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quarta-feira, 29 de março de 2023

Um conto de mistério em Gramado (Ficção)

Imagens: pacard

Conto inédito por Pacard

Sempre gostei de mistérios, especialmente ligados às matas, aos sombrios caminhos das trilhas que surgiam do nada, e levavam à lugar algum, estes, geralmente, terminando em um paredão de pedra acolchoada de musgos, cortada por um fio de água que caía de uma fenda, e ali, no chão, formava uma bacia de água límpida e gelada, que escorria por alguns metros, e, tão misteriosamente quanto surgia, também desaparecia entre as samambais que cobriam a vala rala e pedregosa de uma cascatinha quase imperceptível, que apenas sabíamos estar ali, pelo choramingar da água que ia embora.

Na mata, próxima à nossa casa, havia muitos caminhos, alguns abertos por animais, antigos já, e outros, desenhados por alguém no passado, a quem, freneticamente tentávamos reconstruir a história para mergulhar naqueles tempos em que trêmulas lamparinas faziam dançar as chamas, desenhando sombras ao som do vento uivante do lado de fora. Por estes caminhos, subíamos em desciamos em busca de verdades que pudessem dar sentido à nossa infância cheia de imaginação. E assim eram os dias, as noites, as horas que voavam e tremulavam como as velas, abastecendo nossa imaginação turbulenta.

Ao longe, no meio da madrugada, ouvíamos o latido de cães, cujas vozes atravessavam a mata e chegavam secos, sem eco, mas repetidos. depois ficavam calados, e apenas o vento cantarolava suas canções para que voltássemos a dormir. E foi numa dessas noites, precedendo um temporal, que num clarão de luz, vi na direção da mata, um vulto que se movia depressa. Andava, e subitamente parava, olhando para trás, na minha direção. Eu coçava os olhos para saber se era sonho, e então ouvi uma voz que me chamava: "Menino! Vá à fonte depressa!" Mas de que fonte falava? Haviam muitas fontes naquele mato. E o que havia lá, para que eu tivesse que ir? Mas não preguei mais o olho. Novamente o vento assobiava lá fora, olhei pela fresta da parede de tábuas, e não vi mais nada. Teria sido um sonho aquilo? Talvez! Mas agora era melhor voltar a dormir. Não consegui pregar o olho, senão um longo tempo depois, e logo cedo, pulei da cama, passei a mão num naco de pão, e corri pro mato. Caminhei ao lado dos pequenos arroios que desciam, até encontrar a primeira fonte. Não era grande, era mais uma poça que acumulava, temporariamente, a água que descia. era cercada de avencas, musgo, limo sobre as pedras, e algumas Azedinhas floridas. Olhei em volta, e não vi nada que pudesse interessar, nada misterioso. Segui adiante, caminhando rápido, com olhar atento e ouvidos como radares que buscavam resquíscios de sons perdidos entre as árvores. Um misto de medo e êxtase me abraçavam, enquanto eu procurava.

Cheguei ao alto de uma pedra, da qual se podia avistar o centro da cidade. Gramado já era linda naqueles dias. A torre das duas igrejas imponentes afirmavam a religiosidade do lugar. Carros, assim de tão distante vistos, pareciam tão pequeninos, indo e vindo, davam vida à cidade florida. Mas de lá não se ouvia nada. Era muito distante. Ao meu lado, o sol acordava as cigarras que chamavam amores; borboletas tatalavam suas multicores asas pousando aqui e ali em busca de néctar, e no riacho cintilante, pequeninas rãs choravam como crianças manhosas louvando o sol que as aquecia. Absorto, eu, assentei-me ali e inebriado pela sinfonia da manhã, pus-me a voar pela imaginação, desenhando coisas nas nuvens, sem me importar que as ovelhas ou os dragões do céu na passavam de pareidolias. Apenas deixei-me encantar em silêncio.

Minha quietude foi quebrada pelo som de um galho seco estalando pouco atrás de onde eu estava. Meu coração acelerou. Parei de respirar para ouvir melhor, mas só ouvia o acelerar de meu coração, que parecia um tambor ritual em meus ouvidos. Olhei em direção ao som, e novamente outro estalar de galho seco, e as folhas se moveram, com suavidade. Fiquei completamente paralisado de pavor. Por que eu tinha que dar ouvidos às vozes de meus sonhos? Por que não disse à ninguém onde estaria, para que me encontrassem depois? O medo me esbofeteava e paralisava minhas pernas e braços. Uma brisa soprou com suavidade atrás de mim, e senti um certo alívio depois. Nada mais se moveu, e senti-me compelido, ainda que apavorado, a caminhar na direção de onde viera o som. Entrei pelo mato, abrindo espaço entre as folhas dos arbustos com as mãos, até que uma nova trilha apareceu à minha frente. Um caminho bem desenhado, ladeado por flores brancas e pedrinhas brilhantes aqui e ali. Era feito por mãos humanas, não havia dúvida, mas onde levaria? A curiosidade foi maior que o medo, e pus-me a caminhar. Encontrei um arroio mais largo, e sobre ele, um pontilhão de madeira ornamentado. Passei adiante, e o caminho terminou subitamente diante de um paredão. Não era novidade isso. Eu já os encontrara muitas vezes antes. Parei e perplexo, passei a examinar à volta. Sem mover o corpo, apenas a cabeça, com discrição, e os olhos, o quento fosse capaz, vi que apenas mata me cercava, mas à frente, um paredão de pedra. Olhando ao lado, vi que dali saía um pequeno córrego cintilante e ruidoso. Aproximei-me e vi, acima dele, uma fenda capaz de acomodar uma pessoa do meu tamanho, e eu era bem pequeno nesse tempo. Entrei, e à medida que andava, o aminho se abria, e se iluminava, como se uma lamparina tremulasse lá de dentro, indicando por onde eu deveria andar. 

Com cuidado, apoiando-me nas paredes da gruta, caminhei por certo tempo, fazendo curvas à direita e à esquerda, até que novamente outro espaço se abriu com luz mais forte, e vi a luz do sol brilhante e convidativa. Senti alivio, mas minha curiosidade fazia com que meu coração batesse acelerado cada vez mais. Uma fenda enorme surgiu, e pude sair fora desta galeria. Uma trilha bem desenhada, esta com certeza feita por alguém, serpenteava morro abaixo, e percebi que estava caminhando em direção à cidade novamente. Pelo mesmo caminho que subi. Encontrando os mesmos córregos, ouvindo as mesmas cigarras, e pude novamente avistar o centro da cidade, mas curiosamente, havia apenas uma das igrejas, e atrás dela, uma campina cercada de matas. Atrás dela, uma velha escola de madeira, com meninas uniformizadas que brincavam de roda e cantavam velhas cantigas, no pátio daquela escola. Desci então até a rua, mas não havia asfalto, apenas chão batido, poeirento, e carroças de mulas que iam e vinham pela rua.

Parei e olhei à minha volta. Não estava entendendo nada, até que ouvi uma voz eufórica atrás de mim que gritou bem alto: 

- "Menino!!! Onde estavas? Estão todos te procurando há vários meses!"


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