio, a outro prestador de serviços, e nessa altura, creio que o porco teria já uns 35 quilos. Muito bom para um banquete em família, contanto que não seja judeus, adventistas, ou muçulmanos.  Mas não eram, para tristeza do porco, que segundo a menininha que contava historinhas dos três porquinhos, logo, logo, viraria "carrrne".

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Mas deixe estar, que não termina aqui o causo, pois o tal empreiteiro, devia ao primeiro arquiteto, o que havia me vendido o suíno. E fechado negócio, e como justo fosse, vendeu o porco, pela quantia aproximada de quarenta quilos. 

Eis que, deixando passar mais uns poucos meses, e chegando o Natal, meu amigo, arquiteto, que nesse tempo não tinha um automóvel, mas movimentava-se muito bem com veículo ciclomotor, ou comumente chamado de "Moto", convidou o segundo personagem desse relato, o outro arquiteto (era estudante de arquitetura na verdade, mas deixemo-lo como arquiteto, que soa melhor à sua pessoa). e juntos foram à Três Coroas, resgatar o porco.

Fico imaginando na cena, onde contar-se ía três numa moto: O Piloto, o carona, e entre eles, a simpática silhueta do tal porco. Com 40 quilos.

Lá chegando, foram informados que o dono do sítio havia vendido o lugar, e fora morar em outro lugar.

- Mas certamente deixou-nos um porco, a ser resgatado, pois não?
- Não senhor. Somos vizinhos dele desde que chegou aqui, e nunca criou porco algum nesse lugar.

Tenho que dizer que aquele foi um triste Natal naquela família. Na esperança de comerem um porco, nem peru havia. Nem um frango. Um tico-tico que fosse.  Só rabanadas de pão dormido.

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domingo, 27 de setembro de 2020

O homem que brigou com D-us - Opus 3 (Terceira parte)


 

O homem que brigou com D-us - Opus 3 (Terceira parte)


Hava apressava-se em deixar tudo arrumado para o almoço com os Klein, que prometeram chegar às onze horas, pois estava programado que o almoço fosse servido ao meio dia e meia.

Os Klein sugeriram que o almoço não fosse marcado para o Shabat, e sim para o primeiro dia da semana, segundo seu costume, pois, mais que não comer certos alimentos, a guarda do Shabat envolvia mais coisas e ritos, que poderiam constranger, uns e outros, pelo desconhecimento destes costumes.

Pontualmente, às onze horas, Benjamin Klein, e seus pais, batem à porta, e são recebidos com entusiasmo pelos anfitriões.

Não pode dizer-se que tenha sido uma recepção comum, pois, devidamente instruídos sobre os costumes, apenas os homens apertaram as mãos, entre si, o que foi repetido pelas mulheres, porém, homens e mulheres não se tocaram, também devido aos costumes ortodoxos dos Klein.

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É próprio da hospitalidade judaica, levar algo em uma visita, seja isso em um momento de luto, ou de cordialidade social. O mimo trazido por Dvora Klein e seu esposo, Itzak, foi uma bela e saborosa Chalá, um pão trançado, que é repartido em pedaços quebrados à mão, e repartidos, em muitas cerimônias e celebrações religiosas. O anfitrião, abençoa o pão, com uma prece especial, e depois arranca pequenos pedaços, espalhando sobre o fragmento, uma pitada de sal, com os dedos, e o entrega ao convidado, ou anfitrião. Com este gesto, está dizendo: "Você é bem-vindo à minha casa, ou entre minha comunidade".

- Este é então o moço que impressionou meu marido! - Disse Hava, com um sorriso, olhando para Benjamin. Sejam bem-vindos então! Esta porta aqui é para o Lavabo, se desejarem utilizá-lo, e o almoço estará pronto para ser servido, em poucos minutos.

- Oh, não é preciso ter pressa, senhora Hava! Estamos bem! Creio que os rapazes gostariam de ter um momento de privacidade para se conhecerem melhor, e eu ficarei muito feliz em auxiliá-la na finalização da refeição, se me permitir.

As duas mulheres foram à cozinha, enquanto os homens, assentaram-se na varanda para apreciarem o frescor da manhã, em que o sol, preguiçoso, descortinou a névoa da aurora, que aos poucos foram dissipadas por uma brisa vinda do oeste, fazendo balançar as folhas das ameixeiras, e encurvar com suavidade  os lírios do jardim.

Assentaram-se, e tão logo o fizeram, Hava serviu-lhes uma jarra de limonada, deixando-os novamente a sós.

- Benjamin impressionou-me, sr.Itzak. Ele tem um modo convincente de elaborar um debate. Não tem respostas prontas, antes, leva-nos a refletir sobre nossas próprias perguntas. Eu gosto disso. Gosto muito!-Disse Esteban.

Itzak e Benjamin riram, e bebericavam seu refresco, enquanto apreciavam o jardim dos saavedra. Esteban puxou a conversa:

- Fiquei bastante impressionado pela retórica de benjamim, conforme falei.

- Na nossa cultura, temos um ditado - respondeu Itzak: Na sua cultura, vocês perguntam ao menino se ele aprendeu algo de bom na escola hoje. mas na nossa cultura, a mãe judia pergunta ao seu filho:

- "Meu filho! você fez uma boa pergunta hoje?"

Muito bom! - Interviu Esteban.  É um bom método. Então posso perguntar algumas coisas também, para ser um "bom aluno"?

- Naturalmente que sim! - Respondeu Itzak. Imagino que você vá perguntar sobre nossa religião e nossos costumes, estou certo?

- Está certo, é o que vou perguntar! - Disse Esteban.

- Isso é bom, mas pensei que também pudéssemos falar sobre História, Astronomia, um pouco de política, futebol, quem sabe? nós gostamos dessas coisas também.

- Mesmo política, Sr. Itzak? Achei que política e religião não combinassem...

- Mas quem disse uma coisa dessas, Sr. professor Esteban? Nós adoramos falar de política. Nesse momento, mesmo, estamos discutindo sobre as eleições em Israel, e somos sionistas, participamos ativamente do movimento de apoio à terra de nossos pais, e aqui mesmo, no Brasil, acompanhamos e discutimos bastante sobre política também.

- Interessante! Eu achei que religiosos não tivessem muita simpatia pela política..

- As pessoas conhecem pouco sobre nossa cultura, e eu admito que temos certa responsabilidade nisso, porque procuramos manter-nos mais reservados de certas paixões, mas nossa religião não nos proíbe de sermos cidadãos e exercermos nossos direitos e obrigações, e de emprestarmos nossa gratidão para com as terras que nos acolheram nos tempos difíceis. Muito pelo contrário: não existe distinção de um judeu no Shabat, ou em outro dia qualquer da semana. A única diferença é externa, porque não fazemos no dia santo aquilo que comumente fazemos durante a semana.

- Penso que o mesmo deva aplicar-se a qualquer prosélito de qualquer denominação ou filosofia, onde não é o ambiente, nem a oportunidade quem define suas crenças, mas o que você faz com o que aprendeu com elas. Isso se chama "ética", retorquiu Esteban.

- De pleno acordo, meu caro professor. Ética é uma palavra de origem grega, que significa "cobertura, proteção". Vale dizer que quando você não depende do olhar dos outros para fazer o que é certo, isso serve de proteção, principalmente a você mesmo. Os nossos sábios dizem que D-s está dentro de nós, mas mais que isso, somos nós quem estamos "dentro" D'Ele, porque Ele está em todo lugar, mas podemos dizer que Ele vê tudo, mas que se D's está em nós, somos "seus olhos", e vemos tudo aquilo que diz respeito ao nosso entorno. Então, somos fiscais de nossas ações, não por medo da justiça divina, mas por consciência de nosso lugar e nosso compromisso com Ele, e nosso compromisso com Ele se completa quando servimos ao próximo, que é a outra extensão de D´s, ao nosso alcance.

- Você diz que D-s é fracionado, um pouquinho aqui, um pouquinho ali? Uma leitura simples de que você disse, dá essa impressão, não concorda comigo? - Atalhou Esteban.

- Bem, se você desejar encontrar respostas prontas, irá encontrar as respostas que quiser, até mesmo de fracionar D-s. Felizmente O Altíssimo não se apresenta da maneira que nós desejamos, mas do modo que possamos compreendê-lo. - Disse Itzak. Você deve saber qual é a expressão máxima do judaísmo: O Shemá!- "Shemá Israel! HaShem Eloheinu, HaShem Echad!" (Ouve, ó Israel! O senhor é nosso D-s. O Senhor É Único!).

Este brado, pode ser chamado assim, é repetido há muitos milênios por nosso povo, duas vezes ao dia, onde quer que esteja, como quer que esteja. Significa que diante de todas as  adversidades e perigos, nosso povo irá crer e obedecer ao D-s Único.

- Bem! Esta é a história de um povo, do seu povo, mas talvez Benjamin não tenha lhe contado que eu sou ateu. Não sou do tipo proselitista ao ateísmo, nem pauto minha vida a desmerecer as crenças dos outros. Longe de mim fazer isso. Tenho muito respeito pelas pessoas e entendo sua necessidade de cultuarem o Desconhecido, ao que chamam de D-s, Jesus, Ogum, Alá, ou Buda! - Redarguiu Esteban.

Itzak sorriu e disse:
- Acho que temos aqui uma malha de opções, meu amigo, mas creio que nenhuma delas corresponda à D-s, do modo que nosso povo conhece. Isso não nos torna melhores,  nem piores, mas procuramos separar essas exposições do Eterno - Bendito seja!

Vamos considerar que o Monoteísmo, que é baseado na visão hebraica da Divindade, fez brotar ramificações, começando pelo cristianismo, e a seguir, pelo islamismo, cujas interpretações tem alguma semelhança, mais entre judaísmo e islamismo, onde ambas defende a existência de Um Único D´s, e defendem com unhas e dentes, cada um ao seû modo, essa doutrina.

Já o cristianismo, até o século terceiro, foi apenas uma seita do judaísmo, que partiu do grupo liderado pelo judeu Yeshua, a quem os gregos descreveram como Jesus, e seu pequeno grupo de seguidores, denominado HaDerek - O Caminho. Nesse tempo, haviam mais outras seitas, ou grupos com seguidores, conhecidos como: Essênios, os misteriosos monges que viviam em comunidades exclusivamente masculinas, em cavernas, no deserto, e buscavam preservar o aspecto da santidade do serviço religioso. Outro grupo mencionado as escrituras judaicas que os cristãos chamam de "Novo testamento", ou alguns, em hebraico dizem: HaBessora - As boas novas, onde mostram o judeu Jesus na condição de "Messias" prometido de Israel, e é a base do cristianismo dos primeiros séculos. Outro grupo com seguidores, eram os Saduceus, mais exigentes nas questões legais da Torá, e os mais conhecidos, e até odiados, por quem não os conhece, os Fariseus.

Itzak dá uma sonora gargalhada:
- Não fazem ideia de que seu Messias, Jesus, foi um fariseu...

Benjamim o aparta:
- Pai! Melhor você explicar isso direito, pois o professor Esteban não é religioso, mas a Sra. Hava é cristã!

- Por favor, por favor - consertou Itzak, pegando Esteban pelo Braço. É importante que eu esclareça essa questão, até pra que entenda que nós não somos proselitistas, e nem é de nossa cultura sermos críticos com as demais.

Esteban dá uma gargalhada e bate no ombro de Itzak.

- Fique sossegado, meu caro! Sou um estudioso, e minha esposa também é. E estou curioso agora. Por que diz que Jesus era fariseu?

- Para entender isso, precisamos voltar alguns anos no passado, cerca de 30 a.e.c, que vocês chamam de a.C, quando haviam duas escolas rabínicas, de dois grandes mestres: Shamai e Hilel.

Nesse momento, Dvora e Hava aparecem à porta e anunciam o almoço já servido.

- Continuaremos depois, Sr. Itzak. E vou apertar vocês, pois quero ouvir Benjamin sobre umas questões.


continua.....

https://dpacard.blogspot.com/2020/09/o-homem-que-brigou-com-d-s-opus-1-ensaio.html

https://dpacard.blogspot.com/2020/09/o-homem-que-brigou-com-d-us-opus-2.html

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sábado, 26 de setembro de 2020

O homem que brigou com D-us - Opus 2 (Segunda parte)

Imagem- Internet


O homem que brigou com D-us - Opus 2 (Segunda parte)

Aquele dia passara depressa. E mente de Esteban  parecia um festival de fogos e luzes que piscavam e pipocavam sem parar. Os pensamentos atropelavam-se uns aos outros, depois do encerramento daquela aula. Não conseguia apagar da mente as respostas prontas em forma de mais perguntas, do jovem Benjamim.

Aquele menino não era comum. Suas indagações e reflexões eram bem mais que o cotidiano conhecimento de "tabelinhas prontas", com perguntas à esquerda e respostas à direita. Nada nele era pronto, e ele ousava questionar se a aparição divina a Moisés, seria uma visão com base em condicionantes extrínsecos, ou alucinações pela falta de oxigênio pela altitude em que estava o Libertador dos hebreus.

Não" Aquele menino não era um cético, e muito menos ateu. Era um judeu, religioso, parte de uma família conservadora, e que apenas por uma questão extemporânea, frequentava aquela escola, mas estava destinado a mudar-se no ano vindouro para uma Yeshivá, as escolas tradicionais religiosas judaicas, aquelas que formam Rabinos, mas que nem por isso sentia-se fora de seu ambiente, ao ponto de permitir-se debater com seu mestre, sem receio de confrontá-lo à reflexões profundas e de difícil entendimento ou resposta.

Esteban era, afinal, um advogado, e um professor de história. Não tinha porque enfiar-se em debates filosóficos, e muito menos teológicos, com seus alunos, por ser exatamente um ateu, e bastava-lhe repassar o currículo da disciplina e contentar-se com as respostas prontas no livro auxiliar do professor.

Ora, perder seu tempo acadêmico ouvindo perguntas que lhe faltavam ao domínio, exatamente sobre um tema e Um personagem que ele reputava inexistente: D-s! D-s não existia em seus acurados estudos, e embora não fosse comunista, concordava com Marx, com Jung, Com Nietsche, que o Personagem D-s seria apenas uma criatura mítica criada pelos homens, ás suas imagens, conforme suas semelhanças. Fazia sentido sim, quando se tratava de questões práticas, pois se Descartes estava certo, em sua máxima: Cogito Ergo Sum" (Penso, logo existo), então bastava pensar e também uma divindade passaria a existir para aquela pessoa, cultura, ou civilização, e bastaria criar-lhes afagos e escrever livros com suas frases, como se fossem citações da própria divindade, e estariam criadas as religiões. A história, que ele conhecia o suficiente, contava coisas assim. Então, por que isso tirava-lhe a quietude, logo um menino, um adolescente?

- Venha jantar! - Chamou Hava, sua esposa! Fiz aquele pudim que você tanto gosta, meu bem!

- Estou indo, querida! Preciso apenas revisar um finalzinho de uma prova, mas prometo á você, que em três minutinhos estarei á mesa apreciando os "divinos" sabores de suas mãos mágicas.

"Divinos sabores" - aquilo foi uma piada, mas tentando agradar à Hava, que era cristã, filha de judeus convertidos durante a fuga da Europa, no período da Segunda Guerra Mundial, e sentia-se desconfortável com a descrença do marido. Mas era uma mulher de pensamento livre e entendia que religião, crença, eram coisas absolutamente pessoais, e que bastava sua compreensão, e a dele para que as coisas andassem bem. E andavam.

- Como foi seu dia hoje, querido? - Perguntou Hava, enquanto servia uma fatia generosa do pudim que havia feito.

- Não posso dizer que tenha sido um dia comum, minha querida. Não posso dizer isso. Houve um fato que, preciso confessar, deixou-me um tanto pensativo. Um novo aluno, filho daquela família que mudou pra cá no ano passado. O rapaz, Benjamim, é diferente dos meninos que conheço. É perspicaz.

- Acho que você encontrou alguém à altura de sua inteligência! - Disse, sorrindo, Hava,
- Foi bem mais que isso, querida! Ele me superou, com poucas palavras em um curto diálogo, um pequeno debate durante um exercício de aula. Nem era nada dentro da disciplina, pelo menos, não o debate, que estava mais associado à teologia, assunto que não me traz sabor algum.

- Agora fiquei curiosa, querido! O que ele disse que te deixou em êxtase?

Esteban deu uma sonora gargalhada.

- êxtase não é o que se pode esperar de um ateu em assuntos de religião, minha querida, pois eu trato a religião, a fé, como um atributo sociológico e psicológico, um conjunto de fenômenos de comportamento, e o meu respeito às pessoas que praticam suas crenças como exercício de livre arbítrio, que tanto há entre pessoas quanto entre os animais.

- Como disse? Animais tem livre arbítrio?

- De certa forma, sim, nos parecemos. Os animais sentem fome, e saem em busca de alimento, e quando o encontram, simplesmente comem. Não tem nenhum tipo de sentimento ruim ou bom pelo que acabaram de comer. Seja grama ou outro animal, comer é uma necessidade, mas permanecer naquele lugar, é uma escolha deles, não concorda comigo?

- Você deve estar brincando comigo. Claro que não não posso concordar. Os animais se movem sem que ninguém os conduza, é certo, mas sua permanência em determinado lugar, dá-se pelo instinto em perceber, pelo faro, ou sensações próprias de cada animal, que ali há mais alimento, e assim que tiverem fome, na melhor hora do dia em que estejam adaptados à busca de seu alimento, o fazem. Eles não tem uma escolha de mudarem isso. Os carnívoros não refletem sobre a dor da presa e o direito à vida, e buscam adaptar-se à verduras e frutas. Alguns até comem isso, mas na primeira oportunidade que a onça tiver, os direitos da ovelha não serão levados em conta.

Esteban ri novamente e enfia goela abaixo um notável pedaço de pudim.

- Tantos anos ao meu lado, e não percebe quando estou brincando! Eu apenas quero dizer que os Seres Humanos fazem o mesmo, e sua territorialidade é por interesse e conforto. A diferença está em que estão mais evoluídos e fazem escolhas sobre o bem e o mal, mas ao fim disso, são tão irracionais quanto os animais. Veja as calamidades, que destroem vidas, sonhos, tiram vidas, levam fome e dor, e uma nova seleção começa, onde os mais fortes sobrevivem e os mais fracos perecem. E por mais fortes, eu não faço da força física, mas da força moral, que respeita os limites do outro, e da riqueza mental que faz com que, em muitos casos, doem suas próprias comodidades e vidas em favor dos mais indefesos, começando pelos de sua própria casa.

- Você sabe bem o que eu penso, e em que lugar eu coloco a minha fé - emendou Hava.

- Mas a fé é uma mostra de força, minha querida. Eu sou ateu, e dispenso a existência de um D-s Criador, mas não duvido jamais da fé. Eu creio que você crê, e creio que sua crença de fortalece, e em sua crença, você diz e faz coisas que cria sinapses de encorajamento a si e aos outros que compartilham de sua crença. O que não acredito é que haja um Espírito, uma energia inteligente escondida em sua mente, nem esquecida do outro lado do Universo, em um trono de luz, cercado de anjos e outros espíritos, ao qual vocês chamam de D-s.Mas digo uma coisa, com sinceridade: Se conseguirem, pela ciência, comprovar a existência de D-s, eu revejo meus conceitos.

- E eu revejo os meus - respondeu Hava. No dia em que conseguirem uma amostra do DNA de D-s, e colocá-la em uma cápsula no laboratório, quem deixará de acreditar em D-s serei eu, meu querido. Não passa pela minha cabeça, crer em um D-s tão insignificante e exibicionista, que De deixe entubar e medir por cabeças mortais e prepotentes. Ora, provar D-s pela experimentação científica. Você tem cada ideia! E a louça é sua hoje! Eu tenho provas para corrigir. E bem menos metafóricas que as suas. Aritmética é mais fácil de entender do que que sua descrença!- Disse Hava, ao dar-lhe um beijo no rosto e sair dali.

- A propósito - emendou: por que você não convida seu aluno Benjamin e seus pais para virem almoçar conosco no sábado?

- Eles são judeus, e sua alimentação é "Kasher", especial. Eles não misturam carne com leite, e as carnes devem ser provenientes de abates especiais. Além disso, o Sábado é o dia santo deles. Não creio que se sentiriam à vontade, comendo com estranhos, justo neste dia.

- Eu sei o que é comida kasher, meu bem, e sei também que não acendem fogo aos sábados, mas prepararei alguns pratos vegetarianos deliciosos, e farei isso na sexta feira, de modo que não transgrida o costume deles. Eles moram aqui pertinho, e certamente saberemos fazer com que se sintam bem-vindos à nossa casa. O que custa tentar? Assim, você terá oportunidade de conhecer melhor a fonte do conhecimento de Benjamin.

- A ideia é ótima! Farei isso então, querida. Agora, por favor, deixe-me concentrar na louça. 

- Animais com livre arbítrio! Eu invento cada coisa... Pensando bem, os animais levam vantagem sobre as pessoas, pois eles acordam, andam, procuram comida, comem, fazem suas necessidades, procriam, e vão dormir. Vida simples, tudo natural, sem boletos a pagar, sem provar por corrigir, sem saber se Gengis Khan empunhava espada com a mão direita ou esquerda.. 

Na manhã seguinte, pontualmente, às sete horas e quarenta e dois minutos, o professor Esteban chega para seu café com biscoitos na sala dos professores, e às oito horas, ao sinal da escola, adentra a sala de aula.

- Página oitenta e um! Leiam em voz alta o debate entre D-s e Moisés. Um voluntário? Benjamim, quer ler? Não, Benjamin já leu na vez passada e monopolizou a aula. Fernanda! você leia, de forma audível, o texto.

Fernanda abriu o livro, que tinha, nele transcrito, o capítulo três do Livro do Êxodo:

-"E apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto, e chegou ao monte de Deus, a Horebe.
E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia..

E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei esta grande visão, porque a sarça não se queima.
E vendo o Senhor que se virava para ver, bradou Deus a ele do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me aqui.
E disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa.
Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus." (Êxodo 3:2-6)

- Obrigado, Fernanda! - Interrompeu o professor. Vamos agora analisar o ambiente em que vivia Moisés. Felipe! Gostaria de comentar isso?

Felipe assentiu e levantou-se para falar.

- Moisés havia fugido do Egito, ou foi expulso, também pode-se dizer assim, após ter assassinado um egípcio, porque este batia em um hebreu. No dia seguinte, viu dois hebreus brigando, e tentou intervir, dizendo que não deveriam brigar, pois eram irmãos. Foi quando um dos brigões voltou-se para ele, e o acusou de ser ele próprio um assassino. Então fugiu de lá, e andou até a Terra de Cuxe, a Etiópia, e lá encontrou refúgio entre a família de Jetro, um chefe tribal, que não era muito bem-vindo entre as demais tribos, porque cultuava um D-s diferente dos cuxitas. Era de certo modo, discriminado por sua visão monoteísta.

Lá chegando, Moisés, que era um homem forte, pois fora treinado para ser um general, um príncipe para combate, e também para governar, defrontou-se com um bando de pastores que maltratavam uma moça, à beira de um poço, onde todos recolhiam água. Moisés enxotou os pastores, e auxiliou a jovem, que chamava-se Tzipora, e logo também casou-se com ela.

Este episódio, do encontro com D-s, no alto do Monte Horebe, acontece cerca de quarenta anos após sua chegada a Cuxe. Tinha então Moisés, nesse tempo, oitenta anos de idade, de acordo com a cronologia bíblica.

- Obrigado, Felipe! Muito boa sua observação, porque nem tudo o que você disse, encontra-se com tanta clareza, na Bíblia, mas vejo que você busca seu conhecimento em mais fontes periféricas. Que fontes são essas? porque você sabe que, provas se encontram, não apenas em um relato, mas nas testemunhas que acompanharam os relatos, que não necessariamente sejam protagonistas do relato.

- Bem, professor. Eu desconheço as fontes, ou livros, mas são relatos que eu ouvi minha avó contar, quando eu era pequeno. Ela dizia que isso estava na tradição de nossa família, e que vinha sendo passada de pai pra filho, por muitas gerações.

- Era aqui que eu queria chegar, classe! Como a história chegou até nós! - Bradou com alegria Esteban.

- A história é o conjunto de relatos que se juntam e são passados adiante. Alguns fatos são registrados em palavras em livros, pergaminhos, tabletes de barro, com palavras, hieróglifos, ou textos, Já outros, são testemunhados pelo conjunto que reúne a história oral, chamada de Tradição Oral, com pistas arqueológicas, ou pontos geográficos específicos, mencionados nos relatos antigos, que dão corpo às histórias da tradição oral, ou dos próprios relatos textuais em literatura e documentos ou manuscritos antigos.

Assim, a Bíblia, é o conjunto destas informações e relatos, contatos através de cerca de quinze séculos, por dezenas de autores, da Bíblia Hebraica, conhecida pelos cristãos, como Antigo Testamento, e outros pares de escritores, quase todos judeus, de uma matriz judaica chamada de "Ha Derek", que significa: "O Caminho", posteriormente chamados de "Cristãos", ou "Seguidores" de Yeshua, O Nazareno, definição que demanda estudos mais aprofundados quando ao significado original, segundo alguns estudiosos.

Percebam então, que aquilo que nos mostra um único relato, pode ser a inteira verdade, mas nem sempre deixa claro seu verdadeiro, ou original significado. Eis o papel da história, que é abrir as portas da "Meta-História", a história atrás da história, que, às vezes, nos traz uma nova leitura sobre um texto, aparentemente insignificante. Sobre isso, falaremos mais num outro dia. Terminamos aqui a aula de hoje, e Benjamim, preciso dar uma palavrinha com você, por favor


...continua

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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O homem que brigou com D-us - Opus 1 (Ensaio)


Todos os nomes dos personagens, exceto menções de personagens históricos, são fictícios*

Professor Esteban Saavedra chegava sistematicamente às sete horas e quarenta e dois minutos na escola, onde lecionava história aos alunos do último ano do Ensino Médio. Dirigia-se à sala dos professores, largava sua mochila com seu notebook, e servia-se de café, recém passado, por Dona Maria Virgínia, que sincronizava o preparo da iguaria, ao som dos seus passos pelo corredor, até à pequena salinha, de onde era atraído pelo aroma que se espalhava por todo o andar da escola.

À primeira xícara servida, ao velho professor, fazia companhia um pote de biscoitos, que passava de mão em mão pelos demais professores que iam chegando ao lugar, para refestelarem-se com café, biscoitos, e umas boas risadas de um e outro professor, que relatava o comportamento deste ou daquele aluno, tecendo conjuras sobre o comportamento, ou dramas familiares revelados ali, como se fosse um grupo de apoio, onde catarses eram despejadas nos poucos e bem aproveitados minutos antes do confronto diário com a turba enfurecida trancafiada entre quatro paredes e vinte e poucas carteiras enfileiradas, onde seus desafios os aguardavam impacientemente.

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Sete horas e cinquenta e cinco minutos, toca o sinal de aviso para que todos os alunos entrem em suas respectivas salas, fato que poderia ocorrer com harmonia e silêncio, pois são apenas vinte e poucos saudáveis estudantes dirigindo-se para mais uma manhã de instrução e conhecimento. Poderia ser ordeira e silenciosa. Poderia.

Faltando um minuto para as oito horas, Esteban abre a porta, e ao ver o estardalhaço que fazem seus alunos, fica parado à porta, com uma mão segurando a mochila, e a outra segurando a maçaneta da porta, e olhando com firmeza, mas sem ira ou qualquer aparência de raiva, para a turba, que aos poucos, percebia que não seria recomendável que mantivessem a resiliência da desordem, mas se aquietava, até que, ao som da segunda cigarra que tocava novamente, Esteban entra e com delicadeza fecha a porta, cumprimentando, a seguir, seus alunos, com um generoso sorriso ao rosto.

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- O Universo tem suas regras, eis a razão pela qual nos mantemos íntegros, apesar da imensa quantidade de meteoros, e raios cósmicos nos bombardeando o tempo inteiro, mas eis que entre essa caótica configuração que se faz parecer com organização mnemônica, embora tudo parece, ao olhar mais acurado, como randômica, ocasional, como é o tempo, e assim é nossa classe: Se parece com um mundo no caos, mas é cosmogônica, ordeira, e civilizada, e de fácil organização, enquanto houverem regras e estas regras forem seguidas, o que acaba de acontecer.

A classe não piscava, e só respirava, para manter a vida pulsando nos corpos estáteis, apenas tentando assimilar o conjunto de palavras diferentes e difíceis, que nem estavam ligadas (é o que achavam) à sua disciplina de História. Mas discutir com um erudito era tempo perdido, e ainda poderiam ter do que rir à hora do intervalo, imitando os trejeitos pomposos do velho professor Esteban.

Esteban era um advogado, que dividia seu tempo entre os tribunais, e a cátedra, e lutava para decidir qual das atividades dominava mais sua paixão. Era como um homem que amava duas mulheres, e não se decidia por nenhuma, antes traía as duas, e traía a si mesmo por essa indecisão. Mas era assim que era. Paixão e dedicação aos réus, paixão e dedicação aos alunos. Ambos precisavam de sua lucidez permanente, pois um único deslize seu poderia deixar que condenassem um inocente, ou tiraria dos bancos de uma universidade, um aluno descuidado com a matéria.

A aula era de história das religiões. E Esteban era ateu. Não era ateu proselitista, pois acreditava no livre arbítrio e no direito de crer em não crer e não crer em crença alguma, exceto a crença da não existência de D-s (Deus). Mas era ateu convicto, e para tornar-se ateu praticante, com ética em suas crenças da não existência de Um Criador, precisava acima de tudo de honestidade consigo mesmo, e deveria entender por que não cria, mas também porque criam em D-s, e por que tinham religiões tão diferentes, e ao mesmo tempo tão iguais, os seus alunos e os demais professores.

Estudara com fervor quase religioso a Torá, os Profetas, os Escritos, da Bíblia Hebraica, ou Antigo Testamento, mas também tinha várias pós graduações nos escritos judaicos do Novo Testamento, mas também conhecia Surata por Surata do Alcorão, o Livro Sagrado dos Muçulmanos, assim como sabia diferenciar entre o Bardo Thödol, do Budismo do Norte, ao Bukio Dendo Kyokai, do Budismo do Sul. Lia também e estudava os mantras com minuciosa curiosidade, do Hinduísmo e suas variadas ramificações, passando ainda pelo Livro dos Mortos do Egito, e para ser mais específico no interesse das aulas, a história do cristianismo, desde Jesus, chamado O Cristo, Messias, passando pelas perseguições romanas, primeiro aos judeus, depois aos cristãos, e depois destes aos judeus, até chegar ao presente, na confusão das religiões que matam e torturam em nome do D-s, ao qual chamam de amoroso. Isso o tornara ateu e fortalecia suas convicções, citando a Bíblia quando dizia, do Livro de Eclesiastes: "No muito saber, há enfado da carne", eram as palavras atribuídas ao Rei Salomão. O Rei com mil mulheres e que transformara seu palácio e o Templo Sagrado, em dois imensos puteiros, onde praticava sua justiça, aterrorizando mães que disputavam a posse de um filho, ameaçando fazer bifes do bebê vivo, e claro, funcionou, e nunca saberemos se ele passaria a lâmina no bebê, ou nas mães delinquentes. Enfim. Salomão não era um bom exemplo para Esteban, e relatos como esse sedimentavam sua fé no vazio Teológico.

A favor do professor Esteban, era que ensinava os preceitos e o entendimento científico do comportamento humano diante de cada religião, era sua honestidade no ensino, e se os cristãos creem que Jesus é D-s, então ee dizia: Segundo a crença cristã, de que Jesus seja D-s, então, vamos tratá-lO com tal reverência, como gostaríamos também de Tratar da crença judaica de que Moisés, Josué, e os grandes profetas da história de Israel realmente falavam face a face com seu D-s, então é assim que trataremos, pois minha crença é apenas minha, e vossa crença é apenas vossa, e o respeito é o que nos iguala como Humanidade, e nos difere dos animais irracionais, isto é, que agem pelo instinto, mas não pela razão.

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- Um cão jamais questionará porque é um cão, por que não é uma lagosta, ou um Iáque do Himalaia. Assim, eu não questiono por que Benjamim frequenta uma sinagoga, ou Abdul vai à mesquita, nem tampouco por que João Pedro reza aos domingos na missa, enquanto Sebastião recebe passes num terreiro de Orixás.

- É este livre arbítrio que aproxima as pessoas, sem que interfira nas crenças de cada uma delas, enquanto em seus ambientes próprios, e que haja um senso comum de convivência e respeito em ambientes que pertencem à todos, e que ponham em prática as boas práticas de seus ensinamentos religiosos, que devem externar o resultado daquilo que entendem por amor ao próximo, este, pregado por todas elas, e esta é a única parte das religiões que me comovem de certa forma.

- Professor Esteban! Levantou a mão um menino que assentava-se ao fundo da classe.

-O senhor já falou com D-s?

Esteban sorriu e ironizou a situação.
- Bem, ainda que eu falasse com Ele, acho que não seria convidado a tornar-me pastor, padre, xamã, ou rabino de seu rebanho - respondeu.

- Mas o senhor já falou com D-s?- Insistiu o menino.

- Não, filho. Nunca falei, E você falou com Ele? (Fez um sinal com o dedo indicador, apontando para cima, movendo-o pra cima e pra baixo, com sarcasmo).

- O senhor acredita que eu tenha falado com Ele, professor Esteban?

- Mas que menino! Responde uma pergunta com outra pergunta!-Riu disso.

- Você responde uma pergunta com outra pergunta, muito inteligente, filho. Você é judeu?

- Apenas os judeus respondem uma pergunta com outra pergunta, senhor professor Esteban?

- Você é o jovem Benjamim, é isso?
- O senhor sabia que meu pai também se chama Benjamim, e dois tios, por parte de minha mãe, também tem esse nome?

- Você não me respondeu a pergunta. Você já conversou com D-s, Benjamim?

- Quem fez esta pergunta não fui eu, professor Esteban?

Esteban deu uma sonora gargalhada e deu início ao plano de aula:
- Página sessenta e dois. Leia, Samira, em voz alta.

- Moisés subiu o Monte à procura de umas ovelhas que havia subido o Monte, e ao aproximar-se de um lado da montanha, viu um fogo aproximadamente de sua altura, envolvendo uma planta seca, uma Sarça, mas apesar de emanar um grande calor, a planta permanecia intacta, e não queimava. Assustado e curioso, Moisés aproximou-se., e do meio do fogo, ouviu uma voz que dizia:
- Moisés! Tira as tuas sandálias, pois o chão que pisas é Terra Santa.

- Muito bem, Samira! Pode assentar-se.

- Benjamim! Você realmente acredita que Moisés estava, de fato, conversando com D-s?

- Talvez sim, professor, porque Moisés ainda não conhecia o D-s Criador do Universo, mas conhecia muitas histórias dos deuses do Egito. Moisés foi treinado, e qualquer manifestação estranha, poderia ser algum deus conversando com ele, pois no Egito, Moisés vira muitas coisas estranhas acontecendo, quando era um aprendiz de sacerdote e príncipe do Egito.

Perceba, professor Esteban, que Moisés nem chegou a perguntar quem era aquele espírito, até que O Próprio D-s se apresentou, e nem se apresentou também como O Criador do Universo, mas começou o relacionamento de mansinho, apresentando-Se como Alguém íntimo com a família de Moisés (D-s de Abraão, Isaac e Jacó). Assim, foi O Próprio D-s quem abriu caminho para aquela conversa, e é como Ele faz sempre, eu imagino.

Esteban cerrou os lábios, abaixou a cabeça e a balançava em movimento vertical, segurando o queixo, e olhando em direção à janela, enquanto escutava o rapaz. Em seguida objetou:

- Então você se contradiz, pois afirmou que Moisés conhecia segredos da manipulação, da mágica, do ilusionismo, das ervas alucinógenas, e outros recursos que alteravam o estado de consciência da pessoa. A própria altitude, o ar rarefeito, não poderia ter levado Moisés a ter aquela visão, e de ter imaginado estar conversando com sua divindade?

- Onde há contradição, professor Esteban? Em primeiro lugar, em nenhum momento D-s disse que estava ali. Ele apenas fez Moisés saber com quem falava, e uma visão, fosse ela física ou não (não vou chamar de real, porque realidade virtual é também uma realidade)era a epifania necessária para indicar o sagrado da situação.
Em segundo lugar, aquela, que o senhor diz ser a possibilidade de uma alucinação fanática, foi seguida de uma sequência de fatos com milhões de testemunhas, e registrada passo a passo como diferente da forma usual, e assim denominada de milagres.

D-s poderia ter se comunicado em sonhos, como fez com Abraão, com Jacó, com José, mas também falava face a face, como com Moisés e outros profetas, mas optou por aquela situação, onde o abiente não esteja cercado de imagens, ou portas douradas, nem pompa e cerimônia. A única cerimônia exigida foi lembra que dentro da casa, não se entra de sandálias, costume que mamãe Rivka nos impõe até hoje, pois a casa é um lugar santo, kadosh, separado do mundo, e os pés que pisam lugares santos tornam-se santificados também. Esrta era a intenção de D-s ao exigir que Moises caminhasse descalço na Sua Presenta, ois era um lugar de Santidade. A presença de D-s em qualquer lugar, traz santidade àquele lugar.

Esteban ouvia tudo calado, assimilando os fatos, e preparando a próxima pergunta, mas lembrou que Benjamin estava monopolizando sua aula, e os demais alunos poderiam se deixar influenciar pelo pequeno teólogo de bermudas, e uns fios de barba dispersos pelo queixo.

- Muito bem, Benjamim! Tome nota disso que você falou em uma redação e deixe na minha mesa até o fim da aula. Quanto aos demais, façam também uma redação, com base no que Benjamim falou aqui nessa aula, e deem suas opiniões a respeito do que foi dito e perguntado. Vocês tem o resto da manhã para debaterem entre sim, em duplas, e apresentarem suas redações, que as lerei em casa, e valerão dois pontos na nota do mês.

.......Segue no próximo ensaio

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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Tem gente que, não sei como, consegue...





Não sentir dor. Tem gente que consegue viver sem isso. Mas eu pergunto: Como? Como é que pode, um Ser Humano, que se diz racional, acordar, passar o dia, e ao chegar a noite, seja qual for a hora, dormir, sem sentir nenhuma dor?


Me diga você, que aparentemente parece estar em são juízo (embora eu acrescente dúvidas que alguém que leia e até goste do que eu escreva, possa ser qualificada como de "são juízo", mas, enfim, vamos concordar que sim, porque seria extremamente desagradável começar uma prosa, ofendendo meus leitores, isso nunca, mas então, me diga, como é que alguém pode sorrir, no meio duma calamidade? Me diga!

Como é que as pessoas podem achar graça até, e se enternecerem quando veem uma criancinha remeladinha de chocolate, dando gargalhada, com uma colher lambuzada na mão, e ao lado, um cãozinho brincalhão com jeito de quem gosta de chameguinho na barriguinha rosada.

Como é que tem gente que consegue ser honesta, nestes dias, com tamanha facilidade para o crime?

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Como é que pode alguém, jovem, inteligente, correto nos negócios, ético no trabalho, vir a gostar de política. Mas logo de política! Gente doida pra ser carimbada entre os da pior espécie que há. Como pode isso?

Opa! Vamos parar um pouco aqui e reprisar essa parte, de gente correta gostar de política, pois falando assim, de chofre, parece que estou rotulando todos os políticos por baixo. Parece mesmo, mas não estou. Estou dizendo que política é uma arte (ou ciência) tão delicada e fina, que é como se você estivesse olhando uma folha de papel inteiramente de frente, isto é, pela sua espessura, uma linha fina, mas que de um lado, pode estar vazia, em branco, e do outro, impregnada de pornografia ou cenas e palavras grotescas, a mesma folha, mas não a mesma página.

É no virar da página que se conhece o conteúdo, e como estamos sempre do lado oposto ao interlocutor, o candidato vê-se íntegro, porque olha para o seu lado da página. Já o outro, o eleitor, vê a página pelo lado obscuro, e rotula o candidato por aquilo que vê.


Nesse caso, cumpre ao candidato que examine a si, antes de expor-se ao outro, para que limpe a página que mostra quem ele possa ser. 

Assim, tem gente que, não sei como, consegue ver o lado sinistro, e ainda assim, mostrar a página em branco, sem perceber que quem lê um livro, mais cedo ou mais tarde, irá folhear todas as páginas.

Então, tem gente que, não sei como, conhece a podridão de muitos candidatos, e ainda assim votam nos gosmentos. Bem feito, depois.



Falar corretamente, ou agir de modo correto - O que voce escolhe?

 


Quem acompanha meu trabalho desde certo tempo, sabe que eu gosto de brincar com as palavras, fazer trocadilhos, e errar propositadamente em textos bem humorados.

Sabem ainda, os meus leitores, que em algumas oportunidades, os meus textos são um pouco mais complexos, e faz-se necessário uma segunda ou até terceira leitura, para que o sentido amplo possa ser compreendido.

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Já houve até quem reclamasse que meus textos, são muito extensos. 

É possível que sim, mas certamente não são os mesmos leitores que  fazem das letras, o seu conforto, ao sabor da quietude, o seu tempero dos dias. 

Eu devo respeitar suas preferências, e indicar à estas pessoas, aquelas tirinhas de "cartoon", do rodapé de jornais (se é que alguém ainda leia jornal), embora estas, às vezes, por serem inteligentes demais, nem sempre são completamente compreensíveis. 

Bem, em última hipótese, no "Pinterest", há bilhões de imagens sem texto algum. 

Pinterest, eu penso que seja talvez, o maior álbum de figurinhas que existe. Vale a pena. E nem precisa ler as legendas. Basta deslizar o mouse e clicar em cima, que uma puxa outra até que o sono se torne insuportável.

Mas também sabem que quando quero eu brincar ou ironizar com alguma situação, eu escorrego ladeira abaixo propositadamente do vernáculo, e levo o escracho ao texto,  para que note-se distintamente que estou brincando, e raramente alguém vê o contrário.

Como tenho leitores e amigos virtuais de todas as classes, eruditos, ou simplórios (no bom sentido), eu tomo o cuidado de evitar direcionar algum texto de forma chula, invasiva, ou debochando dos erros alheios, pois quem é que não comete deslizes na gramática de vez em quando? 

Esse texto aqui, mesmo, talvez seja objeto de crítica textual ou gramatical de alguém versado nas letras, e venha mostrar-se à tal pessoa, eivado de erros. 

Paciência. É assim mesmo a vida. Erramos e acertamos, mas sobretudo, buscamos estabelecer duas coisas, quando escrevemos, pois nem sempre o que escrevemos tem endereço no envelope, e muitas vezes, o endereço é pessoal, à nós mesmos. 

Escrevemos como desabafo, como observação do cotidiano, ou simplesmente pelo prazer de escrever.

Eu tenho, ao longo do meu crescimento intelectual e pessoal, tomado o cuidado em mais que escrever de modo correto, viver e agir, de forma ilibada, não para vender uma imagem de santo, mas para deslizar pela vida de maneira mais prazerosa.

Viver além das palavras é uma forma de escrever no espírito com letras que só o íntimo possa ler, e o íntimo é, em última instância, o gestor do caminhar e do viver.

Assim, escrevo o que penso e penso no que vivo. Aos sábios, faço-me ouvidos, e aos tolos, cubro os olhos para que não vejam, e os ouvidos para que não ouçam, assim como amarro os pés, e ato as mãos, para que não caminhem nem abracem tais criaturas, porque aprendi, pela vida, a errar sozinho. 

Para cometer deslizes, não preciso que me empurrem. Basta escolher não caminhar, quando sei que não nasci com raízes, mas com pernas.

Basta escolher ouvir o que é bom e proveitoso, quando meus ouvidos são seletivos e podem servir-se das mãos para que os encubram e os protejam de ignomínias.

Para ser mau, basta não ser bom. Para ser bom, sim aí está o grande desafio que é viver sob constantes escolhas.

Falar corretamente é falar com naturalidade, e não fingir conhecimento com palavras ao vento. 

Agir de modo correto é agir pelo que somos diante dos outros, como se estivéssemos sós.

É um jeito de ser, viver e pensar. Cada um viva o seu próprio, que o mundo já fica um pouco melhor.

Que falem nossas palavras o que diz o nosso comportamento. Ser correto é mais que escrever certo.

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quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Antes que venham os maus dias - O entardecer de todos nós

 



Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento;
Eclesiastes 12:1


Velho é matéria-prima para anedotas...sobre velhos! 

Há muitas, e em todas elas os velhos são satirizados, e também satirizam a si mesmos, em assuntos como: disfunções ligadas à senilidade (caduquice), impotência sexual atrelada à incontinência urinária, o uso de acessórios vestuários, e claro, o "politicamente imbecil modo de falar incorreto", onde diz que não se diz mais "velho", mas "Idoso"; "melhor idade", mas velho nunca. 

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Inventaram regras fracionadas, pois a palavra "velho", antes indicava algo ou alguém, com idade além daquilo que era estabelecido como "novo", ou seja, um antônimo, apenas.

Então, por que já não se pode mais chamar de velho, se há um antônimo que o equipare? 

Nesse caso não seria também proibido chamar algo ou alguém de novo? Deveria ser, pois é ofensivo chamar de novo o que pode ser chamado de "diferenciado". 

É proibido chamar de estúpido àquilo que que deve ser chamado de "inepto". 

É casuístico chamar qualquer coisa pelo modo que vinha sendo chamado desde que tal verbete tenha sido adicionado ao uso da palavra que se quer para designar um qualificativo, ainda que pejorativo da pessoa. 

Isso é ser velho.

Interessante que essa conduta, é nova. Isso mesmo. Nova! 

Não começou essa imposição de um novo vernáculo senão nas duas últimas décadas, ou pouco mais.

Até bem pouco tempo atrás, isso nos idos de minha juventude, os anciãos eram respeitados, e a história dos costumes relata a importância que tinham dentro da comunidade, eles, os velhos, que também eram conhecidos por serem sábios. 

Nós ansiamos demais, e essa demasia nos distanciou daquilo que é puro, daquilo que é  necessário.

Ansiamos pela vida, que corre mais depressa que nós e nossos passos, até que chega o tempo em que a vida começa a frear, e é o tempo quem acelera à nossa frente, ansioso, impaciente, com pressa de chegar a algum lugar.

O tempo não é bom para com os velhos. 

Apressa-os constantemente, e por ser tempo, e não gente, não raciocina direito, que o tempo só existe por causa do Homem. 

Assim, quando o Homem se extinguir, não haverá montaria para as horas, e as horas serão sepultadas junto com aqueles a quem apressaram.

Antes que venham os maus dias, façamos então, um concerto com nossos olhos, para que vejam o maior número de coisas, que um dia não verão mais: as flores, o céu, a noite, o mar, os rios, as estrelas, e as pessoas que caminham a largos passos à nossa volta, e também aqueles cujos largos, nossos passos caminham à volta delas.

Façamos um acordo, antes que venham os dias maus, com nossos ouvidos, para que ouçamos as vozes e as melodias, os cânticos, e as sinfonias, e o riacho que murmura ao longo de nosso caminhar.

Antes que venham os dias maus, aconselhemos nossas mãos, a que encaminhem os braços, aos calorosos abraços de outros braços, e neste entrelaço, promovamos encontros de corações, um juntinho do outro, e o outro do um, aquecidos pelo pulsar dos encontros.

Antes que venham os dias maus, façamos com que nossas pernas levem os pés à intensas e distantes caminhadas, em busca de horizontes, onde jorram as fontes da eternidade que nos espera.

Antes que venham os dias maus, sejamos simplesmente, bons, e nada mais. Apenas bons. Apenas felizes.

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Enquanto entoarem canções





















O cântico sempre foi um modo de comunicação da alma, um protocolo espiritual de abrir os corações. As Sagradas Escrituras, especialmente nos seus primeiros livros, a Torá, ou como é conhecido pelos gregos: "Pentateuco", atribuídos a Moisés, não foram escritos para serem lidos mentalmente, como fazemos hoje, no silêncio e na quietude, mas para que fossem cantados em alta voz, pois são um composto de ensinamentos, e não se ensina nada enquanto calados, mas falando em alta voz, e com certa harmonia melódica. Assim eram ensinados ao povo, e passados de geração em geração (ledor vador, em hebraico).

Nos tempos medievais, o relato de fatos distantes, ou mesmo locais, eram cantados e contados, de forma burlesca, ou dramática, pelos menestréis, que tocavam seus instrumentos de corda e sopro, e assim, amealhavam uns tostões, além de disseminarem as notícias, fossem verdadeiras, ou fantasiosas (hoje seriam fake news), pelos vilarejos, e pelas cidades maiores, pelos seus burgos e praças, de taberna em taberna, de prostíbulo em prostíbulo, ou até mesmo dentro das igrejas e catedrais, ali, naturalmente, de forma mais formal e respeitosa.

As canções eram divididas de dois modos apenas, nesse período: Canônicas (sacras), ou profanas. Ou eram aprovadas para serem entoadas pelos coros monofônicos gregorianos, ou como canções românticas, melodiosas, ou alegres, regadas à vinho e comilanças pelas noites frias da velha Europa.

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Deste modo, as histórias passavam de ouvido em ouvido, até que em determinado tempo, alguma boa alma as escrevesse e as eternizasse em livros, para deleite das futuras gerações.

As canções sempre fizeram e ainda fazem parte do cotidiano da cultura popular ou aristocrática. Cada lugar, cada povo, cada grupo social tem as suas melodias, os seus versos, um modo cancioneiro de expressar seus sentimentos e contar suas histórias, ou de proliferar suas opiniões, seja de modo sentimental ou irônico, através do humor.

As canções louvam políticos e heróis, assim como criticam e até espezinham personagens de agrado ou desagrado popular.

As canções tem o poder de fixar mais rapidamente as ideias e expressar de modo artístico, aquilo que discursos ou palavras não o fazem. São as crianças quem cantarolam os versos que calam vozes, ou levantam revoluções. São as canções que conduzem povos à marcha e congregam multidões no chamamento às lutas. Não há movimento sem canções, nem há canções que não motivem prosélitos, se falarem aos corações.

São as canções que fazem pulsar as massas e até calar baionetas. São os cânticos quem quebram a dureza de corações fechados. Enternecem mães e adormecem filhos.

Faltam canções, onde a palavra seja mais importante que a batida e a estridência dos instrumentos. Faltam poemas cantados e cantigas poéticas. Faltam menestréis e sobram coronéis. Faltam dedos e sobram anéis. Faltam vozes e sobram algozes. Faltam sentimentos e  crescem tormentos. Falta a sublimidade de vozes ao vento, de brisas, alentos, em lugar de tormentos e tormentas. Faltam poemas e faltam quem os leia. Faltam palavras e sobram jargões.

Enquanto entoarem canções, se calarão os canhões. Enquanto crianças cantarem, adultos haverá para ouvi-las. Enquanto adultos ouvirem das crianças, canções, a esperança fará coro pelas ruas e praças, e em todos os lugares. 

O Livro Sagrado fala de um cântico de libertação, sobre o mar de vidro, o Cântico de Moisés.

Enquanto se cantarem canções, haverá eternidade para ouvi-las, e anjos para formarem o coro.

Enquanto cantarem canções, haverá paz.





terça-feira, 22 de setembro de 2020

A festa do Belarmino - Um causo de arrepiá os mondongo

 


Belarmino abraçava os noventa anos já. Tava no lucro da vida, embora aos cinquenta, achava que chegaria aos cento e vinte, mas chegando aos cento e cinco, estaria de bom tamanho.

Belarmino era muito querido por seus parentes, quase todos, mas vou relatar apenas dos que lhe queriam bem, que eram muitos. Enchia uma mesa. De quatro pessoas.

Mas como em toda família, quando se tratava de comer, aparecia parente de todo lado, mais os agregados, que traziam seus próprios parentes, e, bem, aí era uma festa de galpão, com aquelas mesas de tábuas compridas, apoiadas sobre cavaletes.  Mais os cantinhos espalhados, onde a piazada se abancava, então, sim, o somatório ia longe. Então, Belarmino era muito bajulado em suas festas de Aniversário. 
Belarmino era de origem lusitana, açoriana, dos Moreira Rodrigues, por parte de mãe, e Gumercindo Souza por parte de pai. Casou-se por arranjo com uma tedesca, mas criada na Itália, e embora de origem germânica, tinha todos os apetrechos carcamanos, e assim foi criada a sua prole, numerosa e muito, muito tagarela, da espécie que fala com os ombros, com as mãos, com as orelhas, com o corpo inteiro, e muitas vezes, ainda conseguem um corpo emprestado para falarem ainda mais. Todos ao mesmo tempo. Em plenos pulmões.

Belarmino requeria cuidados, como uma cuidadora, equipamentos de oxigênio, cápsulas de ozônio para evacuação, e aqueles apetrechos que botam nos véios, que eu nem sei dizer o nome.

A festa estava muito animada, muito boa, com todos falando ao mesmo tempo, os tedescos, com trejeitos carcamanos. (É aqui que eu pergunto: por que eu contei que eram tedescos, com trejeitos de carcamanos? Não poderia simplesmente dito que eram carcamanos e pronto? Poderia, mas desse modo, eu ganhei quase um parágrafo inteiro e ficou interessante o causo).

Macarrão, talharim, espaguete, brusqueta à bolonhesa, polenta, radicci, e muita sobremesa, vinho, laranjada pras gurizada, e muita, muita parola (prosa), num movimento contínuo de mãos e dedos, braços e corpos (alguns emprestados pra caber tanto assunto),e muita cantoria.

Nomeio da tarantela, Belarmino levanta a mão, com muito esforço, estica o dedo fino e repuxado, arregalando os olhinhos vivos, para o alto, e esboça um gemido rouco...

- uhh..uuhhhmmm..uuhhh!

A barulheira cessa imediatamente, refletem, e um grita:

- Oxigênio pro Nono Belarmino!
- Espaguete pro nono Belarmino!
- Vinho pro nono Belarmino!
- o NONINHO TÁ FEDENDO!

- Uhh..uhh..uuhmmm! - Repetia Belarmino

E enfiavam:
- Oxigênio pro Nono Belarmino!
- Espaguete pro nono Belarmino!
- Vinho pro nono Belarmino!

Belarmino fazia um ar de alivio, e a balburdia recomeçava.
Tarantela, Mérica, Mérica, Quando se pianta la bela polenta...tchatchapum, tchatchapum..e outras canções movimentavam a festa. E Belarmino num canto, de olhinhos arregalados, olhando tudo.

Novamente, Belarmino ergue a mão e:
- Uhh..uhhhm..uhhh

- Oxigênio pro Nono Belarmino!
- Espaguete pro nono Belarmino!
- Vinho pro nono Belarmino!

E Belarmino relaxava. A situação se repetiu por mais tres, talvez quatro vezes, até que, no silencio incomum, um vizinho grita:
- Belarmino quer falar! Façam silêncio!
Meia hora depois, conseguiram fazer silêncio. Um feito.
- Parla, nono Belarmino!
Belarmino ergue a mão, inclina-se para o lado e diz:
- Eu xó queria...
- Parla noninho!!! - Gritaram todos!
- Eu xó queria....

- Parla noninho! Parla noninho!

- Eu xó queria....xoltá um peidinho!





Dona Izartina, suas couves, e o "Grande Reset Mundial"

Imagem: IA Era uma quinta-feira, disso Dona Izartina se alembrava com clareza, pois antecedia a colheita de Marcela, marcada para o amanhece...