Você já percebeu que toda pessoa que se acha bonitinha (dizem que bonitinho é um feio mais ajeitado)anda com outra feia ao lado para se afirmar na beleza que só ela acha que tem, mas não tem tanta certeza assim? Pois é bem assim que acontece. Até acontece, mas é mais raro que duas lindas andem juntas, ou dois bonitões caminhem do mesmo lado da calçada. Não andam, porque, de um lado, o feio precisa se afirmar diante dos mais feios que ele, mesmo feio, é capaz de conquistar amizades dos belos. É mais ou menos como um bandidinho que deseja se mostrar pra bandidagem, e comete umas barbaridades por aí (sim, porque feio andar espontaneamente ao lado dum bonito é como beber vinagre com um sorvete ao lado: puro masoquismo).
Pois é assim que acontece também no mundo da estética. Reza a lenda que Sócrates, o filósofo grego, teria sido muito, mas muito feio. E naquele tempo havia uma pseudo-ciência chamada "Fisionomismo", que pretendia analisar o caráter das pessoas pela estética. Então, segundo os fisionomistas, bandido teria cara de bandido; ladrão cara de ladrão; e pessoas de bem, também seriam contempladas pelos deuses com aparência de tal.
Pois certo dia, numa daquelas prováveis orgias festivas, achega-se a Sócrates um fisionomista, que antes mesmo de dar boa noite, já lasca sua opinião sobre o quasímodo:
- "Percebo, por sua vil e abjeta aparência que o atesta, que vós resumirdes todas as paixões do mundo (todos os defeitos)!"
Sócrates responde com humildade e um sorriso:
- "Vejo que me me conheces, meu senhor. De fato tenho em mim todas as paixões do mundo, mas as domino uma a uma por minha determinação!"
Por mais esdrúxula que pareça ser esta pseudo-ciência, até o fim do século dezenove, o Direito Penal, em muitos países, ainda presumia como fiel esta assertiva, e muitos pobres infelizes, além de feios, passavam a ser também condenados, em dobro.
O Direito envergonhou-se e retirou de seus livros este absurdo, mas os costumes prevaleceram sobre as letras, e beleza, a mesma trazida pelos compatriotas de Sócrates, continua determinando tudo na sociedade contemporânea. Feios precisam desdobrar-se em talento para que sejam reconhecidos. Os que tenham nariz torto, queixo comprido, olhos esbugalhados ou qualquer outra diferença estética e anatômica dos padrões helenísticos, arcam com o peso da exclusão. Chego a imaginar que se o império petista tivesse prosperado, teríamos em pouco tempo ainda cotas para feios nos serviços e oportunidades públicas. Alguém proporia, e o governo poderia sancionar o "Dia Nacional da Consciência da Feiura", e nós, os feios, provavelmente fundaríamos uma religião, um partido político, e um time de futebol.
Por mais que pareça uma brincadeira, a feiura continua fazendo parte de nosso inconsciente do medo. A bruxa das fábulas é feia, mas o príncipe e a princesa são lindos. A princesa é transformada numa sapa, que é, segundo estes critérios dos gregos, um bicho feio, e não num belo pavão, que é lindo.
Tanto é verdadeiro isso, que diz a anedota que cônjuge feio é igual pantufa: bom para ser usado em casa, mas dá uma vergonha de sair à rua em sua companhia.
Eu e você achamos que ser feio é um defeito e não uma circunstância estética, senão nossas selfies não seriam escolhidas pelo melhor ângulo. Nossa casa não precisaria cores na pintura, e teríamos hortas em lugares de jardins em praças públicas.
A beleza é tão forte no inconsciente dos seres vivos como também é presente em tudo no Universo criado. Mas não pense que estou sendo contraditório. Não estou. Onde quero chegar é que beleza é apenas um conceito humano, mas que nas coisas criadas não existe tal postura. O que existem são formas adequadas à funções, e que o reconhecimento e conhecimento desta harmonia é quem qualifica como belo aquilo que nos causa admiração.
Aqui a chave da felicidade na coexistência com as diferenças: admiração e afeto são o melhor cosmético que existe. Ao que ama o feio, belo lhe parece. Não parece. É! Beleza não está nos olhos, mas no coração. Os olhos são enganosos, pois quem não vê, ainda pode sentir, e o coração passa a coordenar a informação que o cérebro processa. E quando é o coração quem passa a coordenar as informações, podemos ser mais felizes.
Então, faça as pazes com o espelho e com os vidros da janela, e feche os olhos para ver quem realmente é lindo. E é lindo o que não vê defeitos de ordem estética em si mesmo ou nos ouros.
Seja você lindo ou feio, seja mesmo assim, feliz. Eu sou.
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