Toda família tem um louco. Todo bairro tem seu abilolado, e nenhuma cidade é uma cidade completa sem os seus doidos de atar em postes. O doido da rua é o sujeito mais temido e mais amado ao mesmo tempo. É a garantia de que bulying é coisa que só pega em quem se acha perfeito, normal, regular, justo e linear, porque doido que é doido, baba só pra rir da cara dos outros.
Toda cidade tem seu aparato de malucos para enfrentar o mau humor dos pretensos normais. a Bíblia diz que D's usa as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios. Interessante, pois não deveria ser o contrário? Não deveriam os sábios envergonharem os símplices e faltos de entendimento? Pois estes paradoxos são a maior loucura da sabedoria dos justos.
Há porém algo que me assusta na questão da loucura, que não é o medo de enlouquecer, mas o medo de perceber que sempre fui louco, e alguém me despertou de minha feliz condição, pelo simples prazer de ver-me introspectivo buscando razão para minha existência num mundo que não entende os loucos.
O que é a loucura e a sanidade senão o estado em que nosso corpo não compreende mais nossa mente, e o raciocínio deixa de ser lógico para os lógicos, e passa a ser óbvio para os livres?
Em certas tribos antigas, os loucos eram vistos como enviados dos deuses, e respeitados, mas não temidos. Hoje, a inversão de valores recebe o nome de perversão, e aquilo que outrora era pervertido, torna-se, mediante novas regras, corriqueiro, normal, regular e legal.
Um dia fiquei escandalizado ao ver uma velha fazendo cocô à beira da calçada de uma grande cidade. Não pela velha, mas pelo falso pudor daqueles que fazem isso todos os dias,e ainda leem revistas de pornografia para acelerarem o tempo do exercício fisiológico. E nesse tempo de pensamento, a velha deu uma gargalhada sonora, baixou a saia e saiu cantarolando, enquanto se escapavam da possibilidade de serem abraçados por ela. Eu fui o primeiro. Sou hipócrita, mas limpinho. Só que não. Saí com inveja dela, porque eu também estava apertado e precisei esperar até chegar em casa para fazer escondido aquilo que ela fez em público. Só que eu não pude rir de mim. Nem eu, nem ninguém mais.
Os loucos eram alvo das pedradas dos meninos endemoniados e de suas cantigas infernais durante o intervalo das aulas de religião, e assim, relaxavam um pouco antes da prova sobre o tema do amor ao próximo, onde tiravam nota máxima pela dedicação nas aulas.
Loucos vem e vão de nossas vidas. Uns que nos maltratam, e outros que nos defendem. Uns a quem maltratamos, e outros a quem não temos coragem de defender.Temos medo da loucura, mas medo ainda maior de que não sejamos mais encaixados na gaveta dos normais, porquanto seja apertada e vazia, porque nos loucos residem os grandes vazios e os grandes depósitos cheios destes vazios.
Minha loucura eu não dou, não vendo, não empresto, e nem mostro, sob pena de que a tomem de mim. Mas da loucura alheia também não quero provar. Posso gostar. Posso não devolver nunca mais.
E você aí, tá rindo do que? Não fique ai parado, porque as abóboras não brotam sozinhas nas laranjeiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário