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sábado, 1 de julho de 2017

Bebendo água que lavou o "isqueiro" - Benzeduras de Dona Chinoca e outros



Há poucos dias atrás, uma novelinha muito engraçada mostrou um episódio deveras interessante de de teor pitoresco e histórico: O café passado na calçola da moça para despertar a paixão do titubeante varão.  Pasme! Ela é usada ainda nos dias atuais. Provém de crendices tão antigas quanto  a história do Brasil. Ou mais até. São "simpatias" rituais, provenientes de místicos, malucos, místicos malucos ou alquimistas desde a Idade Média, cujos ensinamentos eram passados adiante, e chegaram ao Brasil, trazidos pelos colonizadores, e que ainda são preservados pela memória de poucos em lugares mais retirados, no interior e onde se prolifera a pobreza e a desinformação.

Parecem histórias fantásticas, mas eu mesmo presenciei, quando menino, alguns destes ritos, ou ouvi contarem dos feitos de pessoas sinistras para obtenção de vantagens, ou resgate de amores perdidos, ou não correspondidos.

Quem tem acima de quarenta anos de idade, lembra de algumas pessoas mais humildes, que viviam em Gramado, a quem este relato não se empenha em diminuí-las pela condição singela,mas resgatá-las à memória humana desta cidade. Uma destas pessoas era a Dona Chinoca. Não sei seu nome, mas se não me falha a memória, ouvi certa vez alguém chamá-la por Maria. Maria Rodrigues dos Santos. Talvez fosse este o nome. Mas era conhecida como Dona Chinoca.


Dona Chinoca era benzedeira. Das afamadas.  Antes porém, quero salientar que "isqueiro" era um dos muitos apelidos dados pelo populacho ao orifício excretor. Dito pois, atenho-me ao fato. Dona Chinoca perambulava, arcadinha pela artrite, pelas ruas da cidade, de casa em casa, levando benzeduras, e trazendo donativos, com os quais, alimentava a si, e a dois filhos especiais, que também Gramado conheceu, como "Lino e Landa". Lino ainda vive, Landa já descansou, assim como a mãe, Dona Chinoca.
Testemunhei a benzedeira "tratando" de um vizinho, que assentado de olhos arregalados e muito reverente, à frente da anciã, corria os olhos ao paninho que ela costurava, gesticulando, passando por sobre as partes adoentadas do efebo, porém, sem linha, Apenas uma agulha e um trapinho velho, enquanto rezava em um idioma que só ela entendia. Isto feito, erguia-se com dificuldade, e pendurava o trapinho atrás da porta, para que quem ali passasse, levasse o pano embora, e junto dele, o mal que afetava o jovem de olhos arregalados.

Outro curandeiro conhecido era o Velho José Tristão, um tio-bisavô meu, cujo nome verdadeiro era José Francisco de Oliveira.  Velho Tristão havia cometido um crime, na juventude, assassinando seu cunhado, que era meu bisavô. Como punição, além de passar alguns anos na prisão, e depois de tomar um chute da mulher, lá por São Joaquim, onde fora viver,  até amealhado certa fortuna, de um dia a outro viu-se na miséria e voltou a morar em Gramado, onde passou o resto dos dias como um peregrino mendicante, vivendo pela misericórdia da irmã e das sobrinhas, as órfãs do homem que ele havia assassinado. Uma destas sobrinhas era minha avó, Maria Elisa, e sua irmã, Maria José, a Tia Zezé.

Pois José Tristão era muito inteligente e habilidoso. Um artífice completo. Dominava as ferramentas de madeira e de metal, assim como também uma belíssima letra ornamentada e firme. Extremamente culto e religioso, Zé Tristão levou para Gramado a Igreja Luterana, IELB, mas também levou, anos mais tarde, a religião africana, conhecida pelo populacho, de "Saravá".

Zé Tristão também perambulava pelo misticismo. Falava constantemente em práticas de magia para tornar-se invisível, cozinhando um gato numa noite sem lua e invocando certas rezas, que nem quero pensar quais fossem. Andava ainda de casa em casa apregoando a existência de um "Cabedal", tesouro, enterrado pelos Farroupilhas, ao qual dedicava horas e dias cavocando aqui e ali, com um monte de arames enrolado nas mãos, servindo de detectores de metais por radiestesia, outra crendice de priscas eras, ainda utilizada até hoje  pelo achadores de água, mas que também dizem servir para encontrar almas penadas nas casas velhas.

Chico Macuco era outro sujeito sinistro, baixinho, usava um pequeno bigodinho, e movia a cabeça rapidamente de um lado para outro, como fazem os pássaros. Talvez por isso o apelido de "Macuco". Era mal humorado, e como já disse, muito sinistro. A gurizada se pelava de medo dele,e ficavam escondidos no mato espiando ele passar, e quando percebiam estarem a uma distância bem segura, assobiavam, imitando um Macuco, irritando-o ainda mais. Pois Chico Macuco era caçador e não raro vi as velhas da vila encomendando-lhe óleo de capivara, ou algum linimento catinguento pra "fumentar as hemorróides".

Outra mandinga braba que presenciei na infância foi uma "simpatia" para "sair a catapora" das crianças. Quando alguém da família contraía catapora, ou varicela, as crianças corriam a procurar "Jasmim de Cachorro", isto é, esterco seco de vira-latas, quando ficava esbraquiçado. Aquele cocozinho branquinho que os bem educadinhos "filhinhos" deixam pelo gramado alheio. Pois com aquele conteúdo, era feito um chá, misturado com algumas ervas aromáticas, e efiado, delicadamente goela abaixo dos pimpolhos, para que se tornassem sensíveis e contraíssem a doença de uma vez, todos na casa. Acho que funcionava. Nunca experimentei, porque minha avó não era muito dada a estas ciências sinistras, e lá em casa funcionava mesmo eram os elixires, como: Paregórico, Bukru, Óleo de Rícino (uma delícia, eu recomendo), Olina,  chá de Sabugueiro, Biotônico Fontoura (este era de aperitivo), e se nada funcionasse, o destino era a Fármácia Galeno, do Seu Beno Ruschel, e dê-lhe injeções bem doloridas.

Assim, beber a tal "água que lavou o isqueiro", também conhecida entre os descendentes de açorianos, como "água do cu lavado", uma infusão feita com água passada na ceroula suja da senhôra, cujo amor não estava correspondido pelo bom varão, e que seria utilizada para prepararar-lhe um café, pois ao bebê-lo, ficaria imediatamente apaixonado pela fêmea em questão. Esta é uma das tantas tais mágicas do Livro Preto de Cipriano, da requintada literatura medieval.

Mas, enfim, no final do história, José Tristão, que era doido de atar e não parava de elogiar os atributos femininos de jovens afro-descendentes ou caucasianas, aos quais denominava de "Mamica duma Mulata", ou "Mamica duma Lamoa", nunca encontrou nenhum outro. Morreu miserável, com um pano atado à cabeça, como uma vovozinha, e em seu funeral havia meia dúzia de parentes.Os mesmos que ele deixou órfãos.





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