Foto: Arquivo pessoal (Samuel Isaac Cardoso (tio), Ester Cardoso (mãe) e Maria Elisa Dias Cardoso (Avó)´e eu.
Éramos uns poucos, em uma vila de pobres, aquietando-se ao lado da área central da cidade, onde pulsava a vida cidadã deste lugar.
Nossa pequenina escola de vila também, uma, assim chamada, "Brizoleta", acomodava cerca de uns 40 alunos, divididos por classes em dois turnos, onde somavam-se uns e outros, à classe escolar de uma única professora primária, ela própria também, com pouco mais que isso, em seu currículo escolar.
Uns e outros, sentávamos lado a lado em classes, hoje denominadas "carteiras", onde cada classe acomodava dois, ou mais alunos, dependendo do tamanho da classe.
Eram móveis compridos, com bancada e assento acoplados, e nesta classe, assentavam-se crianças de séries independentes, dentro da mesma aula, ouvindo a mesma professora, e assim, desenvolvíamos uma audição seletiva, enquanto ela instruía os alunos da classe mais ou menos avençada do que a nossa.
Foi neste formato que estudei até a quarta série do primário, pois a quinta série escapou de minha biografia, como óleo escoa dentre os dedos de quem o sustém, porque fiz o "Exame de Admissão ao Ginásio", e como um deboche do destine, eu consegui passar. Deboche mesmo, porque desconstruiu toda a minha formação escolar depois disso, e por fim, ao início do segundo ano do Científico, hoje EnsinO Médio, eu abandonei a escola. Tornei-me então um semi-analfabeto profissional.
Voltemos aos tempos, para que o causo prossiga.
Eram realizados os desfiles cívico-militares, quase do jeito que acontece hoje em todos os lugares. Milhares de crianças, com idade dos seis aos dezoito anos, vestindo uniformes engomados, finos, desenhados para os dias quentes do ano, eram perfilados para deleite das autoridades civis, militares e eclesiÁsticas (assim começavam os discursos), que se espremiam em uma tribuna improviSada, de onde eram um pouco mais elevados do que a plebe que marchava em passos mancos, e dali podiam rir dos infelizes impúberes, que tremelicavam de frio, para que o branco amarelado das camisas dos uniformes pudessem contrastas com as semi-desnudas acrobatas, fantasiadas de bailarinas, que com pequenos bastões enfeitados de fitas verde e amarela, saltitavam acrobaticamente na condução do cortejo.
As bandas, uma por vez, de forma descompassadamente desafinada, marcava o descompasso dos marchadores, que eram apresentados ao palanque oficial, como troféus de tributos, iguaizinhos aos que se faziam em Roma, no aparato de prisioneiros oferecidos à César e para o refestelo dos soldados ensandecidos pelo cheiro de vitória, sangue e vinho, recompensas de guerras.
Mas nem tudo era frio e tremor de queixos, pois, lembro como se ontem fosse o ocorrido, de um Sete de Setembro especial, onde todas as crianças, de todo o município, foram recompensadas, com deliciosos e abundantes lanches para almoço, e o melhor ainda viria à tarde, com a exibição absolutamente gratuita de um filme dentro do Cine Embaixador (ainda não me conformo com o nome de "Palácio dos Festivais" que deram ao lugar).
Nos espremíamos no chão, para que todos ficasse, acomodados, e o filme começou. Lembro sim, lembro bem do filme: "Cindy, a Trapezista", ou algo no gênero, um filme do Zé Colmeia e sua esposa, digo, namorada, a ursinha Cindy, que foi capturada por um circo, e obrigada a pedalar um monociclo em uma corda bamba muitos metros acima do chão.
Lembro dos curta-metragens de abertura, mostrando a exuberância das flores de Gramado, belíssimas papoulas alaranjadas, que atapetavam os canteiros da rua principal, alcatifando nossas lembranças por perfumes e a suave música de orquestra e saxofone que preenchia todos os lugares escondidos de nossas memórias.
Era Sete de Setembro, e celebrávamos a festa da pátria. Não nos envergonhávamos de chamar nossa terra de pátria. Nem de sonhar-se dentro dos cenários imaginados pelos ilustradores do filme, que traziam até nossas memórias mais doces, a suave melodia de uma primavera, lá e cá, que precisamos trazer de volta urgentemente.
Navegar é preciso, dizia Camões.]
Sonhar é mais que preciso, dizia a vida que nos chamava para seus perfumes.
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