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quinta-feira, 30 de março de 2017

Gramado chegou no limite? PARTE 3 - Historia do Empreendedorismo de Gramado




Segunda Parte
Entendendo Gramado por sua historia


Foto: Youtube

Por que municípios com as mesmas características geográficas e equidistantes da Capital do Estado, e próximos entre si, apesar de obterem êxito e crescimento satisfatórios, não têm o mesmo apelo turístico de Gramado?

Um múltiplo de respostas está ao alcance desta pergunta: Por seus imigrantes; pela topografia e clima; pelas belezas naturais, etc. Porém, a grande maioria dos lugares tem atrativos naturais. Ou foram edificadas pelas mesmas etnias européias que chegaram à Gramado. Então o que fez de Gramado ser o que é, com os mesmos fatores potenciais de outros lugares?

Embora não sendo uma fórmula ou um segredo com dimensões exatas, há um “ponto cego” neste processo. Uma ramificação na historia que com base nos mesmos parâmetros de uma Sequência de Fibonacci, determina este direcionamento. Tudo começa na década de 40, durante a segunda guerra mundial, quando as praias frequentadas por turistas de Porto Alegre, e do restante do Estado, foram proibidos de frequentá-las, por questão de segurança. Com receio de ataques inimigos, o Governo brasileiro limitou o acesso aos balneários gaúchos por um tempo indeterminado. Diante disso, não restava muita opção ao veranista, do que ficar em casa jogando cartas com a família.

Um agrimensor, contratado por um líder local, que era ainda um Distrito de outra cidade-mãe, observou que a linha do trem cortava o povoado em direção à Canela. Constatou que havia quatro hoteis e cerca de seis ou oito armazéns, todos na mesma rua. Eram hoteis modestos, casarões de madeira, ao estilo italiano e alemão, que atendiam caixeiros-viajantes (vendedores) e comerciantes. Reuniu-se então com estes comerciantes e algumas lideranças locais, e mandou imprimir certa quantidade de material de propaganda, e anunciou nos jornais da Capital, relatando das maravilhas da boa comida e dos ares da Serra, e seus benefícios para a saúde. Começam assim os primeiros “charters” de trem à Gramado e Canela. Os “veranistas” (como eram chamados), eram recebidos com folguedos festivos à sua chegada na Estação Ferroviária e espalhados entre os hotéis da rua principal do povoado. Não faltavam opções de lazer com os jovens e familiares. Piqueniques, saraus, bailes, o perfume das iguarias dos hoteis espalhava-se pelo ar, e o que iniciou como uma alternativa para os banhos de mar, tornou-se uma nova opção de férias, em ambiente familiar e saudável, ao gosto das boas famílias da Capital e cidades metropolitanas.

Ato seguinte, o agrimensor empreendeu em terras próprias um loteamento de alto padrão, oferecendo lotes urbanizados e bem situados, em local privilegiado nas imediações de passagem do trem de ferro.

Como consequência deste empreendimento, novas opções começam a surgir para prender a atenção do turista à localidade. Começa o primeiro ciclo do artesanato de artigos de varas de vime, um arbusto trazido pelos imigrantes italianos para fabricação de cestas e utilitários domésticos. O povoado cresce, torna-se emancipado, e com eles as necessidades também chegam. Não havia mais guerra, mas a opção de veraneio em Gramado era irreversível. Já havia dois médicos na cidade, e também dois hospitais. Uma Prefeitura, cartório, tabelião, delegacia de polícia, duas escolas, sendo uma pública e uma privada, e sucessivamente a cidade começava a tomar forma.

Dentro do que acontece em pequenas cidades, eventos de interesse comunitário também surgem. Em Gramado, devido à grande quantidade de Hortênsias plantadas pelos empreendedores pioneiros, criou-se a Festa das Hortênsias, com tudo que tinha direito: Escolha de Rainha, desfiles com carros ornamentados, bandas marciais, acrobacias aéreas da Esquadrilha da Fumaça, e naturalmente, muita comida, pois não existe festa sem boa comida, muita comida e comida original.

Neste novo formato, Gramado começa a receber não apenas veranistas de temporada, mas também visitantes ocasionais, domingueiros. E para estes, uma nova oferta supre a demanda: os restaurantes e churrascarias. Lojas de armarinhos e confecções, armazéns, fábricas de doces, postos de combustíveis e outros estabelecimentos se alinham ao crescimento tangível da cidade. Novos postos de serviço são criados. Novos empregos. Novas oportunidades.

Uma particularidade a ser destacada é que dos anos cinquenta em diante, havia empregos específicos para meninos a partir de doze anos. Eram empregos não formais, naturalmente, mas eram empregos. Os meninos ocupavam-se nas fábricas de doces, descascando frutas. Ou então, nas fábricas de vime, geralmente familiares, responsabilizando-se por tarefas de menor responsabilidade, como descascar vime, lixar pequenas peças de madeira, envernizar as peças, ou até mesmo trançar cestinhos mais fáceis de confeccionar. Trabalhavam por meio turno, enquanto estudavam no turno seguinte. Alguns não estudavam mais, então trabalhavam em turno inteiro, e por esta razão, recebiam mais que os colegas estudantes. Isso dava-lhes certo ar de maturidade.

Não compete aqui julgar o certo ou o errado deste procedimento, senão apenas relatar as possíveis causas do berço do empreendedorismo nesta cidade.

O autor deste estudo mesmo, ocupava-se desde muito cedo a tarefas já citadas, além de outras como: entregar fonogramas, auxiliar em lavanderia, acompanhar turistas (a profissão de guia de turismo nem existia ainda nesta região. Eram estes meninos quem cumpriam esta tarefa. Era nitidamente uma profissão para meninos apenas).

Até meados dos anos sessenta, destacavam-se algumas fábricas de móveis, especializadas em mobiliário de madeiras nobres (louro, marfim, cedro, cabreúva) e Pinheiro Araucária. Esta última, era utilizada para confeccionar móveis de padrão médio e baixo. O estilo predominante era Luis XV , ou Chippendalle, como também chamavam alguns. Não havia a profissão de desenhista, projetista ou arquiteto. Eram os marceneiros quem procediam a venda e planejamento dos móveis junto com os clientes. Eram móveis finamente acabados, lustrados com goma laca, ou laca chinesa, vulgarmente conhecida como “laca asa de barata”, por causa das lâminas do produto antes da diluição se assemelharem à textura da asa de uma barata.
Não havia loja de móveis ao molde atual. Era num pequeno escritório malcheiroso e empoeirado das marcenarias, que eram feitos os negócios e tratativas do produto. Não havia ainda a profissão de vendedor de móveis. Era apenas o marceneiro e o cliente.

Outros profissionais começam a despontar, em apoio à construção civil, como o pintor, o encanador, o fabricante de esquadrias, o vidraceiro, e assim por diante. Com os profissionais, vêm também as lojas de materiais de construção.

Não havia ainda engenheiro ou arquiteto na cidade. O Poder Público começa a sentir necessidade de planejar o seu setor de urbanismo e normatizar as edificações. Desenhistas então começam a desenhar as plantas das casas de maneira bastante empírica, sem normas definidas, sem padrão de apresentação. Cada um desenhava como achava melhor, e aqueles que tinham algum domínio sobre a forma de construir, angariava mais clientes (fregueses) para seus projetos. Naturalmente com o passar do tempo surgem também estes profissionais especializados: o engenheiro, e bem mais tarde, o arquiteto.

O meio profissional começa a crescer também. Os serviços liberais, mesmo na área da saúde eram de fato “bem liberais” mesmo. Não havia dentista formado. Uma dor de dente era resolvida com um “Prático Licenciado”, ou seja, alguém que aprendeu com alguém a extraír dentes, montou um consultório, e extraía dentes. Era sua tarefa. Eram sessões de tortura pela qual todos tinham que passar algum dia.  Com o crescimento da cidade, do turismo, percebe-se que havia outro tipo de profissional mais bem preparado, graduado, que aos poucos chegava para ocupar o lugar em aberto dos torturadores licenciados. A odontologia humaniza-se. E também a medicina ganha seu espaço. Chegam mais médicos, farmácias, laboratórios de análises clínicas, e mais profissionais.

A sociedade se moderniza. E tem necessidade de clubes de lazer. Já havia três, que também agregam valor às suas sedes sociais. Famílias originarias das primeiras que chegaram pela opção do trem, reúnem-se e fundam seu próprio espaço, e depois agregam a “alta sociedade” entre seus membros. Surge o clube de golfe. Que trás um outro grupo de turistas. E os empreendedores locais percebem que há uma demanda de habitações, mas há pouco terreno disponível. Começam os condomínios, na década de setenta.

Antes disso ainda, em meados dos anos sessenta, chega à Gramado uma artista plástica, Elisabeth Rosenfeld, que adquire uma área de terra próxima ao centro, mas em uma vila pobre. E é aqui que começa uma segunda etapa do empreendedorismo de Gramado. É criado o Artesanato Gramadense.
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A palavra “Artesanato” era completamente nova. Desconhecida. Elisabeth populariza e personaliza a expressão, e edifica uma escola diferente: os aprendizes não pagavam nada, mas eram pagos para aprender. Alunos de escolas de Porto Alegre, Sçao Paulo, Rio de Janeiro, e até da Alemanha, permaneciam temporadas como aprendizes da artista em seu ambiente de trabalho. Também alunos das escolas locais eram frequentadores habituais em suas aulas livres de desenho.
Na sua pequena fábrica, que inicia com um atelier, Elisabeth produz peças de cerâmica, mosaico, escultura em madeira, e tapeçarias. Um tear rústico é montado e duas mulheres, da própria vizinhança, são contratadas para aprender a nova profissão. Em poucos anos, Gramado já fabricava seus próprios teares, ás centenas, e eram espalhados por todos os lados, gerando renda para centenas de mulheres, antes singelas e recatadas senhoras “do lar”. Do tanque para o tear. Do tear para a loja. Da loja para a casa nova, o carro, a geladeira, o receptor de Tv, o toca-discos.

Em poucos anos, o Artesanato Gramadense, antes num recanto de vila, torna-se a principal atração turística de Gramado. Passa a fabricar móveis de madeira proveniente de Santa Catarina e da Amazônia. Com a necessidade de povoamento da região amazônica, por iniciativa militar para evitar a descaracterização territorial do Brasil, o que oferecia, segundo voz corrente na época, abre-se a Rodovia Trans-Amazônica. A madeira aparecia de todas as formas. Custava apenas o frete, e gera uma nova alternativa para Gramado: as marcenarias de móveis sob medida, seguindo o já consolidado “Estilo Gramado”, ou, “Móvel de Gramado”.

Está consolidada a marca “Gramado” então no mobiliário, nas tapeçarias e tapetes de lã (que por sua vez fomentam o comércio da lã, da juta, de insumos para estes produtos), no artesanato decorativo.



(Continua)

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