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domingo, 1 de janeiro de 2017

Nutícia de Campanha - Mais um causo da Carsulina



Era primeiro dia do ano. No Cêrro do Bassorão, a fumacinha já tremulava com timidez em alguns ranchos, aqui e ali, acordando ao som do garnizé, que quase nem dormiu, pelo barulho das bombinhas e rojões que a piazada soltou lá pelas cercanias do Bolicho do Pistola.

Encostado num barranco, meio enviesado, um borracho ronca feito um tatete sendo castrado, por ter bebido e comido demais, embora ele nunca vá lembrar se comeu mais que bebeu, ou bebeu mais que comeu, ou os dois ao mesmo tempo.

Ainda se esfregando atrás dum galpão, Beiço e Gertude se engalfinham em abraços sebosos e beijos estalados, daqueles em que o fiozinho de baba se estica entre uma beiçada e outra. Um diálogo de paixões é ouvido entre grunhidos e dengos, declarando amor incondicional e eterno, mesmo que tenha começado naquela mesma noite, poucas horas antes, e muito provavelmente depois que a ressaca acabar, não irão lembrar nem do nome, um do outro.

- Buenas! Posso sentá?
- Às moda! Se achegue!

- Solita?
- Que pergunta indescreta pruma donzela pura!
- Respondido entonces! Bamo bebê umas Brahma da Escól?
- Pois óia! 
- Permite um galanteio?
- Vancê é apressadinho!
- Nâo podemo perdê tempo com pagodêra!
- Pous faça!
- Vancê é a frô más prestimóza do jardim da minha inzestênça!
- Ai, como vancê é galanteadô! Mãns eu sô inté meio gorducha! O qué cocê viu nimim?
- Os zóio, todos dois! Verde feito o premêro guspe do mate!
- Mêmo ancim, inda sou meio redondinha!
- Nisso nóis demo jeito, dona! o nêgo véio chega cheio de amor e carca os dois dentão nas banha da patroa, que fica lôca de facêra.
- Vancê fala isso pra todas!
- Só cando bebo, dona! Paremo de fala e comecemo a bebê as Brahma da Escól, dona!

E assim o romance começa. Longe do bafo de canha que permeia o ambiente, um cusco passa por ali e mija nas botas do apaixonado, que nem arrepara no feito. Segue a lambança até que o sono abrace os dois, e a baba escorra pelo canto do queixo, num sono largado até o meio da tarde.

No ranchinho de Carsulina, a fumacinha subia vertical, e o velho fogãozinho de chapa já cozia uma panela de mío verde, enquanto outra aquentava a costela gorda pra comer com pirão. A velha benzedeira preparava a bóia de festejo, pois sabia que neste dia o rancho se enchia de convidados para a bóia e uns consêio.

O mate estava feito, e um naco de rapadura acompanhava os goles da erva perfumada que acolhia o choro da velha chaleira preta. O cusco mijão acabara de chegar ao rancho, e Carsulina apinchava um osso buco do ensopado de treisontonte. O guaipeca abocanhava a fartura e se aninhava num canto debaixo da casa, onde passaria o resto do dia dormindo e roendo o prêmio.

Ao longe, uma nuvenzinha de poeira indicava movimento. Carsulina serve um mate, e fica bombeando pra ver o que é. Em poucos instantes, divisa ao longe um cavaleiro à galope, em direção do rancho. Bombeia mais um tanto, estica o pescoço e faz um gesto de sombra com a mão sobre os zóio, e bota mais um pau de lenha pra mór de mió fritar a costela. Negaceia, negaceia, e o tropel já é ouvido. É o Tuiúco, irmão do Cebôla, que chega divereda e ainda no lombo do pingo anuncia:
- Madrinha! Madrinha! Lê traigo uma nutícia!
- Apeie, filho! Conte o aconticido!
- Minha patroa, madrinha! Bateu cas gamba e se foi-se, a pobre!

Carsulina franze a testa, passa a mão no queixo magro, penteia o bigode com a ponta do fura-bolo, mexe mais uma vez no pau de lenha do fogão, serve um mate, estica o braço e alcança a cuia ao Tuiúco, e diz:

- Filho! Fizemo ancim: O filho se acomode aqui e tomemo umas chaleira de mate. Dispois, bamo cumê essa custela aí, com pirão e umas espigas de mío verde....E dispois. Se atraquêmo no choro|!





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