Foto: https://turismogramado.com.br/tour-cultural-gastronomico/tour-linha-bella-com-almoco-em-gramado
Por que as pessoas querem viver em Gramado?
A resposta seria óbvia e objetiva:Porque é uma cidade linda, famosa, limpa e oferece status aos afortunados que conseguem comprar um imóvel na aprazível cidade serrana, que é chamada de "Cartão de Visitas do Rio Grande do Sul" por seus governadores. Isso apenas definiria o desejo de caminhar todos os dias pelas ruas geladas e calçadas encharcadas quase permanentemente, apenas pelo prazer de ver vitrines, sentir a brisa fresca, ou o cheiro de chocolate evaporando das lojas pelo centro.
Mas viver em Gramado é bem mais que isso, sobretudo se você atingiu o status de ser chamado de "gramadense". Isso não significa que você precise ter nascido em Gramado. Tampouco existe uma tabela que defina o tempo que você viva nesta cidade para ser qualificado como gramadense, até porque eu não nasci em Gramado, não moro em Gramado, e duvido que se encontre alguém mais gramadense do que eu. Ou você que me lê, porque o título te chamou atenção, certo? E por que? Porque você quer saber o que pensa sobre Gramado alguém que escreve sobre Gramado, e que ama Gramado, ao ponto de escrever todos os dias sobre esta terra, onde meus pais e avós regaram com o suor de muitas estações, os jardins que perfumaram nossa historia.
Viver em Gramado, mesmo fora dela, é lembrar de cada rua, mas não pelas ruas e sim pelas casas destas ruas. Também não pelas casas, mas acima de tudo, pelas pessoas que viviam e vivem nestas casas, que fumegavam cheiro de café passado todas as manhãs, a caminho da escola e do trabalho.
Viver em Gramado é saber o nome e o apelido dos pobres e dos abastados, e conhecer minúcias das historias e fábulas contadas ao largo dos anos, por aqueles que transmitem a graça dos anos e das lembranças, aos que haverão de construir suas próprias lembranças.
Viver em Gramado é conhecer a política e defender com garra seus personagens, escolhendo um lado e abraçando seus protagonistas, especialmente em tempos de campanha. Mas viver em Gramado é entender que todos os políticos são parentes uns dos outros, ou colegas de aula ou juventude, que um dia dividiram banco de escola (ah, como sou velho, pois as escolas nem tem mais bancos e sim carteiras individuais. Que triste isso), e que as circunstâncias e oportunidades os levaram a pleitear este ou aquele cargo aqui e ali, mas que ao fim, serão os mesmos que irão chorar nos velórios, ou festejar a vitoria dos times de futebol, zoando da cara uns dos outros, no mesmo tempo em que enchem os copos de chopp da comemoração, zoadores e zoados, beberão do mesmo barril para comemorarem.
Viver em Gramado é ter na Festa da Colônia oportunidade de carregarem no sotaque alemão ou italiano, e berrarem feito loucos no jogo de "Móra", ou "Bótia", cantarolando velhas canções da antiga pátria, seja ela Alemã ou Italiana.
Viver em Gramado simboliza status só para quem escolheu por esta razão morar nela, o que não tem nenhum significado para quem vive a cidade como sua cozinha, onde reúne a família, ou quarto, onde reclina a cabeça todas as noites, porque status é algo efêmero, mas um lar tem a intensidade de muitas gerações guardadas.
Viver em Gramado,mesmo longe dela, simboliza enraivecer pelas contrariedades, ou enternecer-se pelas coisas sublimes que se toma conhecimento a cada dia, mesmo à distância, que nada significa, porque saudade é uma porta para a sala ao lado, onde ficam as melhores lembranças de nossa vida.
Viver em Gramado significa contar os dias para que chegue o fim de semana, quando são recebidos os primos, tios, avós ou amigos, e confraternizar com aquela polenta, macarronada, ou churrasco, seguido de um jogo de pife e uma sesteada no sofá da sala, enquanto a família dá gargalhadas à volta da mesa na cozinha, à volta de uma bacia de bolinhos de chuva com café perfumado e lorotas que se perdem no tempo e nas lembranças.
Viver em Gramado é fechar os olhos e lembrar que todo o status que é dado a quem chega, não paga um abraço de um amigo, nem as cantigas de roda de uma infância feliz vivida pelas ruas plenas de vida, que nossa infância nos deu.
Viver em Gramado é lembrar das aulas de ciências do Robertão, ou de história, do Dr Celso, no Ginásio Estadual. É lembrar das broncas do velho Quintino, no Cine Embaixador, enquanto chupava balas de menta, ao longo do filme que assistia. É ouvir as gargalhadas no Café Cacique, e sentir o gosto do sorvete do Café Brasil. Mas também é ouvir as canções de Natal pelos corinhos desafinados, das igrejas, sem a pompa dos grandes espetáculos. Apenas ouvir e sentir, e depois caminhar de mãos dadas com a família pelas calçadas, na ânsia por chegar em casa e abrir os presentes debaixo da árvore da família.
Viver em Gramado é estasiar-se no Sete de Setembro com a marcha desengonçada da escola, e depois ganhar uma sessão de matinée no Cinema. É parar a respiração olhando para os céus e pasmar-se com a Esquadrilha da Fumaça desenhando Hortênsias, em homenagem à festa que não existe mais. Nem tem porque existir,porque estas lembranças são lembranças de coisas que remetem à pessoas. Mas estas pessoas não tem mais sábados e domingos para se encontrarem para as polentas e churrascos, porque o tempo foi requerido pelos negócios,e ganhar é preciso, sempre.
Estas pessoas não tem mais que olhar para os céus em busca de aviões audazes desenhando hortênsias, porque em lugar delas, foram plantados prédios que fantasiam o sonho de ser um pouco de Europa. Não mais a Europa das lembranças na canções, mas aquela parte, cujos costumes jamais passaram perto dos que cantavam cantigas de outros tempos e outras lembranças.
Viver em Gramado é um bom negocio. E não havemos de nos preocupar com as lembranças do que ficou, porque lembranças se constroem, se registram por smartfones, se pulverizam pelas redes sociais, não precisam mais serem contadas pelos avós assentados à ponta das mesas grandes das cozinhas que não existem mais, senão apenas na memória dos sonhadores, que apenas vivem na Gramado das saudades. E os avós, não havemos de preocupar-nos com eles, pois suas historias já estão espalhadas nas redes também. Então, as mesas grandes,as cozinhas cheias de primos, as canções, não são mais necessárias. E os fins de semana são uma perda considerável de tempo com estas futilidades de cantarolar lorotas com a família. Polenta e massas, tem de sobra nos restaurantes. E avós nada mais são do que velhos.Para isso, existem as festas, onde servem ao pitoresco, agradando turistas, com as velhas canções. Ou então, os asilos, hoje chamados de "Casas de Repouso".
Lá, os filhos e netos mais abastados, que investiram seus fins de semana nos negócios, podem pagar por recreacionistas, enfermeiros, nutricionistas, que servirão polentas balanceadas, cafés descafeinados, e gelatina em forma de frutinhas, e ensinarão os seus velhos a cantarem cantigas de roda, e baterem palminhas ritmadas, que já servem como terapia e alento, enquanto o entardecer não chega.
Então, eu presumo que as pessoas queiram viver em Gramado porque acreditam que irão encontrar portas abertas nas casas, onde famílias cantam velhas canções, contam velhas lorotas, comem de antigas receitas com tempero de saudade, e lembrarem de suas próprias historias, que se perderam atrás do progresso que as empurrou para a saudade das lembranças alheias.
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