Belarmino abraçava os noventa anos já. Tava no lucro da vida, embora aos cinquenta, achava que chegaria aos cento e vinte, mas chegando aos cento e cinco, estaria de bom tamanho.
Belarmino era muito querido por seus parentes, quase todos, mas vou relatar apenas dos que lhe queriam bem, que eram muitos. Enchia uma mesa. De quatro pessoas.
Mas como em toda família, quando se tratava de comer, aparecia parente de todo lado, mais os agregados, que traziam seus próprios parentes, e, bem, aí era uma festa de galpão, com aquelas mesas de tábuas compridas, apoiadas sobre cavaletes. Mais os cantinhos espalhados, onde a piazada se abancava, então, sim, o somatório ia longe. Então, Belarmino era muito bajulado em suas festas de Aniversário.
Belarmino era de origem lusitana, açoriana, dos Moreira Rodrigues, por parte de mãe, e Gumercindo Souza por parte de pai. Casou-se por arranjo com uma tedesca, mas criada na Itália, e embora de origem germânica, tinha todos os apetrechos carcamanos, e assim foi criada a sua prole, numerosa e muito, muito tagarela, da espécie que fala com os ombros, com as mãos, com as orelhas, com o corpo inteiro, e muitas vezes, ainda conseguem um corpo emprestado para falarem ainda mais. Todos ao mesmo tempo. Em plenos pulmões.
Belarmino requeria cuidados, como uma cuidadora, equipamentos de oxigênio, cápsulas de ozônio para evacuação, e aqueles apetrechos que botam nos véios, que eu nem sei dizer o nome.
A festa estava muito animada, muito boa, com todos falando ao mesmo tempo, os tedescos, com trejeitos carcamanos. (É aqui que eu pergunto: por que eu contei que eram tedescos, com trejeitos de carcamanos? Não poderia simplesmente dito que eram carcamanos e pronto? Poderia, mas desse modo, eu ganhei quase um parágrafo inteiro e ficou interessante o causo).
Macarrão, talharim, espaguete, brusqueta à bolonhesa, polenta, radicci, e muita sobremesa, vinho, laranjada pras gurizada, e muita, muita parola (prosa), num movimento contínuo de mãos e dedos, braços e corpos (alguns emprestados pra caber tanto assunto),e muita cantoria.
Nomeio da tarantela, Belarmino levanta a mão, com muito esforço, estica o dedo fino e repuxado, arregalando os olhinhos vivos, para o alto, e esboça um gemido rouco...
- uhh..uuhhhmmm..uuhhh!
A barulheira cessa imediatamente, refletem, e um grita:
- Oxigênio pro Nono Belarmino!
- Espaguete pro nono Belarmino!
- Vinho pro nono Belarmino!
- o NONINHO TÁ FEDENDO!
- Uhh..uhh..uuhmmm! - Repetia Belarmino
E enfiavam:
- Oxigênio pro Nono Belarmino!
- Espaguete pro nono Belarmino!
- Vinho pro nono Belarmino!
Belarmino fazia um ar de alivio, e a balburdia recomeçava.
Tarantela, Mérica, Mérica, Quando se pianta la bela polenta...tchatchapum, tchatchapum..e outras canções movimentavam a festa. E Belarmino num canto, de olhinhos arregalados, olhando tudo.
Novamente, Belarmino ergue a mão e:
- Uhh..uhhhm..uhhh
- Oxigênio pro Nono Belarmino!
- Espaguete pro nono Belarmino!
- Vinho pro nono Belarmino!
E Belarmino relaxava. A situação se repetiu por mais tres, talvez quatro vezes, até que, no silencio incomum, um vizinho grita:
- Belarmino quer falar! Façam silêncio!
Meia hora depois, conseguiram fazer silêncio. Um feito.
- Parla, nono Belarmino!
Belarmino ergue a mão, inclina-se para o lado e diz:
- Eu xó queria...
- Parla noninho!!! - Gritaram todos!
- Eu xó queria....
- Parla noninho! Parla noninho!
- Eu xó queria....xoltá um peidinho!
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