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terça-feira, 21 de março de 2017

O Inimigo Oculto



Aquela brincadeirinha bobinha de fim de ano, chamada "Amigo Secreto", ou "Amigo Oculto", é um convite à mediocridade adulta. Um convite à falsidade continuada, e acima de tudo, um incentivo ao deboche ou à falsidade social. Explico.

As  pessoas passam o ano se pisoteando no trabalho. As empresas até incentivam estas disputas, porque inescrupulosamente acreditam seus gestores, que a competição "saudável" favorece os números da empresa. Favorece também os números de outras empresas, como consultórios de psicologia, farmácias, laboratórios que vendem antidepressivos, e até mesmo funerárias, tamaho o rigor, a intensidade com que se embrenham em amontoar méritos corporativos, mesmo que fazendo calos nos pescoços daqueles que sentam-se ao seu lado. e então, num gesto de generosidade, o dono da corporação junta os vassalos em sua casa de campo, ostenta seus cavalos de raça, suas árvores frutíferas bem cuidadas, e sua valorosa churrasqueira, onde prepara um dos bois criados no pasto da propriedade. Enquanto isso, embasbacados, os servidores rebuscam-se em elogios preparados desde priscas eras, onde competem mais uma vez em babação e puxação de saco.
É nesse momento que os dentes, milimetricamente enfileirados pelo ortodontista, sorriem dois palmos, e chamam a equipe para o momento do ridículo "Amigo Oculto". Gritinhos de euforia turbinados pelo uísque falsificado injetado em garrafas de Jack Daniels de 18 anos são fartamente despejados em copos enormes, para que ajude a fluir o "eu interior" do sizudo supervisor, e se transforme na Madre Teresa, pelo espaço de algumas horas, ou enquanto durarem os estoques de Jack Daniels fajuto.

Mas não posso criticar a tentativa, mesmo que ultrapassada, dos gestores, em criar ambiente de motivação às suas equipes. Cada dia mais os meios conhecidos se tornam obsoletos diante da concorrência de mercado, seja pelo público interno (funcionários), como externo (concorrentes da empresa). A motivação verdadeira é mercadoria em falta. Estamos perdendo todos os dias, para concorrentes cada vez mais fortes, cada vez menos éticos, cada vez mais invisíveis, até que em determinado momento descobrimos que o maior concorrente que temos somos nós mesmos. 
Estamos perdendo nossa capacidade de competição, porque o primeiro inimigo dorme na mesma cama, e não estou falando do cônjuge, mas de nossos medos, de nossa falta de confiança, de nossa incapacidade de acompanharmos as flutuações do humor da política e do mercado. 

Estamos perdendo nossa confiança, em troca do fácil acesso às respostas por meio do Google, que produz em nós uma letargia e falta de incentivo à busca de respostas com mais profundidade, aquelas que são empíricas, que advém de nossa capacidade de assimilação das experiências, e que por isso, mais maduras e com mais sabedoria.

Estamos perdendo a corrida do tempo para o relógio a nos acelerar no desenfreado vazio que nos lança com força brutal contra as tendências, que nada mais são do que o pensar coletivo que mata o pensar individual. Não uso a roupa que gosto porque outros também não usam aquela que gostariam de usar. Não sento na cadeira que acho confortável, porque suas linhas não se acomodam aos padrões das vitrines nas feiras de lançamentos. Não prossigo na religião de meus antepassados, porque é moderno transigir, mesmo que as transições nos devolvam ao vazio existência, em nome da civilização e do politicamente correto, como se politicamente correto também não fosse um modismo que castra o direito de seguir as convenções, como se convenções fossem um câncer social e que a medicina convencional não pode  oferecer nenhum lenitivo para a dor existencial que se aloja na ânsia por acordar de um pesadelo sem fim.

O inimigo oculto é o amigo fingido, e o amigo oculto é o inimigo disfarçado.  Se um e outro são o inverso de si mesmo, o que resta para a verdade?




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