Jiringonça era um faz-tudo, porque o próprio nome, apelido, ou título nobiliárquico assim o declarava. Mexia com geringonças e reciclados, e não raro, descobria um liquidificador descartado, cujo motorzinho ainda funcionava, e o transformava em um aparador de grama, ou ventilador de parede.
Tramela era outro gênio dos parafusos, e atendia à domicílio, consertando e instalando fechaduras. Habilidoso, era ele capaz de abrir um cadeado emperrado usando apenas um grampo de cabelo, e um tijolo grande. Com o grampo, ele furungava no buraquinho do cadeado, até ouvir um "clac", abrindo o emperrado. Já o tijolo, servia como banquinho. Nada mais.
O terceiro era o bago. bago não tinha nenhuma habilidade para inventar ou consertar nada, e nem precisava, pois o bago era o Bago e há quem, nesse mundão velho, não tenha ouvido falar do Bago? Não há. Você mesmo que lê isso, já ouviu falar do Bago. Se não agora, dentro de alguns minutos, sim. Bago não precisava de apresentações nem atributos, pois Bago era o atributo em pessoa, uma lenda viva, um ícone.
A afinidade dos três, era a ciência. Não a ciência em si, mas a pseudo-ciência, à qual chamavam de "Ciênciamento Periférico", ou uma gama de conhecimentos não avalizados pela ciência convencional, mas que preenchiam os vazios de entendimento que a própria ciência não explicava. Os paradoxos e os paradigmas da quadratura do círculo, ou dos triângulos de quatro lados, por exemplo, preenchiam grande parte do tempo de Tramela e Jiringonça, entre um martelinho com limão e uma isquinha de jiló, no boteco do Talarico, ao fim da tarde. Já o bago, meio torto, num tragoléu bagual, apenas arregalava os olhos inchados, coçava o rego, para depois cheirar, e ouvia a tudo em silêncio. Ele não duvidava de nada, não era incréu de coisa alguma, e meditava atentamente às conclusões dos companheiros, porque, na sua humildade, entendia não possuir argumentação suficiente para as vírgulas que se metesse de pato-a-ganso em debater com os rábulas. Ouvir era suficiente. Alimentava a alma e tinha-se na conta de feliz pelo conhecimento adquirido com os amigos, dos quais sentia muito orgulho.
Certa ocasião, a prosa enveredou para a ciência da mente, e Jiringonça explicou como funciona o entrelaçamento quântico dos neurônios, das sinapses, da transmutação e transubstanciação galática do microcosmos que comanda a mente humana. Gesticulava, desenhava com o dedo indicador, molhado em cachaça, no balcão do boteco, e um círculo de pessoas à sua volta nem respirava para ouvir o desfecho daquilo que era mais que uma aula: era um seminário de metapsicologia aneurísmica quântica que estavam tendo ali, ao vivo, com aquele sábio. Coisa pra contar aos netos em quinze gerações adiante, pensavam.
- O poder da mente é incalculável! - Dizia, gesticulando e girando o indicador, apontado para o alto, e acima da cabeça.
- Pelo poder da mente, podemos tudo e qualquer coisa. E vou dar um exemplo aqui e agora!
Dito isso, afastou com os dois braços, empurrando delicadamente para trás as pessoas, e fixou o olhar numa rosquinha que estava á mostra dentro do balcão, e misteriosamente: PUF! A rosquinha desapareceu, e ele lambeu os beiços. A seguir, para estupefação de todos, olhou para uma fatia de torta, e: PUFT! A torta desapareceu, mas deixou um resíduo no canto do beiço, que já lambia o restinho de glacê que ficara do lado de fora.
- Impressionante, berrou Bago, já entorpecido pela manguaça! Qualquer um pode fazer isso? - Perguntou.
- Certamente, respondeu Jiringonça! Tente você meu amigo!
Bago esfregou as mãos, e olhou atentamente para um imenso frango assado na assadeira giratória que estava na frente da porta, e: PUFT! Uma galinha a menos na máquina, e Bago, lambendo os beiços, chupando um ossinho, e batendo na pança. Continuou, olhou para uma imensa torta de chocolate sobre o balcão, e: CATAPAF! Em uma fração de segundos, a boca toda lambusada de merengue! Mas não ficou satisfeito, e foi descendo pro bucho uma Coca litrão, um bule de café, e uma salada de frutas, e seria maiss, se não tivesse passado na sua frente, Tetéu, a sobrinha do bodegueiro, moçoila casadoira, atenta à moda e bem empacotada, um pitéu, por assim dizer. Bago não teve timidez, e encarou a moça, de cima abaixou, tres vezes, e: CATAPIMBA! Caiu mortinho, esturricado, duro!
Foi aquele gritedo, aquele rebuliço no lugar, e veio correndo, o talarico, com uma toalha no ombro e perguntou o que havia acontecido. Quem respondeu foi o Tramela, que não tinha aberto a boca naquele dia:
-Também! O ôme bebe que nem um leitão, come que nem um avestruis, não deixa a bóia abaixar pra digestã (acentuou o "ã" final), e cai na esbórnia? Só podia dar nisso!
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